Aos Domingos, Dias Santos de Guarda e feriados os largos de Quadrazais animavam-se com os balhos. Em tempos idos, quando havia muita rapaziada na terra, contratavam dois ou três tocadores de concertina nas redondezas, como era o caso do Chico dos Forcalhos, ou até mesmo em Castelo Branco.

O Manel Agusto, tocador habitual das inspecções militares, era de Salgueiro do Campo, no concelho de Castelo Branco, como dizia a moda por ele trazida para a aldeia:
O Manel Agusto
Diz que quer, que quer
Casar com a Faustina,
Deixar a mulher.
Salgueiro do Campo,
Terra do Minho,
Em Castelo Branco
Tens um cantinho.
Cada bairro de Quadrazais queria armar o sê balho no seu terreiro para fazerem ver aos demais e para que as suas raparigas não fossem roubadas pelos rapazes dos outros bairros. Havia um largo ou terreiro para os do Cimo ao Eiró, outro para os do Fole, outro à Praça e outro para os do Fundo. Todos davam volta ao povo com o seu tocador. Havia despiques e, por vezes, umas bulhas. Era o que acontecia na Sant’Ófêmia, quando os copos já ferviam lá dentro. E sobretudo se algum de outro bairro ia tirar a rapariga a um do bairro que contratara o tocador, costume que ainda se mantém e nenhum rapaz pode recusar. Para pagar o tocador todos os rapazes solteiros tinham de contribuir com determinada quantia. Se não pagavam a bem, pagavam a mal, com uma tareia das antigas.
O mesmo acontecia para a corrida do boi no dia 17 de Setembro. Para a corrida todos os bairros se uniam na cobrança. Andavam três ou quatro rapazes com um lenço vermelho pelas ruas a cobrar. Casa onde houvesse rapaz solteiro ou que o encontrassem na rua tinha de contribuir com vinte mil réis. Havia rapazes que não tinham esse dinheiro.
– Se não tens, arranja-o! Tens três dias para pagares!
Ai de quem não pagasse a bem! Tinha tareia certa e tinha de pagar a mal.
Mas, muitas vezes, o balho era só num terreiro, normalmente ao Vale. Enchia-se de mirones, sobretudo mulheres que botavam palpites sobre casamentos futuros de A com B.
– Não os vendes agarradinhos? Olha aqueles olhares entre eles! Olha ele a segredar umas palavrinhas ao ouvido de fulana!
Muitas vezes batiam certo os vaticínios. Nas ruas as raparigas não falavam com os rapazes e só quando, à tarde, elas iam à fonte encher os cântaros é que eles, sentados no tecto da fonte de mergulho ou empinocados junto ao cruzeiro, teriam ocasião de as admirar, lançar-lhes algum olhar especial e escolherem a futura noiva.
Quando havia casamento o baile era privativo da boda e, por isso, teria de ser em casa fechada. O Piroco, ao lado da Nazaré Balbina, tinha uma casa sem divisões. Era óptima para uns quinze ou vinte pares. Ali os rapazes convidados até teriam mais facilidade de escolher namorada em ambiente de boda. E os olheiros eram menos e mais os familiares. Haveria menos vaticínios e mais balho. Balho desagarrado era mais difícil em tão curto espaço, mas eles até gostavam de se sentir agarradinhos!
E assim o Piroco lá embolsava uns cem escuditos que davam muito jeito a quem já não trabalhava e não tinha outros rendimentos.
Menos frequentemente, também a ti Dulce do Finote alugava a sua casa para o efeito, já que dispunha de uma boa sala e o dinheirinho fazia falta para matar a galula aos filhos.
Em certas noites havia grupos de rapazes que davam volta ao povo com um tocador de viola- o João Perricho ou o Imbude. Cantavam em modo de fado ou de saloio canções próprias ou alheias, em despiques, muitas vezes dedicadas às raparigas do bairro onde passavam.
Esse Quadrazais acabou. Balhos só nos dias da Festa de Santa Eufêmia em Setembro, com um ou mais conjuntos. O Piroco já lá vai há muitos anos. Mas a sua casa também já não seria precisa, que os casamentos acabaram há muito. É raro um casamento em Quadrazais. Os que se casam ali vão ter o copo de água na Guarda ou Covilhã, sem baile.
Tocadores de concertina contratados acabaram. O Manel Agusto, se ainda vivesse, teria de ir tocar para outro lado, que até as festas da inspecção acabaram.
– Onde está a mocidade?
– Em França, em Lisboa e numa ou outra cidade de Portugal.
Felizmente que a tropa agora já não é obrigatória, senão, bem poderiam os inspectores esperar no Sabugal pelos quadrazenhos, que estes não apareceriam.
Se não há rapazes, acabaram as voltas ao povo com concertina, guitarra ou tambor, que os Casados já não tocam e o Imbude e o João Perritcho, que aprendera com o Imbude, também já foram.
Que saudades desses tempos de alegria!
Notas:
Agusto – Augusto.
Armar o sê balho – fazer o seu baile.
Balho – baile.
Galula – fome.
Empinocado – em pé, ociosamente.
Vendes – vedes.
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