Quadrazenho foi emigrante no seu país, emigrante e sempre errante por esse mundo fora.

3 – Conclusão
Depois deste inventário de terras adoptivas de quadrazenhos, conhecem acaso alguma outra terra de Portugal que tivesse dado tantos dos seus filhos a outras terras?
Então, podemos ou não afirmar com toda a propriedade que Quadrazais é terra de emigrantes, mesmo antes dos tempos recentes em que se passou a falar tanto de emigrantes que, por enviarem as suas remessas para Portugal, fizeram crescer este país, a ponto de passarem a ter estátuas por esse Portugal fora? E, quando pensávamos que a emigração tinha estancado, eis que países como a Inglaterra e outros continuam a acolher tantos trabalhadores, mesmo os mais qualificados e com cursos superiores, que no seu país não encontram trabalho para poderem viver.
É triste, mas é a realidade! Também há quadrazenhos entre estes, mas já poucos, que jovens em Quadrazais já é algo raro, pois quase só nascem ciganos vindos de outras terras a ocupar o espaço dos que saíram. Muitos nunca mais voltaram à terra que os viu nascer. Muitos outros ainda vêm no Verão matar saudades e ensinar aos filhos, já nascidos fora, como é a terra de seus pais. Se eles têm saudades dos familiares, amigos ou simplesmente colegas de infância nos países onde moram, os quadrazenhos que por cá ficaram também os lembram com saudade, que matam nos verões em Quadrazais, quando encontram alguns que já não viam há quarenta ou cinquenta anos e com eles recordam peripécias dos tempos de escola. Que bem lhes sabem os queijos, chouriças e pão na boca de onde há muito saíra o sabor desses produtos!
Bastantes regressam de caixão para deixar os ossos na sua terra. Mas, muitos, já ficam em cemitérios da estranja.
Seja como for, a França foi a salvação de quadrazenhos e de muitas outras terras da raia e de todo o Portugal, de gentes que viviam na miséria ou quase. Muitos regressam à terra, já reformados, com dinheiro suficiente para uma velhice decente. Alguns não quiseram trabalhar e outros gastaram tudo o que ganharam e pobres continuam.
A diáspora jamais terá fim, só se faltar o ADN de aventureiro e viajante que corre nas veias do quadrazenho ou desaparecerem por completo os jovens dessa terra.
4 – O quadrazenho errante
Fosse para vender contrabando de produtos espanhóis-pana, boinas, sandálias de borracha, roupa interior de mulheres, mantilhas, véus, sedas, cobertas, toalhas, ceregumil (fortificante), chocolate, caramelos e galhetas, pimentão, azeite, ou até pão espanhol, etc., fosse para vender produtos portugueses-cortes para fatos, tecido para lençóis, colchas, borralho, azeite, borras, vinagre, aguardente, mel, sabão, etc., a pé, a cavalo ou de carroça, o quadrazenho calcorreou Portugal inteiro e também boa parte de Espanha, a pé ou a cavalo, onde vendia sobretudo café, mas também tripa, riscado e pano cru. E não se pense que a pé apenas se deslocava nas terras mais próximas da sua ou até à Guarda, Covilhã ou Castelo Branco. Ia mesmo para longes terras, como Lisboa ou Alentejo, quando transportava apenas até vinte quilos. Para cargas maiores usava o cavalo ou carroça puxada por macho quando já tinha ganho para isso. Era o eterno ambulante que, nesses tempos, ganhava mais que a generalidade dos contrabandistas, a ponto de serem considerados ricos na aldeia, comparados com quem nada tinha, e terem direito a comer trigo, contra o centeio comido pela generalidade dos conterrâneos.
As profissões de almocreves, transportadores de mercadorias, e mais tarde ambulantes já existiam em Quadrazais no séc. XVII: 2 almocreves e 2 azeiteiros. No séc. XIX havia 381 almocreves, 15 ambulantes e 13 negociantes. Entre 1900 e 1965 registei 14 almocreves (profissão que desaparece a partir de 1939, passando, certamente, a ser designados por negociantes), 70 ambulantes, 146 negociantes (aparecendo apenas 5 até 1939), 1 tendeiro e 1 comerciante ambulante. Considero a 2ª metade do séc. XIX, juntamente com a 1ª metade do séc. XX, a época de maior desenvolvimento de Quadrazais em população e riqueza, não só pelo contrabando e ambulância, como ainda pela indústria do sabão. A abundância de dinheiro fez crescer o número de comércios, tabernas, gados e outras actividades económicas.
Vendiam produtos portugueses:
– Azeite- o Nechinha Velho, Américo Barreiro, Galana, Funil e Preto Meirinha.
– Borras – o Cotilhas e o Preto Meirinha.
– Mel – o pai da Maria Augusta.
– Carvão – iam vender ao Sabugal e Pêga algumas quadrazenhas.
– Aguardente – o Funil.
– Vinagre – o Vinagre.
– Sabão – o ti Manel da Trindade (no Soito); o Preto Meirinha.
– Fazendas:
– Em Lisboa – o ti Manel Finote e António Manuel, o António Charavilha, o Esteves Bicheiro, e o António Mocho velho.
– No Campo – os Moreiras – Zé, Américo e Zé Jaquim.
– Pelo Alto Alentejo – Meu avô Braga e filhos, Simão Ferrador, Balhé Cardosa e genro Zé Cardosa, o Manel Sordo, o Nacleto Carrapatinho e irmão Paulino, o Tó Cardosa, Zé Réqué, Nascimento, Borrega (Sarangalho), o Zé Birrão.
– Pelo Baixo Alentejo- o Manel Zé Chibo e filho, os Soares-Arlindo, Zé, Flozindo e Bráulio, o Zé Ferro, Augusto Restelo e filho.
– Pelo Algarve – o Edgar Fernandes e Bicheiros (tios do Rui Lourenço).
– Pela Lourinhã – o Mas… Mas.
– Pela Borda d’Água – o Manel Morais (o Borda d’Água).
– Torres Novas – Zé Réqué e filho Leonel.
– Por terras de Trás-os-Montes: O Gordinho e 2 filhos; o Dionísio Bento.
– Valpaços e outras-Zé João, João Xastre, António Domingos e filhos Tó e Quim Domingos.
– Mirandela – o Vinhas e Martreso.
– Figueira de Castelo Rodrigo – o Ginjo e filho.
– Por outras partes de Portugal – o Manel Zé Vaz e filhos Odemiro e Anacleto, Zé Menina, Manel Domingos, o Balhé Afonso Cacheinado, Abel e filho, Paisana, Semeão, Zé Birrão e irmão Dionísio, os Bedos – pai e filhos Aquiles e Zé Manel, os irmãos Manel Zé e Américo Saloio, João Baldo, Simão Ferrador e filho, Victório, Comaites, ti Vicente, Herculano, Vidalegre e sabe Deus quantos mais!
Vendiam produtos espanhóis em Portugal:
– Chocolate espanhol- o ti Catalão, em Castelo Branco; certamente os Vaz Menina, pois ficaram com a alcunha de Chocolate.
– Fazendas e roupas:
– por trás de serra-Melo, Seia, etc. – o ti Benjamim Pires.
– Aveiro – o Simão da ti Mília.
– Torre e arredores – o Balhezinho.
– Lisboa – Alzira, Bajé do Mário, Maria Lucas, Daniel Baldo, o Zé da Reis.
– Pela Marinha Grande – Zé Manel Sedas e irmão Balel.
– Coimbra – Carvalhas: Manuel José e Jé; João Chanas, Manel Jaquim Meirinha, Bajé Pecada, Nana, Tonho Mocho, Calrista, Tó Ruvino, Manuela, Raul Bicho.
– Guarda e arredores – Maria do Sá, a Preciosa.
– Figueira de Castelo Rodrigo – ti Mansa e marido.
– Covilhã – Maria Augusta, Dulce do Finote, Gina Selada, Adélia do Cruz, Tó e Zé Pepe, Alice Charavilha, Estrela do Toninho Meirinha, uma Corceira (mãe do Fernando Corceiro).
– Viseu – Jé Selada, Jaquim Caseiro, Manel Zé Bô e esposa Maria Alice, Manel Ramos e esposa Altina, Rafona.
– Cartaxo – Simão Rodrigues, Agostinho Moira e Farrenheiros.
– Santarém – João Moira, Simão Frade.
– Torres Vedras – Manel Fracisco Sapateiro.
– Por outras terras de Portugal: Amano, Artur da Calota, Balhé Selada, ti Birrão, Brocho, Bumbana, Cacheinado, Calotes, Catarnocho, Cipriano, marido da Vera; Cuco, Fanhinhas, Fornico, João Cãozinho, João Lhalhão, Marosca, Né Chorão, Padeces, Paposeco, Perricho, Ramiro, Tó Ronha, Vitorino Próprio, Tó Baldinho, Zé Lareia, Zé Manel Coixo, Zé Manel Manal, Zé Manel Maja, e muitos mais.
– Por terras de Espanha:
– Café e outros produtos portugueses:
os Cigarris, Zé Manso, Jaquim António, o Zé Borrega, Fortunato Castelhano, Zé Charavilha, João Chanas velho, ti Alzira, Tó Terrá e Armindo Manhonho.
– Minério (volfrâmio): levaram-no para Espanha por conta própria – o Zé Borrega, o Tó Lórenço, o Balhé Cordeiro, Tonho Mocho e Zé Manel Barreiros.
Nestas andanças, muitos acabaram por se fixar nalguma das terras por onde andavam, uns porque aí casavam, outros por acharem ser sítio melhor para viver e educar os filhos.
Casaram em Sousel – meu tio Zé Braga e o Manel Zé Gordinho;
Casou em Évora – o Paulino.
Casou em Ferreira do Alentejo – o Zé Manel Restelo.
Casou na Amieira – o Vinhas.
Casou em Vila Nova de Cacela – o Edgar Fernandes.
Fixaram-se noutras terras por outros motivos – os que indiquei atrás, sobretudo em Coimbra, Viseu e Lisboa.
Notas:
O mesmo quadrazenho pode aparecer em vários lugares. É que ele deslocava-se para onde sentia poder melhorar a sua vida ou por outros motivos, como a descolonização. Muitos desempenhavam funções públicas: professores, polícias ou outras, pelo que mudavam para a terra onde fossem colocados.
Certamente, por escrever tudo isto de memória da minha infância, terei esquecido alguns quadrazenhos, ou cometi alguns erros, de que peço desculpa.
Referindo-me aos da minha geração ou mais velhos uso os nomes por que eram conhecidos na terra. Para os filhos, muitos dos quais já nem sei quem são, uso os nomes por que aparecem nos registos.
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