Em todas as sociedades, e a nossa não é excepção, sempre existiu e continuará a existir a dicotomia interesse público e interesse privado. Ambos são legítimos mas por norma há uma prevalência do público quando em confronto.

De forma natural podemos constatar que os dois interesses em jogo na sociedade, só uma pequena parte de ambos pode ser coincidente. Por isso a imagem acima é significativa.
De cada vez que um governante ou mesmo membro da oposição vê um microfone ou algo de parecido que permita chegar com a sua voz a várias pessoas, ele falará invariavelmente do interesse público pois é isso que move, segundo diz toda a sua actuação.
A forma enfática com que falarão do interesse público é sempre inversamente proporcional às medidas desagradáveis que serão obrigados a tomar precisamente para defender essa coisa a que sempre chamam o interesse público.
Os cidadãos, ouvem aquela gente falar daquela maneira, de uma forma tão sofrida, que podem chegar a ter pena daquelas pessoas, que, coitadas, para defender aquela coisa do interesse público, sofrem como poucos.
Portanto há todo um conjunto de actores nestas situações, que, conforme a sua habilidade, podem ser capazes e fazer chorar as pedras da calçada, quando tomam medidas drásticas e desagradáveis que regra geral são destinadas como dizem a defender o tal interesse público.
Mas afinal o que é essa coisa que todos dizem defender mas que apenas alguns fazem o que dizem? Essa coisa a que chamamos interesse público é um conceito que pretende representar o interesse da comunidade em que estamos inseridos. É uma coisa que é mais importante que todas as outras e principalmente quando confrontada com interesses privados, tem de prevalecer.
No fundo estamos a dizer que se for necessário sacrificar direitos em prol da defesa do interesse de todos, eles podem ser sacrificados. Aliás não é nada de novo por exemplo, quando se pretende expropriar um terreno para a construção de uma escola, de uma estrada, etc.
Essa expropriação, que no fundo anula o direito de propriedade que um particular tem sobre ela (interesse privado) para que sobre o mesmo se possa executar a tal obra (interesse público) é demonstrativa de como, na nossa sociedade o interesse do colectivo prevalece sobre o individual.
Por tudo isto, é natural que sejam os órgãos base do Estado, a defender o interesse publico. Defende-se o interesse público quando se julga alguém, quando se quer limitar ou anular outros direitos como por exemplo o de propriedade, quando um policia impede um roubo, etc.
Mas a questão do conceito de interesse público mantém-se por esclarecer, ou melhor, é um conceito que não deve, nem pode, na minha opinião ter um conjunto objectivo de propriedades que permitam inequivocamente concluir isto é ou não de interesse público.
É assim que nós queremos que seja, pois caso contrário a limitação resultante de uma objectividade do conceito criaria limitações que só com um novo conceito poderiam ser alteradas.
Este conceito indeterminado de interesse público permite por exemplo que quando uma determinada corrente politica desempenha o poder, pode moldar o conceito aos seus princípios.
Temos vários exemplos dessa adaptação. Quando o Governo tem características mais alinhadas à direita, o interesse público tem características totalmente diferentes de quando o Governo é alinhado à esquerda.
Podemos então concluir que o conceito de interesse público é um conceito variável que se vai moldando conforme a corrente politica que temos na condução dos interesses do Estado e que, como sociedade democrática que somos, nós elegemos.
O único problema que vejo neste tipo de conceito é apenas a deturpação e vulgarização do seu uso, principalmente por quem a obrigação de o proteger.
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«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
Caro Luis Pereira:
Obrigado.
Foi por ter no meu subconsciente aquilo que lhe despertou o seu comentário, que escrevi o texto que o motivou.
Temos de continuar a pensar no interesse público como sendo algo cujo valor não tem preço para que, assim possa efectivamente ser valorizado e defendido.
Um abraço
Jfernandes
Caro José Fernandes,
este excelente artigo foca um conceito cuja indeterminação leva a tudo e mais um par de botas.
A nível municipal é mais fácil delimitar esse conceito, pois como refere, a implantação de uma escola ou de uma estrada é facilmente sustentada pela utilidade/interesse público. No entanto a nível nacional, a utilização do interesse público em sacrifício do interesse dos particulares é facilmente aprisionado pelos titulares dos órgãos de poder. Os particulares/cidadãos, através das figuras do interesse e da utilidade pública têm sido “convidados”a contribuir para o desmando de uns tantos agiotas que usam e abusam destas “capas” para servirem unicamente os interesses particulares e corporativos. Tal como diz este é “O único problema que vejo neste tipo de conceito é apenas a deturpação e vulgarização do seu uso, principalmente por quem a obrigação de o proteger”.