Quando morria um adulto, cantavam-se os Ofícios Divinos (as Vésperas ou Completas) seguidos de missa de corpo presente, se os familiares deste tinham posses. Por vezes, os Ofícios eram rezados ou cantados passados uns tempos. Faziam parte do Bem d’Alma que o defunto deixava em testamento.

O abade convidava uns sete ou oito padres do concelho, geralmente o do Soito, o de Vale de Espinho, o de Rendo, o de Vila Boa, o de Malcata e o do Sabugal, colocavam-se frente a frente na coxia e, em tom monocórdico de fabordão, cantavam as Vésperas ou Completas.
Um dos convidados era quase sempre o padre Zé, do Ozendo, pároco de Aldeia Velha e mais tarde de Rendo, onde acabou os seus dias e ficou sepultado a seu pedido.
Pois bem, em certo dia de Ofícios reparou o colega que estava na sua frente que o padre Zé tinha a batina desabotoada na parte do baixo-ventre, onde a verguilha também estava aberta. Para não interromper o fabordão para lhe chamar a atenção para esse facto, resolve cantar, como se se tratasse do texto dos Ofícios:
– Ó senhor padre Zé, olhe a coisa que se lhe vé!
No mesmo tom monocórdico, responde-lhe o padre Zé:
– Fez bem em avisar, que ela poderia saltar!
E a cantilena dos Ofícios continuou sem que a maioria do pessoal se desse conta que o Latim havia sido substituído pela língua portuguesa.
O padre Zé, gago, era muito boa pessoa. Dava tudo aos pobres, a ponto de apresentar os sapatos com a sola por baixo toda rota, por falta de dinheiro para os reparar.
Mas não deixava de ser homem, como os outros.
Um dia em que se deslocou a Quadrazais para ouvir as pessoas em confissão, meu pai foi-se ajoelhar aos seus pés para se confessar. A dada altura, o padre Zé pergunta-lhe se tinha cometido algum pecado contra a castidade, se tinha alguma amante no Alentejo, onde era ambulante.
Meu pai, que tinha andado com ele na escola no Ozendo, em que o professor era o pai dos irmãos padres – Zé e Manuel Leitão – responde-lhe de imediato:
– Então, e você não andou metido com fulana na Aldeia Velha?
– Lá vens tu com coisas que não são para aqui chamadas! – atira-lhe o padre Zé. Vá, reza lá três padre-nossos para ficares perdoado dos teus pecados.
Parece que era usual os padres andarem metidos com alguma mulher nas suas paróquias. O abade Correia, de Rendo, por alcunha o Alicate, que herdara da família, que esteve muitos anos em Quadrazais, a princípio fez um filho à criada, a Zabel Menecha, segundo é voz corrente, filho que levaram para Valverde, onde ficou. A criada foi substituída pela Amélia, de Rendo, e em casa vivia também a irmã do padre, a Sra. Zabelinha.
Também o padre Fatela, que ficou célebre em Quadrazais como pregador da Sexta-Feira Santa por fazer chorar as mulheres, parece ter-se metido com uma mulher em Penamacor, a ponto de ser expulso a tiro da casa desta pelo marido, conforme me contaram, embora não possa jurar se tal aconteceu.
O Sr. Professor Robalo, pai do padre Zé, devia favores a meu avô Quim Braga. Foi meu avô que emprestou dinheiro ao professor Robalo para educar os filhos. Aos seus próprios filhos não mandou ele educar. Em casa de ferreiro, espeto de pau!
Pois bem, o Padre Zé e o irmão Padre Manel foram gratos. Quando meu avô morreu, vieram os dois a Quadrazais a fazer-lhe o enterro, juntamente com o padre Correia. Honras de três padres no enterro não sei se alguém mais as teve.
Com a falta de padres, hoje já não há Ofícios, rezando-se apenas a missa de corpo presente.
Acabaram também as histórias de padres namoradeiros.
Notas:
Zabel, Zabelinha – Isabel, Isabelinha.
Vé – Vê.
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