As mulheres também contrabandeavam, embora com pesos menores. Não era com carrego às costas, mas com um saco na mão e o corpo vestido de várias camadas de sedas.

Entre as mulheres contrabandistas de Quadrazais estava a filha do Zé Charavilha, a Alice.
Ia ela com mais quatro já de noite a atravessar o Côa junto à ponte do Sabugal, quando são vistas pela Guarda-Fiscal, que as atacou. Quatro foram levadas à apalpadeira e tiraram-lhes tudo, tendo-as soltado em seguida. A Alice escondeu-se atrás duns sargaços, agarradinha a eles.
Bem diziam os guardas:
– Eram cinco, onde está a outra?
Procuraram-na, mas, como era de noite, não deram com ela. Esta escondeu o saco e foi bater a uma porta duma casa vizinha, a quem contou o sucedido e pediu dormida, que lhe foi concedida.
As companheiras, já soltas, procuraram-na, mas em vão. No dia seguinte encontraram-se e, bem cedo, partiram para o seu destino – a Covilhã –, a pé.
A Alice ia de parceria com a Estrela (Estrela do Toninho Meirinha, porque casou com este). Chegadas à Covilhã, conseguiram vender tudo o que a Alice levava e o negócio deu para pagar o seu carrego e o que tinha sido tirado à colega Estrela.
Esta Alice, juntamente com a filha mais nova do Zé Borrega, iam frequentemente a Malcata inquirir do Ginja para onde tinham ido nesse dia os guardas aí sediados. Assim, se a resposta era: foram para os lados de Santo Estêvão, vinham avisar os pais que podiam seguir para a serra em direcção a Espanha.
Um dia regressavam já de Espanha o Zé Charavilha e outros quando, junto à ponte, viram o Balhé Selada. Parecendo que estavam a fugir para trás, o Balhé Selada grita-lhes:
– Não tenhais medo! Sou eu, o Balhé Selada!
Um dos contrabandistas, ao ouvir o grito, mas mal interpretado, desatou a gritar:
– Eh! Rapazes, fugi, que já não escapa nada!
E desataram todos a fugir.
O Quim Coxo da Torre era um pouco aparvalhado e atrasado no falar. Guardava gado.
Um dia os Guardas abordaram-no e perguntaram-lhe se tinha visto por ali os quadrazenhos. Resposta do Quim:
– Eu no vi torrezenhos nenhuns. Se querem ver torrezenhos, vão a Torrezais!
O guarda Marques, colocado em Vale de Espinho, um dia foi a Quadrazais. Apanhou um carrego à entrada da povoação. Juntaram-se uns tantos e tiraram-lho, bem como à pistola. Passa o Mário Valente, que era conhecido do guarda Marques, e perguntou-lhe o que se passara. Este contou-lhe o sucedido. Reclamava a pistola e o carrego que tinha apreendido. O Mário pede a uns tantos que tragam a pistola, façam um carrego com a mercadoria escapada de vários e o entreguem ao guarda Marques. Assim fizeram e tudo ficou resolvido a bem.
É que poderiam ser atacados no dia seguinte pelo guarda Marques e a coisa poderia ser muito pior! Ao Mário, que era intermediário no contrabando e parava muito em Vale de Espinho, onde também recrutava homens para transportar os carregos dos seus fregueses, não lhe convinham azedumes com a Guarda Fiscal!
Notas:
Balhé – Manuel
No – não
Selada – Salada
Tantas mulheres que “criaram” os filhos e até netos graças ao contrabando!
Guardo na memória muitos “quadros” de mulheres que na caminho para Navas Frias, no lugar dos Carrasqueiros, passavam junto “chão” de meus pais..
Um de entre muitos, cito apenas um: duas irmãs “cegas” ou de visão reduzida ou quase total , naturais de Aldeia Velha, calcorreavam o caminho duas ou mais vezes, por dia.
Obrigado Sr Costa Braga. Histórias interessantes, que devem ser contadas e passadas de geração em geração, por forma a que o modo de vida da maioria dos nossos Pais e Avós não seja esquecido.
Na zona arraiana, o contrabando não foi crime, foi sim uma forma de subsistência de milhares de pessoas que, à noite, lutavam pelo pão que haveriam de dar aos filhos no dia seguinte. Só um pequeno reparo. Talvez não na zona descrita nas histórias, mas na chamada zona arraiana (Lageosa, Forcalhos, Aldeia Velha, Aldeia do Bispo) as mulheres também carregavam o “carrego” às costas. Fosse de “minério” ou de outro bem, a maioria das mulheres levavam às costas entre 20 a 25 kg.
Obrigado
As historias contadas pelo Franklim foram passadas com Quadrazenhas, por essa razão não podem ser descritas em outro lugar e estas contrabandistas era sedas que transportavam em camadas junto ao corpo. O Zé Charavilha era o meu avó, a Alice minha mãe,a irmã mais nova é a Palmira Charavilha e a Estrela uma das nossas amigas. Mas histórias destas foram muitas, porque os dias de contrabando também o foram.