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Página Principal  /  Lembrando o que é nosso • Quadrazais  /  O cônsul de Salamanca
05 Fevereiro 2016

O cônsul de Salamanca

Por Franklim Costa Braga
Franklim Costa Braga
Lembrando o que é nosso, Quadrazais franklim costa braga Deixar Comentário

Aldeão também pode ser guapo e bem apresentado. Faltará o dinheiro para perfumes e camisas caras. Mas o cheiro da terra, das flores e das árvores pode ultrapassar em odor os cheiros artificiais. Afinal, os perfumes não são feitos de essências de ervas, flores e frutos?!

Quadrazais - Monumento ao Emigrante
Quadrazais – Monumento ao Emigrante

Isto para dizer que o Zé Charavilha sabia apresentar-se como ninguém e que, apesar de um pequeno defeito numa das vistas, dizem que era guapo como poucos. Sabendo disso, imaginou um dia uma artimanha.

Regressava à terra a cavalo depois de vender o contrabando. Tinha, certamente, sido um dia de bom negócio. Era preciso festejar.

De caminho do Barracão para o Sabugal, lembrou-se de mandar um colega à frente a anunciar que se dirigia para o Sabugal o cônsul de Salamanca.

Coisa rara, uma visita de um cônsul a uma vila pequena e tão afastada das rotas das festas e das visitas de governantes! Toca a preparar uma recepção condigna, que das gentes da raia não podem dizer mal!

Prepara-se um palco à pressa no largo da Câmara, encomendam-se uns foguetes, a música afina os instrumentos, o Sr. Rúben apresta os seus bombeiros de farda de gala e estandartes a postos e é só esperar que o Sr. Cônsul de Salamanca chegue.

E ele chega todo empolgado no seu cavalo, de óculos escuros, não vão reconhecê-lo. Soam os vivas…
– Viva o Sr. Cônsul de Salamanca!
– Viva!

Estalam foguetes. Os acordes da banda fazem-se ouvir com ruído. Aprumam-se os bombeiros em continência. Aprestam-se o Presidente da Câmara e demais personalidades do Sabugal para cumprimentar o Sr. Cônsul. Continuam os vivas:
– Viva o Sr. Cônsul de Salamanca!
– Viva!

Mas, há sempre um mas que estraga a festa. Dizem uns que foi a irmã do Zé Charavilha, outros que foi o Sr. Fitz, empregado da Câmara Municipal, amigo dos quadrazenhos, não tivesse ele baptizado em Quadrazais dois ou três filhos que tivera da criada, certamente para evitar escândalos, que o reconheceram. Chegou-se a irmã ou o Sr. Fitz junto do Sr. Cônsul, todo aprumado, e segredaram-lhe ao ouvido:
– Ah! Ladrão! Desaparece já, antes que te reconheçam e te matem!

O Zé Charavilha, descoberta que fora a marosca, afasta-se um pouco do palco, mistura-se com a multidão e… Ó pernas para que vos quero! Meteu-se pelas ruelas do Sabugal e, por veredas, foi dar ao alto da Fogaça, onde respirou fundo. Ali já ninguém o apanhava. Se fosse necessário, embrenhar-se-ia por moitas e pinhais e iria dar às Peladas ou mesmo à Eirinha, já em terrenos de Quadrazais, onde ninguém se atreveria a tocar-lhe.

Mas não havia nada a recear. Só os da elite foram informados do logro. A populaça de nada soube e pensou que tudo tinha acabado normalmente, com o sr. cônsul a regressar aos seus afazeres. Os dirigentes, corados de vergonha, nem um esboço de vingança.
– Como fora possível terem caído numa daquelas?!

Raio dos quadrazenhos que eram capazes de tudo! Já não lhes bastava enganarem constantemente os guardas e zombarem deles mesmo na sua cara, passando carregos, para agora virem gozar com a autoridade máxima do concelho!

Chegou o Zé Charavilha com a carava a Quadrazais. Desataram a rir, que no caminho o receio de serem seguidos tal não lhes permitiu. A notícia espalhou-se pela aldeia.
– Raio de Zé Charavilha! Era o diabo em pessoa!
– Todos para a taberna do Manal molhar a goela!
– Quem quer boer? Vá rapazes, que hoje paga o Zé Charavilha.

Beberam.
– E viva o Zé Charavilha, que enganou os dótores do Sabugal!

Passada a folia, era tempo de descansar um dia, pois a raia estava à sua espera para novas sortidas pela serra, transportando carregos que, se os guardas deixassem ou não aparecessem, dariam pão por mais alguns dias. Era o eterno devir do contrabandista.

Até que, com a idade, que não perdoa, vieram as mazelas. O ramático – maldito ramático! já não lhe dava elasticidade às pernas. Correr já não era para ele e, se não corresse, seria presa segura dos fiscais que se ririam dele a bandeiras despregadas. Não. Dele não haviam de se rir. Antes deixar de ir à raia. Lá ia beber o seu copito ao Manal depois de cear. Mas a prosápia e a gabarolice, essas não tinham desaparecido.
– Quem troca cem, duzentos, quinhentos escudos?

Uma fortuna para a época!
– Quem troca, quem?

Ninguém se atrevia a responder-lhe não fosse o diabo do Zé Charavilha ter esse dinheiro no bolso e deixar em pouco quem respondesse.

Entrou meu pai na taberna, ambulante com fama de ter algum dinheiro. Os presentes viram nele a pessoa indicada para acabar com a gabarolice do Zé Charavilha e vá de o enzonar:
– Tó Braga, diz-lhe que tu trocas o que for preciso.

Meu pai hesitou. Num repente gritou-lhe.
– Está p’ra aí você com cantigas! Troco eu.
– Tu, pilhefre, tu trocas?

Agarrou meu pai pela gola do casaco e quase o levantava do chão, mas não em tom agressivo e, por isso, meu pai não se defendeu. Mas ficou embaraçado, tanto mais que ali não tinha o troco exigido.
– Deixe-me ir a casa buscar o dinheiro!
– Tu, pilhefre! Me trocas cem, duzentos, quinhentos?

Salvou-o do embaraço a mulher do Zé Charavilha que o vinha chamar para casa.
– Ai! filho! No tenhas medo, que ele nem um tostão tem!

Sossegou meu pai. O Zé Charavilha, já calmo, sem bazófias, leva-o ao balcão.
– Manal, deita aqui um copo a este pilhefre.

E acabou a cena em paz e sossego. O Zé Charavilha nunca mais perguntou quem lhe trocaria cem, duzentos ou quinhentos, humilhado que ficou perante os habituais da taberna. Mas as suas bazófias não tinham terminado.

Noutro dia, na mesma taberna, estava com seu sobrinho Zé Cardosa. Entra o Florival e o Zé Charavilha grita:
– Retira-te sobrinho, que vem aí o Florival!

Como se o Florival fosse bater em alguém!

A bazófia e a gabarolice só terminariam no cemitério. Mas deixou fama, a ponto de, quando alguém o imitava em gabarolice ou compostura, dizerem:
– Ah! Segundo Zé Charavilha!

Mais prosaica é a história contada pela filha Alice. Segundo ela, o pai vinha de Espanha montado num cavalo, com um chapéu de palha com fita. Veio pelo Sabugal. Os do Sabugal estavam à espera do cônsul de Salamanca. Ao verem o Zé Charavilha montado num cavalo, tomaram-no pelo cônsul e começou o foguetório, os vivas e a música a tocar. Uma meia-irmã dele reconheceu-o e disse a alguém:
– Este é meu irmão! – Desfez-se o engano e o Zé Charavilha continuou tranquilo a viagem para Quadrazais.

Notas:
Boer – beber.
Carava – companhia.
Dótor – doutor.
Guapo – bonito.
Manal – Manuel.
No – não.
Pilhefre – Zé Ninguém.
Ramático – reumático.
Vivas – saudações ruidosas.

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«Lembrando o que é nosso»,
por Franklim Costa Braga

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Franklim Costa Braga
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