Todas as terras da Raia faziam contrabando semelhante àquele a que a maioria dos quadrazenhos se dedicava. A diferença é que era em maior quantidade em Quadrazais porque Quadrazais era a freguesia com maior população, por vezes suplantada pelo Soito.

Basta ver as estatísticas para verificar que Quadrazais, no Censo de 1798, tinha 292 fogos, Soito 213 e Vale de Espinho 119. Em 1877 Aldeia da Ponte tinha 340 habitantes, Vale de Espinho 208, Quadrazais 600 e Soito 683. Em 1862 Quadrazais tinha 1.600 habitantes, em 1890 tinha 1.885, em 1914 tinha 2.050, em 1920 tinha 1.895, em 1930 tinha 2.085 e em 1950 tinha 2.720, números que suplantam praticamente todas as freguesias do concelho do Sabugal.
Quadrazais ficou, porém, no imaginário popular como a terra por excelência do contrabando e dos crimes a ele associados, desde trazer o vírus da cólera para Portugal, que deu origem ao cordão da raia no tempo de D. Pedro IV, até aos ataques à Guarda Fiscal, o que originou uma má fama do quadrazenho por esse país fora, que se traduziu em campanhas de jornais, onde o quadrazenho era visto quase como bicho a abater.
Quadrazais ficou com a fama do contrabando, mas foi o Soito que ficou com o proveito.
É que Quadrazais fazia contrabando com o carrego de 20 a 25 quilos às costas, enquanto no Soito o contrabando era sobretudo de minério com cavalos, o que permitia carregar cerca de 100 ou mais quilos de cada vez. O ti Carlos do Soito diz ter visto em criança cem cavalos carregados de minério a passarem à sua porta. Em Quadrazais 100 homens carregados de cada vez seria coisa rara. Minério só o Zé Borrega, o Tó Lórenço, o Balhé Cordeiro, o Tonho Mocho e o ti Zé Manel Barreiro transportaram para Espanha.
Em 1878 Pinho Leal escreveu «os quadrazenho vivem quase todos de contrabandear». Joaquim Manuel Correia diz que, em 1905, mais de metade dos quadrazenhos se dedicava ao contrabando. Exagero. Em Quadrazais, agora que já se pode falar de quem se dedicava ao contrabando, há a tendência a generalizar e dizer que todo ou quase todo o quadrazenho se dedicava ao contrabando, como se isso fosse símbolo de heroicidade, desvalorizando as profissões de outros quadrazenhos, sobretudo dos ambulantes, que muito ajudaram a trazer riqueza para Quadrazais, talvez até mais que o contrabando. Este facto parece ser esquecido por muita gente. Essa generalização não corresponde à verdade. É mesmo um grande exagero. Se o contrabando fosse sinal de heroicidade, então o orgulho deveria pertencer ao Soito. Note-se que o contrabando não era só de Espanha para Portugal. Também se transportavam mercadorias de Portugal para Espanha, sobretudo café.
Só da minha lembrança posso indicar muitas pessoas que nunca contrabandearam ou até nem puseram um pé em Espanha: o meu avô paterno (2), os filhos Quim Braga (6), Tó Braga (5), Zé Braga, João Braga, e Cesaltina, as pessoas de maiores posses, como o Sr. Zezinho (5), Sr. Alexandre (4), Sr. Nacleto (6), Sr. Zé Jaquim (3), Sr. António Salada (1), Sr. António Joaquim Charavilha (2), Maregas (6), os Moiras-Augusto (6), Zezinho (4); os Torres e os Pinharanda Gomes (5); os da Sra. Luísa (3); os do Prof. Chico (7); certos profissionais, como 30 lavradores (120), 13 pastores (52), 5 alfaiates (17), 6 comerciantes fixos (20), 9 taberneiros (29), 6 sapateiros (18), 7 carpinteiros (21), 9 pedreiros (25), 6 moleiros (18) e uns 10 de outras profissões (35) e até muitos agricultores e jornaleiros. Tudo somado daria um total de 68+457= 525, sem contar com muita gente de outras profissões, jornaleiros e agricultores, para além de muitas crianças. Entre parêntesis vêm os familiares.
Seria difícil contar agora pessoa a pessoa que tivesse sido contrabandista e que o não tivesse sido, embora essa tarefa não fosse impossível. No entanto, se tivermos em conta que entre 1900 e 1965, havia 70 ambulantes (210), 11 taberneiros (21), 17 comerciantes (50), 13 pastores (38), 12 carpinteiros (embora boa parte fosse de fora, mas aqui residentes – 20), 3 forneiros (8), 7 pedreiros (embora boa parte fosse de fora mas aqui residentes – 11), 11 sapateiros (18), 4 ferreiros (6), 3 barbeiros (9), 9 moleiros (20), 6 alfaiates (10), 1 albardeiro (3), 1 fabricante de crivos (1), 6 professores (10), 2 costureiras (4), 194 agricultores (394), 1 quinteiro (4), 14 lavradores (42), 669 jornaleiros (669), 879 proprietários (879), 193 trabalhadores – designação que substituiu a de jornaleiros a partir de 1957 (579), 2 militares (3), 1 polícia (3), 1 guarda florestal (2), 1 guarda fiscal (3), 1 caiador (2), 1 pintor (2), 4 cozedoras de centeio (8) e 3 de trigo (6), em geral viúvas, num total de 1.307 pessoas, sem contar com jornaleiros, proprietários e trabalhadores, entre os quais haveria muitos que não viviam do contrabando, talvez cheguemos a um número aproximado das pessoas que não se dedicavam ao contrabando. Entre parêntesis coloco o número aproximado de pessoas a seu cargo-mulher e filhos.
Os negociantes, designação que só aparece até 1939, eram 146 (225). Talvez este nome queira referir-se a quem vivia do contrabando. Atendendo a que em 1930 Quadrazais tinha 2.085 habitantes, mesmo que dividamos este número por quatro (mulher e dois filhos), chegaríamos a 521 homens que poderiam ser eventuais contrabandistas, sendo 146 negociantes equivalente a 28% dos homens, percentagem pouco mais que um quarto do universo dos potenciais contrabandistas. É verdade que também haveria uma vintena de mulheres que se dedicava ao contrabando. Mas também é verdade que nem todos esses 146 seriam negociantes de contrabando, já que havia quem vendesse azeite, vinagre, aguardente, mel, sabão, borras, etc. Concluiria por dizer que essa percentagem seria próxima de quem se dedicava ao negócio do contrabando. Se quisermos incluir nesse número os alugados, que transportavam temporariamente o contrabando de outros, então teríamos de acrescentar mais uns 100, o que faria subir a percentagem para 47%. E se a estes ainda acrescentássemos as crianças que diariamente se dirigiam a Valverde, teríamos de juntar aos 521 mais uns 100 habitantes. O número de 621 pessoas estaria, no entanto, longe dos 2.085 habitantes de Quadrazais, representando apenas cerca de 30% do total da população de Quadrazais, longe da metade (50%) indicada por J. M. Correia ou da quase totalidade (100%) que muitos quadrazenhos querem apresentar.
Indo por outro método: se juntarmos os profissionais acima indicados e mais os familiares, que vêm entre parêntesis, teremos 198 profissionais mais 510 familiares, o que perfaz 708 pessoas, equivalente a 34% do total de habitantes, número bastante superior aos 521 negociantes e familiares, representando estes apenas 24,99%.
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