Conclusão Final. Datar a existência de um termo da Gíria é tão difícil quanto datar o início da Gíria.

Há palavras como: anciã (ânsia – palavra que já encontrei em D. Quixote de la Mancha e Sancho Pança, obra de Cervantes do séc. XVII), andante, arcoso, badalo, baril, briol, calcantes, cardenho, cosque, drepa, gebo, giro-gírio, Lísbia, lupantes (alipantes), Mata Grande, Mata Linda (Líria), penante (pinante), suquir, etc. que são usadas em muitas gírias ou que se tornaram de uso comum (baril, briol).
Analisando os quadros apresentados, verificamos que Silva Lopes apresenta 14 termos iguais e com o mesmo significado da Gíria Quadrazenha (G. Q.), Monte Carmelo 6, José Leite de Vasconcelos 2, Queirós Veloso 55, Adolfo Coelho 25, Alberto Bessa 41, Ary dos Santos 53, M. Joaquim Delgado apenas 7, Albino Lapa 72, M. Alves Proença 16, Luís Campos 20, E. Brazão Gonçalves 4, Paulo J. V. Gomes 15 e João C. Brito apenas 9.
Tendo em conta apenas os que apresentam 20 ou mais termos iguais e de igual significado da G. Q., verificamos que é Albino Lapa a levar vantagem com 72 termos em 1974, seguido de Queirós Veloso com 55 em 1890, Ary dos Santos com 53 em 1926, Alberto Bessa com 41 em 1901, Adolfo Coelho com 25 em 1892 e Luís Campos com 20 em 1984.
Apesar de Queirós Veloso apresentar menos termos que Albino Lapa, tem um interesse especial porque se trata de uma obra dos finais do séc. XIX, provavelmente com recolha directa. Albino Lapa já teve a oportunidade de se servir dos autores anteriores, coligindo o que os anteriores haviam recolhido directamente ou também já utilizando outros autores. Setenta e dois termos iguais e de igual significado da G. Q., ou mesmo só 55, são demasiados termos para ignorarmos a influência da ou na G. Q..
Como vamos saber quem os usou primeiro? O único estatuto que reivindico para o quadrazenho é o de transmissor, ou seja, pelo seu carácter de ambulante deu a conhecer a outros a sua gíria e recebeu de outros palavras das suas gírias. Se foi ele a usar primeiro aquilo que vários autores chamam gíria de criminosos não sabemos, já que nada escrito existe que date a G.Q..
Tem-se como mais provável o início da G. Q. nos finais do século XIX, já que a Guarda Fiscal, de quem se queria evitar que compreendessem os contrabandistas, foi criada em 1875. Já afirmei que a G. Q., tal como outras, têm origem na Idade Média. Mas não há contradição se disser que o seu uso se tornou mais assíduo nos finais do século XIX. É possível que a fiscalização da raia tenha tido o efeito contrário em Quadrazais. O que até aí todos poderiam obter, a partir daí só gente aventureira e corajosa como os quadrazenhos conseguiam obter e depois vender com bom lucro dada a raridade. A segunda metade do séc. XIX é a época de maior crescimento em população da freguesia de Quadrazais, que continua na primeira metade do séc. XX, com a afluência de muita gente de fora atraída pela abundância de trabalho e pela sua importância em riqueza.
Segundo as contas de 1855, a freguesia do concelho do Sabugal que pagava maior derrama era Quadrazais. De Junho a Dezembro o valor ascendeu a 166.127 réis, seguindo-se o Soito com 132.203, Vila do Touro com 120.815 e o Sabugal com 119.339. De Julho de 1858 a Junho de 1859 Quadrazais pagou 238.400 réis, o Soito 187.344 e o Sabugal 171.052.
Entre 1855 e 1899 havia em Quadrazais 15 ambulantes e 381 almocreves (transportadores de mercadorias), profissões inexistentes no séc. XVIII e com apenas duas pessoa no séc. XVII como almocreves. Já entre 1900 e 1965 os ambulantes eram 70 e os almocreves 14, tendo desaparecido a terminologia de almocreve a partir de 1939.
É em 1828 que João Baptista da Silva Lopes regista muitos termos usados na G. Q., sem falar em Quadrazais, mas sim em Calão ou Algaravia de Malandros; é nos finais do século XIX que Joaquim Manuel Correia a regista, embora o seu livro só tenha sido publicado em 1945; é no séc. XIX que José Leite de Vasconcelos regista termos da G. Q.; é em 1892 que Adolfo Coelho publica Os Ciganos de Portugal, onde inclui o roman dos ciganos e outros calões usados antes do século XVIII, no século XVIII e calão dos malandros do primeiro terço do século XIX, provavelmente tendo utilizado o trabalho de Silva Lopes, com muitos termos usados na G. Q., sem nunca a citar; é em 1901 que Daniel Bessa regista grande quantidade de termos de calão ou gíria usados na G. Q., embora nunca fale em Quadrazais, mas sim em calão de gatunos ou criminosos; é em 1939 que Nuno de Montemor a regista em Maria Mim, embora a tenha recolhido de quadrazenhos que já a usavam anteriormente; é em 1941 que José Inácio Franco publica na Revista Altitude alguns termos da G.Q.; é em 1968 que Pinharanda Gomes também publica um glossário da G. Q.; mas só eu, em 1968, realizei um inquérito junto dos quadrazenhos mais velhos que tinham sido contrabandistas para a minha tese de licenciatura que apresentei em Janeiro de 1971 com o título «Quadrazais – Etnografia e Linguagem», e que tem sido citado por muita gente, mesmo fora de Portugal, como na Galiza e em várias teses de universidades do Brasil; é em 1974 que Albino Lapa regista a maioria dos termos usados na G. Q., sem falar em Quadrazais, mas conhecendo o livro Maria Mim; e outros posteriormente a registaram, mas copiando de anteriores, como o deve ter feito Albino Lapa e mesmo Daniel Bessa, sem terem feito inquéritos in loco, tal como Afonso Praça, que me cita, em 2001, Eduardo Nobre em 2010, Vítor Fernando Barros em 2010 e João Carlos Brito em 2014.
Remeto os leitores deste artigo para o que sobre a G. Q. escrevi no 1.º e 3.º volumes da minha obra «Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais», onde a comparo com outras gírias de Portugal e Espanha, sobretudo da Galiza, apresentando os termos iguais ou semelhantes de cada uma dessas gírias.
Parece claro que é, de facto, nos finais do século XIX que a G. Q. tem o seu esplendor em uso, que continuou no primeiro quartel do século XX.
Continuaremos sempre na dúvida de quem copiou quem? Aguardemos que venham a lume mais algumas informações escritas de tempos mais recuados para poder datar com mais rigor o aparecimento da G. Q., tal como doutras gírias.
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