Vendia porcos que comprava em vara no Alentejo, porcos alimentados à solta com bolota de sobreiro ou azinheira a que chamavam porcos de montado e agora mais conhecidos por porco preto, de carne melhor paga nos restaurantes.

Os porcos do Tó Lórenço eram vermelhos.
O filho David passeava-os pelas ruas da aldeia, parava nos largos do Eiró, Vale, Fole, Praça, Fundo, Fonte e ao São Sebastião, mostrando-os a quem pensava em engordá-los para a matança ou a quem já não queria mais trabalho e se decidia por um já suficientemente pesado, pronto para matar no mês de Janeiro.
– Vejam que marrano mais asseado!
A veia de negociante do quadrazenho tanto se revelava a vender produtos de contrabando ou fazenda portuguesa, como a vender cavalos ou porcos.
Alguns lhe comprou meu pai, de seis a oito arrobas, com que nos alimentava no Inverno, com carne guardada numa arca salgadeira e com chóricês, morcelas e farrenheiros feitos da sua carne e sangue.
Era com estes porcos que boa parte dos quadrazenhos fazia matança e teria chóricês para dar aos rapazes que tiravam a Janeirê ou faziam uma chóricê de um metro, de promessa, para oferecer ao Senhor, que depois os mordomos arrematavam na Praça. Outros criavam o porquito na cortelha com os produtos da terra.
Foi, certamente, com o produto deste negócio que conseguiu levar a professor primário os dois filhos a seguir ao mais velho – o Fernando e o Nascimento, que se fixaram em terras alentejanas, em Estremoz e Moura.
O mais velho destes por lá morreu há uns dois anos. O Tó, o mais velho, o Rui, o David e o Zaquiel, os dois últimos com nomes judaicos não sei se por conhecimento da Bíblia, se por ascendência judaica, não gostaram de estudos, ou a vida não o permitiu. Emigraram para França, onde ganharam o suficiente para fazer vida em Portugal.
Não teve sorte o David. Mais valia ter continuado a passear os porcos pelas ruas, de bornal com milho ao ombro.
Regressado de França, compra a padaria que fora do Tó Neceto e vá de fabricar pão que a mulher Otília vendia em Quadrazais e em Malcata.
Como outros quadrazenhos, cioso de ter azeite com fartura em casa, comprou um olival em Pesqueiro, já que na terra não se davam as oliveiras. Andava na sua faina quando, um dia, o tractor se virou e ele ficou por baixo.
Triste fim depois de tantos trabalhos!
Adeus porcos, adeus padaria, adeus olival e fartura de azeite!
Por que não se lembrou que de Espanha, nem bom vento, nem bom casamento, antes de comprar o olival em terras espanholas?!
Suponho que a mulher Otília deve ter posto o olival com dono que, com espanhóis, não quer mais nada.
Notas:
Asseado – bonito, bem criado.
Chóricê – Chouriço.
Farrenheiro – farinheira.
Lórenço – Lourenço.
Neceto – Aniceto.
Zaquiel – Ezequiel.
Relativamente ao comentário de Silvestre Rito, na minha terra (Forcalhos) o dito era mais completo, talvez em tom de brincadeira:
– “Uma missa, um banho e um marrano chega pra todo o ano”
Fui colega do Professor Nascimento desde 1969, aqui em Estremoz.Bom professor e bom colega…
Gostei do texto; no Soito lembro-me que quem vendia esses ditos porcos já criados eram “os de fora”, mas com colaboração de alguém da terra; entre estes, que acompanhavam e “rogavam” os porcos ás pessoas pois tratava-se também de incutir confiança, cito o Zé Nenho e o Ti Barato.
Enfim outros tempos que a juventude de agora não conheceu!
Já agora , a propósito, e para demonstrar como o porco durava e durava ,cito uma frase que muitos respondiam quando lhe perguntavam se não íam á missa e que era:
-” Com uma missa e um marrano chega-me para todo o ano!”
Bom ano de 2016 par os Raianos e os leitores do Capeia Raiana!
Obrigado pela sua apreciação positiva do meu artigo.