Filho da Anésia e do Belmiro Meirinha, era meu vizinho e meu quinto, segundo ele, de que se orgulhava, embora, na realidade ele tivesse um ano mais que eu. A natureza tirou-lhe uns grãos de areia da cabeça, mas alongou-lha, a ponto de o alcunharem de Cabeça Longa. Não batia bem a bola, mas conseguia viver pelos seus meios.

Foi à escola. Um belo dia, deu-lhe na veneta e fugiu. Quando voltou, pergunta-lhe o professor Evaristo:
– Onde foste?
– Fui buscar pão pa mim e pa mê mão!
Não sei o que aconteceu, mas o Rui desapareceu e ler e escrever foi tarefa que ficou para o irmão.
Correava as ruas da aldeia. De habilidades, como jogar à bola ou outros jogos, não fora dotado pela natureza.
Foi à Inspecção. Obviamente, ficou livre.
Até que o Candajo lhe deu um ofício: guardador de gado.
E lá ia o Rui todos os dias com o gado a pastar, farnel ao ombro e latão com a comida do cão na mão.
Um dia, num lameiro, apareceu um javali, que se misturou com o gado a pastar. O Candajo viu-o e pensou que o poderia matar, se se mantivesse no meio do rebanho. Barrigudo e pesado, demoraria muito tempo em ir buscar a espingarda a casa. Incumbe o Rui dessa tarefa.
Traz o Rui a espingarda numa saca, para que ninguém desconfiasse da missão. E o Candajo consegue matar o javali. Houve festa com febras de javali acompanhadas de bom vinho, de que o Rui bem gostava.
Já o Candajo tinha morrido há muito e o Rui continuava ao serviço da viúva, a Carmelina, e do filho. Às tardinhas vinha com o gado e metia-o na loje da casa do filho, às Eiras. Aí guardavam uma pipa de vinho para vender na taberna. O Rui todos os dias emborcava quanto lhe apetecia.
Quando o Candajo-filho pensava que ainda tinha uns almudes, descobre que a pipa estava vazia. Tiveram que tomar providências para pôr fim a este desgoverno.
Mas o Rui depressa arranjou quem lhe desse vinho. Tinha umas primas que moravam ao Vale, no Verão, já que eram emigrantes em França.
Quando já tinha arrumado o gado, lá vinha o Rui visitar as primas. E lá emborcava uns copitos à conta, oferecidos pelas primas.
A casa das primas era aquela onde morara o Preto Meirinha e mulher. Parece que a casa mantinha o bom hábito de aí se beber bem!
O Rui acabou por morrer na taberna da patroa quando se dirigia à casa de banho. Era noite de Consoada. O Rui passou por lá para comer algo, mas já não comeu. Sucumbiu com 71 anos.
Foi nas escaleiras exteriores dessa casa das primas do Rui que, numa tourada, foi morto pelo boi um Manal, irmão do Tó (ou Manel) Manal, morador ao Fundo.
Fugia do boi, que o perseguia. Subiu uns degraus das escaleiras e pensou que estava a salvo. Mas o malvado boi subiu também alguns escalões e pegou-lhe com um chifre pelo cinto ou com os dentes, arrastando-o para o curro. Aí pôs-lhe as patas em cima e rebentou-o. Ninguém se lembra de outra morte na praça improvisada com os touros do Zé Marrão ou roubados na Ginestosa.
Esta morte tinha sido vaticinada pela mãe do Manal. Sonhara duas ou três noites com o boi a matar alguém. Avisou o filho que não fosse nesse dia à tourada. O filho não obedeceu e vejam o que lhe aconteceu!
E não digam que os sonhos não têm nada a ver com a realidade!
Notas:
Correar
Ginestosa
Livre – isento do serviço militar.
Loje – baixos da casa.
Manal – Manuel.
Mão – irmão.
Mê – meu.
Pa – para.
Quinto – da mesma idade.
Veneta
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