:: :: CASTELEIRO :: :: Em tempos idos, deixando para trás o lagar de varas do Poio, havia no Casteleiro dois lagares de azeite: Um da Senhora D. Maria do Céu Guerra situado na Quinta com o meso nome, e outro do Senhor Manuelzinho (Manuel Fortuna), situado no Alvarcão, local de um farto olival que ainda hoje perdura apesar de algum abandono recente.

Os tempos eram difíceis! O trabalho no lagar exigia de quem ali labutava, diariamente, para além de um grande esforço físico, uma sobrecarga horária que ultrapassava todos os limites da resistência humana. Tudo isto a troco de muito pouco, ainda assim, indispensável para fazer face às elementares necessidades dos que, apesar de tudo, tinham a sorte de serem chamados para tal tarefa.
Coadjuvado por dois lagareiros e dois ou três ajudantes, o Mestre, vindo de longe (Mouriscas era a sua origem) ficava instalado no Casteleiro, em domínios do patrão, durante os meses de dezembro e janeiro o mesmo é dizer, «até que o último caroço de azeitona fosse completamente esmagado; tudo era bem aproveitado, não é como hoje em dia, só com rebusco governava a minha família de azeite», contava-nos um sobrevivente desse duro trabalho.
O Mestre era, sem dúvida, o principal responsável por todo o processo de fabrico do azeite; era ele quem controlava a qualidade e a quantidade do azeite produzido no Casteleiro e arredores. Só ele sabia fazer aquelas contas tão do agrado do patrão e nem sempre compensadoras para o dono do olival, aliás, a sabedoria popular soube traduzir muito bem este enigma matemático «a oliveira dá a azeitona mas só o lagar dá o azeite».
Contrapondo com os dias de hoje, os homens transportavam pesadas sacas de azeitona, muitas vezes ultrapassando a centena de quilos, desde as tulhas até ao moinho (duas enormes mós de pedra). Aqui e já movidas a eletricidade, as pesadas pedras transformavam as azeitonas numa pasta que, depois de bem quente (aumentando o rendimento e extração) era apertada nas prensas hidráulicas, de onde saía água misturada com azeite.
Esta mistura, uma vez escorrida para umas grandes vasilhas de lata («tarefas»), por acção da água bem quente e da sabedoria ancestral do Mestre Lagareiro, surge então à superfície o puro azeite era finalmente recolhido: «Tal como a verdade, também o azeite vem sempre ao de cima.»
Por fim, os restos de azeite misturado com água eram armazenados no «Poço do Inferno», para mais tarde se repetir este processos e extrair mais uns litrinhos de azeite, representando um lucro acrescido para o dono do lugar.
De referir ainda alguns descuidos, propositados, por parte do Mestre, senhor de todos os segredos da arte de fazer azeite, provocando a abertura das torneiras situadas na parte inferior das «tarefas» continuando, assim, a diminuir a parte do azeite que o cliente teria por direito, enquanto «Poço do Inferno» ia dando sinais de barriga cheia.
Enquanto isso, o azeite era medido e ao mesmo tempo retirada a «Maquia» – quantidade de litros de azeite pertencentes ao dono do lagar, em troca de todo este processo de fabrico.
Como corolário desta dolorosa safra o povo harmonizou e cantou:
«Verde foi meu nascimento/e de luto me vesti/para dar luz ao mundo/mil tormentos padeci.»
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«Viver Casteleiro», opinião de Joaquim Luís Gouveia
Gostei do texto, que fala de atividades rurais da nossa Beira Interior.
Caro António Fernandes!
Sem dúvida que a nossa Beira Interior, de uma forma especial, está repleta de “estórias” que muito nos ajudam a perceber melhor a sua História.
Proceder ao seu registo é algo que enobrece qual Beirão que ama a sua terra.
Obrigado pelas suas palavras.
Um abraço.
JGouveia
Caro JGouveia:
A maquia sempre foi uma forma de pagar um serviço sobre a transformação dum produto que nem todos podiam fazer de forma autónoma. A forma de calcular a maquia por regra era conhecida e combinada. Já o “poço do inferno” a ser reforçado de forma menos curial é típico da ganância escondida, de quem tem o exclusivo de qualquer actividade.
“Maquias” havia no moleiro, no lagar do vinho, na feitura da aguardente e também no lagar do azeite.”Poço do inferno” parece que só neste último….
Um abraço.
JFernandes
Boa noite JFernandes!
Obrigado pelo seu complemento informativo pois muito enriqueceu esta minha crónica.
Bem, quanto ao “poço do inferno”, continua a reunir segredos ancestrais!…
Um abraço.
JGouveia