Dia feriado, dia santo, daqueles que não foi extinto e festivo em honra de Nossa Senhora da Conceição, a quem a Rainha de Portugal, mulher de D. João IV, ofereceu a sua Coroa Real em Vila Viçosa, nunca mais utlizada pelos poderes régios.

De Roma, do Vaticano, via Eurovisão chegam as imagens do Papa Francisco, na abertura da Porta Santa da Basílica de São Pedro, dando início ao 29.º Jubileu Extraordinário da Misericórdia.
A meio da manha, alguém da Capital transmite-me a notícia, no Fundão, aconteceu um grave incêndio no coração da cidade, onde faleceram duas pessoas idosas. Com tantas tecnologias depressa se procuram mais informações. Era uma realidade. No dia da Imaculada Conceição, junto à Capela da sua devoção, num quinto andar uma tragédia aconteceu, um incêndio vitimou um casal de idosos.
A Rádio Local – RCB -, transmitia os pormenores e os nomes das vítimas, o casal nonagenário, António Gonçalves Boavida e Maria Marques Boavida.
António Boavida, natural da Orca e há muitos anos residente no Fundão, em jovem abandonou a vida do campo e nas Mouriscas iniciou a vida profissional de ferroviário.
Reformado dos caminhos-de-ferro, volta às actividades rurais, culturais, musicais e religiosas. Em 2003, publica um livro de Poemas, com o título, «Homenagem aos amigos do Fundão» com uma capa e contracapa brilhante da Capela de São Francisco de Assis do Fundão. A este propósito recordo a filosofia franciscana, a quem o seu fundador escrevia que os seus irmãos e irmãs eram os valores da natureza, sem esquecer a irmã morte. O nosso poeta, a sua esposa não mereciam este cenário, estas últimas horas de vida.
Neste livro, os poemas são dedicados a diversas figuras públicas, históricas e sociais. Inicia-o de versos dedicados a António Paulouro, fundador do Jornal do Fundão, que há dias se comemorou o centenário de nascimento. Escreveu, «O Jornal do Fundão/A sua grande paixão/É o seu porta-voz/E das gentes do Fundão.»
Folheámos diversas páginas, versos falam de gentes simples da sociedade fundanense. Na parte final, refere que, «De passagem por este mundo/ Não me arrependo do que fiz/Fui bom avô, pai e marido/Tentei servir o País.»
Conheci-o há mais de uma década no Núcleo Sportinguista do Fundão. Foi dos primeiros sócios desta instituição desportiva e de convívio. Ali partilhamos, tardes não convidativas para outras actividades, umas jogadas de sueca, não gostava de perder, conversas amigáveis abordando temas como a poesia, as vivências cristãs, umas olhadelas pelo mundo do futebol, principalmente sportinguista.
Um dia pediu-me uma opinião sobre a sua poesia. Respondi-lhe com as palavras escritas de seu irmão José Marques Gonçalves Boavida, Professor Universitário, no prefácio da sua obra literária, «…pouco interessa se esteticamente a poesia deste livro obedece ou não às normas instituídas, se a métrica está ou não de acordo com os cânones exigidos; ela é tão só um grito de alma, o clamor de um espírito desassossegado que tem sensibilidade e se recusa a acompanhar a idade cronológica».
Tinha o nome de Boavida, mas a sua vida foi sempre de muito trabalho, começou no mundo rural, passou para a vida ferroviária, onde subiu a corda no pulso, chegando a chefe de estação e na aposentação dedica-se aos Serviços da Igreja, Grupo Coral, Academia Sénior…
Quando morre um poeta, Portugal fica mais pobre, a cidade do Fundão perdeu um cidadão com o coração do tamanho do mundo.
Com dor, com saudade, termino com estas quadras do nosso Poeta: «Vou partir deste mundo/Falta a data da ida/Por isso agradeço a Deus/Por me dar tanta vida…»
Partiu com a sua esposa no dia da Imaculada Conceição para o Reino de Deus, para o descanso eterno na sua terra natal, a freguesia da Orca.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
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