Quem, por estes dias, ouviu o debate na Assembleia da República sobre o programa de governo, agora liderado pelo PS, ter-se-à apercebido de quão difícil é deixar o poder. Acredito que seja com todos aqueles que o exerceram. Mas desta vez a coisa nota-se muito.
É visível o ressabiamento daqueles que agora passaram à oposição. Tanto, que os discursos continuam a falar do mesmo, da legitimidade ou falta dela e dos papões dos partidos de esquerda.
Ao fim de quarenta anos de democracia, muitos destes políticos formaram-se já em plena democracia, mas continuam formatados numa linguagem antiga, numa visão antiga e mesquinha. A maturidade de uma democracia vê-se pela forma como os partidos e os políticos apresentam as suas ideias e como se respeitam as maiorias sem, com isso, dizer que se menosprezam as minorias. É tempo da direita entender que está em minoria na Assembleia da República e que, dessa forma, não poderá sustentar um governo seu.
Não vale a pena continuar, nem voltar aqui, a recontar toda a história de dia 4 de Outubro. Em democracia são as maiorias que determinam quem é governo. Por isso, quem as conseguir garante o poder. E, se agora parece um pecado, porque o PS a conseguiu com o PCP e BE, já há quatro anos atrás, o mesmo processo era uma virtude. Nas eleições de 2011, não vi, nem ouvi, nenhum dos partidos que, depois das eleições, repito, depois das eleições, se resolveram coligar. Nessa altura não ouvi, nem vi, nenhum dos puritanos apregoar ou sibilar qualquer ilegitimidade. É que, nestas coisas, convém ter memória e autoridade moral. Quando a direita vem a terreiro clamar contra a esquerda, dizendo que antes das eleições não disseram nada, o mesmo fizeram eles antes. O facto de, nestas eleições se terem coligado, não passa de uma liberdade desses partidos, mais nada. Da mesma forma que, essa mesma liberdade, assiste aos acordos celebrados entre os partidos da esquerda. Compreender isto é o primeiro passo para uma democracia saudável.
Depois vem o argumento de que o programa do PS não é o do PCP nem o do BE. Pois não. E em 2011, o programa do PSD e o do CDS eram os mesmos? E, ainda, de que o governo está dependente dos dois partidos mais pequenos (PCP e BE). Não o estava o do PSD com o CDS? Alguém esqueceu o «irrevogável»? Nestas coisas de confiança, a direita quer fazer crer (ela crê) que lhe assiste um qualquer direito divino e, por isso, são eles os salvadores da pátria, são eles os verdadeiros, os honestos, os bons. Em contrapartida, todo os outros são o seu oposto. Por isso este trauma de o PS não se ter juntado a eles e ter preferido os outros. Os tais que, segundo a direita, são radicais. Termo que, confesso, tenho algumas dificuldades em entender como definição dos partidos políticos portugueses. O termo pode significar muitas coisas, e em política pode ser perigoso. Porque numa definição mais simplista, são muitos os radicais que polvilham os partidos, todos.
Depois, há esta mania dos políticos falarem do povo e em nome do povo. Se assim fosse, garantidamente que pronunciavam menos vezes o nome do povo. Esta coisa de que o povo escolheu uns e outros não, é verdadeiramente espantosa! De que povo fala a direita? De todo o povo? Do povo que votou neles? É que trazer para o debate político, repito, político, esta coisa do povo é vazio. O povo votou em quem quis. É essa a essência da democracia. Uma pessoa, um voto. Livre. Portanto, tanto é povo o que votou na direita como o que votou na esquerda. E, já agora, é neste conjunto de representantes legítimos do povo que emerge o governo. Portanto, seja quem for, é sempre uma escolha do povo.
Como consequência, a direita apresentou uma moção de rejeição. Figura legal e constitucional que permite, na Assembleia da República, rejeitar um programa e um governo. Porque minoritária, a sua intenção não passa disso mesmo, de intenção.
Sobra pouca coisa, pois houve pouca política, muito azedume, bastantes apartes. Os discursos apresentaram alguma dificuldade de articulação, o de Portas foi engraçado. Mas só isso. O de Passos pareceu nervoso. Costa precisa de ênfase. O de Catarina precisa de sedução. Já Jerónimo precisa de renovar.
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«A Quinta Quina», opinião de Fernando Lopes
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