Coitado do Tó Calheta, sempre com a avó de pau-chupa na mão atrás dele! Não podia o Calheta ausentar-se para longe de casa, jogar à bola, que não andasse já a velhota atrás dele com uma vardisca, o pau-chupa.

– Viram para aí o meu Calhetinha? Hoje já leva com o pau-chupa.
E, para não levar, lá o avisávamos que a avó andava a ver dele. Quantos jogos de bola interrompidos por causa do famoso pau-chupa!
Solteira ou já viúva, a Preciosa trouxera a Piedade da Vela, lá perto da Guarda, onde vendia o seu contrabando. A Piedade era uma rapariga órfã de pais. Teve pena dela e trouxe-a para Quadrazais. Em idade casadoira teve dois pretendentes, o Bô e o Tó Carreto, o Calheta.
No balho a Piedade dançava mais com o Bô que com o Carreto. A Preciosa espreitava o balho e, ao ver a Piedade balhar com o Bô, dizia:
– Hoje já leva com o cacete!
O cacete devia ser o antecessor do pau-chupa, aquele para crescidos, este para miúdos.
Estava a Piedade inclinada para o Bô. Vá lá a gente saber porquê! Coisas do coração. Mas a Preciosa queria o Calheta.
– Qual Bô, ó Bueno! Vais é casar com o Calheta.
E lá teve a Piedade de obedecer à mãe adoptiva.
Nasceu o Tó Calheta, que a avó criou. O pai desapareceu de cena, indo para França, deixando mulher e filho em dificuldades temporárias. A mãe, com a avó, lá continuaram com o seu contrabandozinho para dar de comer a mais um.
Fez a escola, foi meu parceiro na comunhão solene, bom jogador de bola, até que, morta a avó, já rapazote, decide acompanhar a moda e segue para França para junto dos pais.
Nunca mais o vi. Onde parará o pau-chupa?
É uma incógnita. Seria digno de figurar num museu etnográfico em Quadrazais! Mas, o mais certo é ter ido parar ao lume. Sempre aqueceu umas mãos frias, em vez de estar dependurado numa parede.
Disse-me uma familiar que o patrão enviara o Tó Calheta para Madagáscar como electricista de uma sua obra nessas paragens. A má sorte esperava-o. Em riba de um poste, é electrocutado. No dia seguinte deveria partir para Paris, onde a noiva o esperava para casarem logo a seguir. O Tó Calheta já não foi abençoado pelo padre.
Da Piedade nunca mais soube. Foi para França com o Tó Calheta. Ainda será viva? Terá regressado à sua Vela da infância?
Pode ser que encontre lá o Manel Sordo, jubilado de desembargador, que trocou Évora pelo sossego da Vela.
Que o Tó Calheta repouse em paz, onde quer que esteja sepultado, livre de vez do pau-chupa, sonhando em terminar os jogos de bola interrompidos graças a ele!
Não deve ter mais medo da avó, se estiver junto dela, porque o pau-chupa ficou cá em baixo e São Pedro não deixará que lhe batam.
Notas:
Balho – baile.
Balhar – bailar.
Bô – bom.
Calheta – deturpação de Carreta.
Em riba de – por cima de.
Vardisca – rebento de castanheiro ou carvalho flexível.
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