Infelizmente, não há documentos que respondam a esta pergunta. No século XVI, Jorge Ferreira de Vasconcelos, na comédia Eufrosina, utiliza algumas palavras de tom popular, como «becas», «té» (até), «alé!» (Ala!), «merencórias», «amenhã», «fouto» (afoito), «calidade», «calificado», mas não encontrei nele qualquer palavra igual ou semelhante às da Gíria Quadrazenha.

No século XVII, D. Francisco Manuel de Melo, em Feira de Anexins (dividida em três partes, cada uma com vários diálogos em metáfora de várias palavras), brinca com palavras como boca, face, cara, olhos, nariz, etc. utilizadas em vários sentidos. Apenas encontrei a palavra rostindo ligada a comer, que hoje se usa como calão.
Em meados do século XIX (1833), mas reportando-se a 1828, publica João Baptista da Silva Lopes a obra História do Cativeiro dos Presos de Estado na Torre de São Julião da Barra de Lisboa onde, para além da lista de 618 presos políticos efectuada em 1828, no reinado de D. Miguel, e de 12 malandros inclui um Calão ou Algaraviada dos Malandros com os seguintes termos iguais ou semelhantes aos da Gíria Quadrazenha, mas apresentando primeiro a palavra portuguesa:
Ardoze – aguardente (ardosa na G.Q.).
Calcantes – sapatos.
Calcos – sapatos.
Cantante – galo.
Chita – vintém (chete na G. Q.).
Chona – noite (choina em G.Q.).
Farpela – manta (fazenda, roupa na G. Q.).
Gadé – dinheiro.
Gangarina – igreja (cangra na G. Q.).
Gebo(a) – velho(a).
Goivo(a) – noivo(a) (pop.) = velho(a) na G. Q.
Golpe – bolso.
Gomarra – galinha (usado na…).
Grilo – relógio.
Lodo – oiro.
Mata – Lisboa (Mata Granja na G. Q.).
Nentes – não.
Paivo – cigarro.
Penante – chapéu (pinante na G. Q.).
Piar – beber (relacionada com piante – bêbedo na G. Q.).
Ventana – janela (Ventanosa na G. Q.).
Nota: G. Q. significa Gíria Quadrazenha.
Em 1890, J. M. Queiroz Veloso publica na Revista Portugal um artigo A Gíria, onde apresenta muitos termos do calão comum, como: badejo (bacalhau), belfo (cão), chastre (alfaiate), derriço (namoro), gelfo (cão), justa (jaqueta), justo (colete), lancho (penedo), larga (jaqueta), latim (calão), morcão (rapaz), mostro (vinho), quinto (quintal), ruço (burro) e rustir (comer) e os seguintes iguais ou semelhantes aos da Gíria Quadrazenha:
Adicar – ver, namorar.
Ancia – água.
Ardosa – aguardente.
Arguino – pedreiro.
Artife – pão.
Branquioso – branco.
Briol – vinho.
Calcante – pé.
Calcantes – sapatos.
Calcos – sapatos.
Cangarina, cangra – igreja (Silva Lopes).
Cantante – galo.
Cardenho – casa.
Cheta(o) – vintém.
Chona, choina – noite.
Cosque – roubo (casa na G. Q.).
Dropa (não) – não presta.
Dropa – pedra (drepa na G. Q.).
Fanfar – bazofiar.
Farpela – roupa.
Fungante – espingarda (espingarda na G. Q.).
Gadé – dinheiro.
Galdinas, Gualdinas – calças.
Galrar – falar.
Gâmbia – perna.
Gebo(a) – velho(a).
Gídio – belo, bom (gírio na G. Q.).
Golpe – bolso.
Gomarra – galinha.
Granjeiro – adulto (grande, maior na G. Q.).
Grilo – relógio.
Grunho – porco.
Guines – 5 réis.
Lampio – azeite (alâmpio na G. Q.).
Limosa – camisa.
Lôdo – dinheiro.
Loura – libra.
Loura (meia) – meia libra.
Lupantes – olhos (alipantes na G. Q.).
Luzio, luzente – dia.
Luzio – olho.
Macalo – cavalo.
Maleque, maloque – tabaco.
Manês – homem.
Maralha – multidão.
Mata – cidade.
Mata Grande – Lisboa.
Mata Linda – Coimbra.
Mimosa – camisa.
Misto – bom (fósforo na G. Q.).
Moá – eu.
Moi – eu.
Moiene – eu.
Moquideira – boca.
Moquir – comer.
Naifa – faca.
Nentes – nada, cautela!
Nhurro – falso (casmurro na G. Q.).
Paivante – cigarro (fumador na G. Q.).
Paivar – fumar.
Paivo – cigarro.
Palrar – falar.
Penante – chapéu.
Penosa – galinha.
Piar – beber, falar.
Pildra, pilra – cama.
Rufo – lume.
Soquir, suquir – comer.
Tefe-tefe (fazer) – fugir.
Terragosa – Lisboa (Bluteau).
Tísicas – calças.
Toiene – tu.
Vagarosa – cadeia.
Ventana – janela.
Em Quadrazais escrevem ânsia, choina e não xona, loira, manês; moi e não moá, muquir, pinante, suquir, etc., ou seja, a forma de escrever é muitas vezes diferente para o mesmo termo.
Em 1892, Adolfo Coelho, em Os Ciganos de Portugal, onde inclui o Calão e a Língua dos Ciga-nos, apresenta as seguintes palavras iguais ou semelhantes às da Gíria Quadrazenha:
Cangré (cangri) – igreja (semelhante a cangra da G. Q.).
Lampio – azeite (alâmpio na G. Q.).
Mistós – fósforos (mistos em G.Q.).
Tarrosa – batata (tarragosa ou tarroina na G. Q.).
Apresenta ainda palavras que, não sendo da G.Q., são usadas em Quadrazais:
Bicha – cobra (também usada em Quadrazais com esse sentido).
Fusca – espingarda (também conhecida em Quadrazais).
E apresenta ainda outros termos, já não da linguagem dos ciganos, que encontramos na G. Q., embora com outro sentido, como moncoso (lenço de assoar) e respo (excremento humano), para além de palavras usadas na linguagem comum em Quadrazais, como ambria (fome) e lostra (bofetada).
Como gíria do século XVII apresenta:
Artife – pão (termo já apresentado por Rafael Bluteau anteriormente).
Calcos – sapatos.
Cheta – vintém (chete na G. Q.).
Cosque – casa.
Galrar – falar.
Gãmbias – pernas.
Gebo(a) – velho(a).
Golpe – algibeira (bolso na G. Q.).
Luzio – olho.
Moquideira – boca.
Niente – não sabes (nentes na G. Q.).
Pildra – cama.
Sonar – dormir (chonar na G. Q.).
Suquir (soquir) – comer.
E ainda apresenta palavras como galga – fome (que retirou da obra de Frei Luís do Monte Carmelo), andar à gandaia, lostra (bofetada) e rustir (comer) que também se usam em Quadrazais na linguagem comum.
Mais apresenta um calão ou algaravia dos malandros no primeiro terço do século XIX, como:
Ardose – aguardente (ardosa na G. Q.).
Calcantes – sapatos.
Calcos – sapatos.
Cangarina – igreja (cangra na G. Q.).
Cheta – vintém (chete na G. Q.).
Chona – noite (choina na G. Q.).
Farpela – manta (fazenda, roupa na G. Q.).
Gadé – dinheiro.
Gebo(a) – velho(a).
Gomarra – galinha (usado na Gíria de…)
Golpe – bolso.
Grilo – relógio.
Guines – cinco réis na G. Q. guino = vintém).
Lodo – oiro.
Nentes – não.
Paivo – cigarro
Penante – chapéu.
Ruço – burro.
Ventana – janela.
Apresenta ainda outras palavras que são usadas em Quadrazais na linguagem comum, como: justo (colete) e ruço (burro). O próprio revela as suas fontes:
1 – uma lista manuscrita que lhe ofereceu há anos o escritor Leite Bastos – são os termos que não levam anotação;
2 – os termos da lista Landlot (Land.);
3 – os termos da lista de Leite de Vasconcelos (Vasc.);
4 – O romance Eduardo ou os mistérios do Limoeiro, do padre João Cândido de Carvalho (M.L.);
5 – a sua audição casual nas ruas de Lisboa e Porto (C).
Apresenta termos do padre Carvalho, conhecido por padre Rabecão:
Ambria – fome.
Baguines – dinheiro.
Chona – noite.
Farpela – manta.
Gadé – dinheiro.
Gebo(a) – velho(a).
Golpe – bolso.
Grilo – relógio.
Guines – 5 réis.
Lodo – oiro.
Mata – Lisboa.
Nentes – não.
Paivo – cigarro.
Penante – chapéu.
Ventana – janela.
Quem escreveu primeiro – Adolfo Coelho ou João Baptista da Silva Lopes? Os termos são quase iguais. Estou em crer que primeiro escreveu Silva Lopes, tanto mais que ele era um dos presos.
Na lista de prisioneiros não encontrei nenhum quadrazenho, mas nela figuram seis do Sabugal. Nunca falam da Gíria Quadrazenha.
Leave a Reply