Há quem faça tudo para aparecer na Televisão e há quem fuja de uma câmara a sete pés. Ambos têm a seu favor o direito à imagem, mas há mais…
Se nunca apareceste na televisão é porque nunca estiveste na estação do Cais do Sodré em dia de greve no Metro, não tens ido a banhos à praia de Carcavelos ou simplesmente nunca foste assistir a um jogo de futebol na Segunda Circular em Lisboa. Não desesperes, pode até nem ser um mau sinal, mas se um dia encontrares uma equipa de reportagem por perto, muito dificilmente ficarás indiferente.
Demasiadas vezes as reações que tenho encontrado são muito parecidas com aquelas que vejo nas pessoas quando um romeno se aproxima delas com o Borda d’Água na mão ou um indiano com um ramo de flores, «ké frô»?
Mas há também aquelas que ficam de tal modo entusiasmadas com a nossa presença que, se fossemos indianos roubar-nos-iam as flores para tirarem uma selfie com elas e enviarem à família!
A realidade é que pouquíssima gente fica indiferente à presença de uma câmara de televisão e eu, repórter, dou comigo quase sempre a interferir involuntariamente na notícia quando era suposto registá-la apenas, qual documentarista da vida selvagem, no seu habitat natural. Quantas vezes nos perguntam se estamos em direto só para fazerem disparates!…
Agora, até parece que te estou a ouvir:
«Tens bom remédio! Usa uma câmara oculta e já não interferes com a realidade!»
Boa ideia… se não se atravessasse pelo caminho um direito fundamental que protege os cidadão: o direito à imagem. E às vezes é particularmente difícil conciliar este direito com um outro, o direito à informação!
Reportagem posta em causa
Um dia destes fui a uma Unidade de Saúde com o objetivo de fazer reportagem sobre planeamento familiar. Tinha necessariamente de filmar nos gabinetes de consultas, com utentes.
Entramos com a autorização formal da direção do estabelecimento de saúde, mas deparamo-nos com objeções da médica de serviço para quem a nossa presença era motivo de grande preocupação.
Alegava incompatibilidade insanável entre a deontologia médica, a preservação da intimidade das mulheres e o trabalho que iríamos realizar.
A sua disposição para colaborar estava por um fio quando observou que não podia ser assim de ânimo leve que iríamos filmar uma consulta. E voltava a argumentar, desta vez com um exemplo prático:
«Sempre que necessito de fazer registos vídeo, com fins pedagógicos, para os alunos de medicina, tenho que cumprir uma série de procedimentos muito rigorosos que não vejo satisfeitos neste caso. E o que vocês vão filmar vai ser visto por milhares de pessoas.»
Percebendo as objeções daquela profissional de saúde, mas antes de baixar os braços foi a minha vez de contra-argumentar:
– Que não pretendíamos filmar a consulta com os detalhes que interessam aos alunos de medicina, eventualmente agressivos para a reserva de intimidade das pacientes;
– Que apenas pretendíamos uma pequena simulação da consulta, sem esses detalhes e sem revelar qualquer dado clínico daquelas utentes;
– Que as imagens que pretendíamos eram apenas a ilustração de uma consulta e não a própria consulta;
– Que, necessariamente, pediríamos autorização às utentes e respeitaríamos, como é óbvio, a decisão de participarem ou não na reportagem.
Por fim, fiz notar que a sua colaboração seria crucial para levarmos aquele serviço a bom termo.
Depois de lhe dar conta das nossas intenções, a profissional de saúde passou a ser cooperante, vivamente cooperante, e nós fizemos uma reportagem honesta, de interesse público: «Planeamento familiar – Oeiras faz mais de 1500 consultas por ano.»
Conciliar o direito à informação com o direito à imagem não foi fácil, mas foi possível.
:: ::
«Repórter ENG», crónica de João Amado Gabriel
Leave a Reply