Célio Rolinho Pires, natural de Pêga, concelho da Guarda, dedicou parte da vida ao estudo aturado das formas das pedras que povoam os horizontes da nossa região beirã. Grande revelador de afectos, os livros que publicou vão de encontro à história e à vivência das pessoas e dos lugares, cabendo assinalar o grande momento que foi a sua oração de sapiência no I Capítulo da Confraria do Bucho Raiano, realizado no Sabugal.
A maior obra de Célio Rolinho Pires foi realizada na área educativa, enquanto professor, nomeadamente na Escola de Santa Clara, na Guarda.
Logo quando, nos verdes anos, lhe calhou em sorte a mobilização para a guerra colonial, em Moçambique, viveu a experiência marcante de dar aulas a soldados que não tinham completado a instrução primária. Sendo oficial miliciano encontrou tempo, entre os combates e das marchas, para ensinar os militares que se voluntariavam a frequentar as suas lições.
«Levei 32 deles ao exame da quarta classe, e essa é uma das melhores recordações que guardo dessa altura», referiu-nos em entrevista ao Capeia Arraiana, em 2007, revelando o que sentiu naqueles tempos de juventude, muito marcados pelas saudades da família e da terra distante… (Aqui.)
Depois da guerra, foi por alguns anos professor do ensino primário em Lisboa, até que o apelo das origens o chamou de volta à terra natal. Começou então a leccionar na Guarda, no ensino preparatório, sempre ligado às suas disciplinas preferidas, Português e História.
Aposentando-se, passou a dedicar-se de alma e coração ao aprofundamento do estudo histórico e etnográfico da região.
Conhecia palmo a palmo o território, o que para muito contribuíra a sua paixão pela caça e pelos passeios campestres. Foi-lhe fácil complementar o estudo com a observação, prestando especial atenção a algo que sempre o intrigou: as estranhas e curiosas formas dos barrocos (nome local conferido aos penedos que afloram a terra), e a verificação de essas formas se repetiam.
Em 1995 publicou, em resultado dos seus estudos, o livro «Os cabeços das Maias», onde lançou uma arrojada e desafiante teoria: as formas de muitas das pedras não resultaram do acaso, sendo antes provindas da intervenção humana, nomeadamente dos povos lusitanos que aqui estiveram fixados no período pré-romano. Deu especial destaque às pedras da «Cornusela», no sopé do Monte de S. Cornélio, no Dirão da Rua, freguesia de Sortelha, concluindo que aquelas pedras, dispostas ordenadamente, formavam um autêntico santuário, ou local de ritos, de primordial importância.
A tese exposta no livro «Os cabeços das Maias», recebeu algumas críticas, sobretudo veiculadas pela imprensa regional, e assinadas por estudiosos que punham em causa a firmeza da tese sobre as pedras e, nalguns casos, tentando até ridicularizar os seus fundamentos. Longe de ficar perturbado, Célio Rolinho Pires, ganhou alento para aprofundar o estudo e desenvolver melhor a teoria.
Foi desses esforço acrescido de investigação e observação que nasceu o livro «O País das Pedras», em 2001, numa resposta de luva branca às críticas que lhe formularam. A tese da forma e da função das pedras bebe nos escritos históricos, nas tradições ancestrais, na toponímia dos lugares e até nos rifões e adágios que são a melhor síntese do saber popular acumulado ao longo dos séculos. O resto é fruto da observação e da reflexão, com base lógica.
Da sua profícua actividade de escritor publicou ainda um livro sentimental, «Rosas de Santa Maria», dedicado às melhores memórias e sentimentos da juventude. Foi nessa obra algo íntima, editada em 1997, que o escritor se apresentou como um revelador de afectos. Compõem-no um conjunto de textos com as vivências e as saudades de um tempo que só a memória conserva, quando o ciclo anual da vida aldeã estava perfeitamente demarcado.
Em 2004, editou o livro «A Guarda no Caminho do Estremo», onde explica a origem da cidade de D. Sancho I e o desenvolvimento do seu termo. Releva a importante acção de repovoamento e organização do território com a outorga do Foral e a mudança para esta cidade da sede da diocese da Egitânia, numa política que seria continuada por D. Afonso II, com a doação de Vila do Touro aos Templários e a concessão do respectivo foral, e ainda por D. Sancho II que concede foral a Sortelha.
Numa colaboração com o sector da cultura da Câmara Municipal da Guarda, na altura dinamizado por Américo Rodrigues, escreveu três cadernos da colecção «O Fio da Memória» e alguns artigos na revista cultural «Praça Velha».
Mas o seu intenso e genuíno amor à terra natal compeliu-o a escrever o livro «Pêga, Terra de Panchurras», que foi apresentado em Agosto de 2008, na aldeia, numa sala apinhada de amigos e conterrâneos.
Churras são as ovelhas autóctones cobertas de lã grosseira, em contraponto às ovelhas merinas, mais recentes, que produzem lã mais fina. Ora o povo dizia «tchurras» e há na freguesia de Pêga o topónimo «Panchorras» (ou Panchurras), portanto Pêga era terra de ovelhas e, necessariamente, terra de pastores (ou «pegureiros»).
Mas este livro, dedicado por inteiro à sua terra, revela sobretudo Pêga como berço de boa gente. Pessoas de paz e de coragem, que quotidianamente lutam pela vida, razão pela qual quis escrever-lhes uma monografia, para, de acordo com as suas palavras no momento da apresentação, «que os futuros meninos de Pêga, estejam onde estiverem, saibam que também eles tiveram avós e que há uma terra, algures, que estará sempre à sua espera».
Em 2011, complementa o estudo e a teria sobre os penedos, com a publicação do livro «Na Rota das Pedras», o derradeiro de uma trilogia que defende a teoria da origem história das formas das pedras. Esta obra, que contém uma enorme profusão de fotografias da região alvo do seus estudos, lança a sugestão aos leitores para que se aventurem pelo País das Pedras, na descoberta e interpretação de modelos similares aos que fotografou e publicou.
Em 2013 publicou a sua última obra, «O meu livro zero», onde deixou um conjunto de textos poéticos de raiz intimista.
O Escritor das Pedras, como será apropriado chamar-lhe, viveu angustiado com a falta de sensibilidade das pessoas e das autoridades para o valor que os penedos da região têm enquanto testemunhos históricos. A ideia de que tudo um dia tudo poderia desaparecer, face à sucessiva remoção das pedras, com a abertura de estradas e o seu aproveitamento para a construção civil, preocupavam-no seriamente.
O estado de abandono dos caminhos vicinais era outra das suas apreensões, considerando ser necessário reparar essas passagens, limpando-as e sinalizando-as, para que as pessoas pudessem ir pelos campos na rota dos antigos caminhos carreteiros, observando a natureza e procurando conhecer as pedras reveladoras da história destes povos.
Para além de escritor Célio Rolinho Pires foi um notável conferencista. Que o digam os que tiveram a sorte de assistir à «Oração de Sapiência» que proferiu no Sabugal no dia 17 de Abril de 2010, durante a cerimónia do 1.º Capítulo da Confraria do Bucho Raiano.
O Capeia Arraiana publicou essa valiosa e assinalável palestra, dedicada aos sabores tradicionais ligados à matança do porco. Leia… (Aqui.) e… (Aqui.)
Fruto de sucessivas complicações de saúde, Célio Rolinho Pires faleceu numa terça-feira, dia 8 de Setembro de 2015, com 74 anos, sendo sepultado no cemitério de Pêga.
Paulo Leitão Batista
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