A Gíria servia os contrabandistas e os comerciantes ambulantes por todo esse Portugal. O con-trabando oficialmente terminou com a adesão de Portugal e Espanha à CEE, deixando de ser crime trazer de Espanha ou levar para lá o que se entendesse. Mas, já nos anos sessenta tinha levado um rude golpe com a emigração em massa para França, a ponto de não haver homens a recrutar para o transporte do contrabando, conforme me contou um intermediário, o Mário Valente.

Pelo mesmo fenómeno da emigração, também a ambulância sofreu um golpe. Muitos ambulantes também emigraram, mesmo já não sendo novos, como o Orlindo Soares, O Zé Ferro, os Ginjos e tantos outros, e os mais novos já não abraçaram esta profissão.
Portanto, a Gíria deixou de ter a sua razão de utilização no dia a dia. Tornou-se quase como peça de museu.
Hoje ainda há muita gente que sabe umas tantas palavras que usam quando está alguém presente que não querem que entenda o que os quadrazenhos conversam entre si, precedidas pela expressão: cuidado, que interva o manuarjo.
Poderei afirmar sem grande erro que são ainda do domínio da maioria dos quadrazenhos com mais de cinquenta anos as seguintes palavras:
adoçante, agaziar, alâmpio, alampiosa, alipante, altanar, amarelo, amatrix, andante, ânsia, árgio, artife, atiscar, avoanta, baril, branqueoso, briol, calcantas, calcantes, cambalache, carcábio, cascosa, cascosa do ar, chaira, chambote, chandra, charriante, chifra, chingar, chingato, choina, chonar, chulo, côpio, docerno, esgueirar, facherno, facho, farpela, fatoco, fatonho, feguerno, formage, fuganta, funfar, gadé, galhal, galrar, gâmbia, gandulo, garepe, gázio, gebo, granjo, granjeiro (que pronunciam grandjeiro), groio, ibório, intervar, jeca, laposa, luzerna, macalo, manego, manês, manuarjo, maquinar, maralha, mercho, méria, moienes, muncoso, muquideira, murchoila, murchoileiro, murzapo, nadante, naifa, nejo, nentes, nentes e bórios, penosa, pério, pildra, pinante, proio, reta, Reta Frenha, sabumpir, saltante, soie-nes, suquir, tefe, tefe-tefe e toienes, num total de noventa e um termos, representando 32% do total dos termos da Gíria.
Os mais jovens, sobretudo os já nascidos em França, já nem sabem Português, em grande parte, quanto mais a Gíria!
Mas, mesmo entre os de mais de cinquenta anos, alguns há que não dominam a Gíria.
A este propósito, vou contar o que aconteceu no dia 2 de Agosto deste ano. Houve capeia em Quadrazais para inaugurar (ao que julgo) a praça da terra. Assisti. Fiquei espantado com tanta camisola azul que a maioria das pessoas envergava, sem eu saber como as tinham adquirido. Gravado nas camisolas estava a frase: Os gilfos de Quadrazais…. Como se vê, continuam a utilizar termos da Gíria entremeados em frases de Português normal.
Também no anúncio impresso de uma caminhada a realizar em 22 de Agosto estava escrito: «Todos ”a penantes” pelo envelhecimento activo.»
Como dizia, eu assisti à capeia e por detrás de mim estavam duas ou três quadrazenhas, já regressadas de França. Uma delas tentou ler o que estava escrito na camisola de outra e perguntou o que queria dizer gilfos, não tendo mesmo identificado que era um termo da Gíria.
Há, pois, a consciência dos quadrazenhos que tinham uma linguagem só por eles usada, mas que cada vez mais se vai perdendo.
E esse património linguístico acabará por morrer completamente dentro de poucos anos, a não ser que se ache útil fazer algo para ensiná-lo aos mais novos, que são muito poucos, se descontarmos os filhos dos ciganos que lá se instalaram e que nada querem saber sobre a história da terra, como tive ocasião de constatar pessoalmente ao propor-lhes a compra do primeiro volume da minha obra, que conta a história da vida em Quadrazais. Essa acção seria mais útil junto dos filhos e netos dos emigrantes em Agosto, quando umas boas dezenas vêm passar uns dias à terra dos pais ou avós, apesar de muitos já não falarem Português ou muito pouco. Eis a desculpa que me dão quando lhes proponho que comprem a minha obra para os filhos não esquecerem Quadrazais: eles já não sabem ler Português e quando nós morrermos já não voltam cá!
Alguns termos da Gíria entraram no calão geral doutras regiões do país, doutras profissões ou mesmo no Português normal. Mas é sempre difícil dizer que a linguagem corrente ou de uma região importou tal ou tal palavra destas gírias, pois ter-se-ia de documentar esse facto com possíveis datas. Quem sabe quando determinada palavra passou a ser usada por este ou aquele grupo?
Em «Novo Dicionário de Calão», Afonso Praça apresenta os seguintes termos que aparecem na Gíria de Quadrazais: baril, calcantes, chantra (chandra), chonar, fugante, gadé, galdinas (galdri nas), gâmbias, gandulo, gebo, golpe, Lísbia, Lodo, loira, lúzio, maralha, muquir, naifa, naifada, nentes, paivante, paivo, penante, penosa, pildra, tefe-tefe e vagarosa.
Foi o calão geral que foi buscar estes termos à Gíria Quadrazenha ou esta é que os tomou para si?
Maruço, mascambilha, mariconso, mostronço e tantas outras palavras são da Gíria ou do calão?
Em «Dicionário de Falares de Trás-os-Montes e Alto Douro», de Vítor Fernando Barros, e em «Dicionário de Falares das Beiras», do mesmo autor, encontramos muitas palavras que se usam em Quadrazais como Gíria, mas muitas mais como regionalismos ou calão.
Na colaboração que prestei em «O Falar de Riba Côa» apresentei muitas dessas palavras, mas poderia ter apresentado muitas mais se tivesse em conta, por exemplo, as palavras que Eduardo Nobre tem por calão.
Em «Dicionário de Calão», de Eduardo Nobre, a maioria das palavras nele incluídas são usadas ou do conhecimento dos quadrazenhos, muitas vezes sem a consciência de ser Gíria Quadrazenha ou calão comum. Muitas são apresentadas nos dicionários da Língua Portuguesa, não como calão.
Encontramos nele várias palavras da Gíria Quadrazenha, como: Adicar (observar), anaco (pedaço de qualquer coisa), ância (chuva, que na Gíria escrevi ânsia com o sentido de água), badalo (língua), briol (vinho), cambalacho (conluio fraudulento num negócio), chantra (prostituta ordinária, que na Gíria escrevi chandra), choina (cama), chonar (dormir), cosque (casa), do baril (explêndido! magnífico!), esgueirar-se (fugir, escapar), farpela (roupa, vestuário), fujante ou fogante (pistola, revólver, que na Gíria escrevi como fugante), gadé (dinheiro), gâmbias (pernas), giro (bonito, escrito gírio na Gíria), grunho (porco), guines (moeda de pouco valor ou antiga, guino na Gíria), Lísbia (Lisboa), lodo (ouro), lúzio (dia, madrugada, olhos), maralhal (malta, ajuntamento), Mata Grande (cidade de Lisboa, Mata Granja na Gíria), Mata Linda (cidade de Coimbra, Mata Líria na Gíria), moquir (comer, escrito muquir na Gíria), naifa (navalha), naifada (navalhada), nhurro (estúpido, falso), paivante (cigarro, fumador na Gíria), penante (chapéu, que na Gíria vem escrito pinante), penates (a) (andar a pé, que na Gíria vem a penantes), pildra (cama, prisão), tefe-tefe (medo), vagarosa (cadeia), ventosa (janela), xandra (prostitua, na Gíria chandra), xoinar (dormir, na Gíria chonar), xona (noite, na Gíria choina).
À pergunta: «Quando surgiram muitas das palavras da Gíria Quadrazenha?», tentarei responder na próxima vez.
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