A escola em Quadrazais começou a funcionar em 1856 numa sala ao Vale, onde hoje é a casa da Plácia, passando depois para uma sala da casa da Perricha. O primeiro professor primário foi o Reverendo António Joaquim Ferreira, natural da Malhada Sorda, colocado em Quadrazais mediante concurso público.

A Escola Primária funcionou depois à Sant’Ófêmia numa casinha destinada a guardar os apetrechos da festa, segundo uns, ou construída para escola, segundo outros. Aí, ou ao lado à beira da rua, foi depois construída outra maior, onde deram aulas o prof. Alexandre e cunhada, que entretanto ruiu, sendo substituída por outra a São Sebastião composta de três edifícios contíguos com apenas um piso térreo, com uma só divisão ampla, construída aí por 1934. No do meio era hasteada a bandeira nacional aos Sábados.
Duas salas eram destinadas aos rapazes e uma às raparigas. Muitas raparigas ainda não iam à escola.
No meu tempo, nos finais dos anos quarenta, era o professor Evaristo, do Monte Novo, e sua mulher, de Vale de Espinho, a professora Ester, quem dominava a escola, já que aí permaneceram muitos anos. O prof. Evaristo deu escola em Quadrazais durante dezoito anos.
Era bom professor e boa pessoa. Mas a criançada é difícil de aturar e, por vezes, lá saía uma lambada, um puxão de orelhas ou uma reguada. A menina dos olhos trabalhava sempre que havia ditado. Por cada dois erros ou três era uma reguada.
Havia quem apanhasse vinte e mais reguadas por dia. Era o caso do Tó da Bela. Aprender não era com ele. Por isso já era rapazote e ainda andava na escola, tal como o Zé Pardido.
A menina dos olhos fazia doer bem. O Tó da Bela lá arranjou um remédio para que a menina se partisse. Untava as mãos com sebo. Se resultava ou não, já não me lembro.
Aos sábados eram destacados uns três ou quatro miúdos para varrer a escola e limpar a retrete dos professores, nas traseiras.
De vez em quando faziam desaparecer a menina dos olhos do professor Evaristo ou partiam-na. Até que o professor Evaristo começou a usar como régua a pá da braseira, que os alunos tratavam. Os alunos, para se aquecerem, levavam umas brasas num tacho ou tigela velhos que rodavam nos intervalos, para atear as brasas. Quando frequentei a Faculdade de Letras em Lisboa e vi que havia aquecimento central, percebi o desprezo a que eram votadas as aldeias onde, aí sim, eram necessários aquecimentos centrais e não em Lisboa, onde nunca senti frio. E era tão simples. Com as giestas e lenha em abundância, não seria fácil fazer um forno onde passasse a água para aquecer e ser levada para as casas? O problema é que também não havia água canalizada, o que só aconteceu nos anos setenta ou oitenta.
Tinha a dita pá da braseira uma cova no meio e, quando batia na mão, chupava a carne, fazendo doer mais. Também a pá teve o seu destino. Desapareceu. Nem por isso o professor Evaristo deixou de castigar os cábulas. Pelo menos à lambada.
Foi meu professor da primeira à quarta classe. Considero-o um bom professor e perdoo-lhe uma ou outra lambada ou reguada que apanhei. Com ele aprendi muito.
Por vezes saía para a pesca, deixando-nos a fazer um trabalho, voltando só quando devíamos sair.
Também gostava de caçar. Oferecia quinze tostões por cada cascarão de ovo de perdiz que lhe apresentassem, sinal que os perdigotos tinham nascido. Era mais um que ele poderia vir a caçar. Não sei se era ele a pagar, se algum organismo oficial.
Soube que, passados anos foi para Tomar e parece que pôs fim à vida atirando-se de uma janela. Porquê? Problemas com a mulher que era tuberculosa? Com o filho Causé (Carlos José)?
Ainda hoje me lembro dele sempre que canto às minhas gémeas:
Caranguejo não é peixe,
Caranguejo peixe é.
Ó tum-tum bani-bani,
Ó tum-tum baniró.
Ailó!
Está metido na solapa
À espera da maré.
Ó tum-tum bani-bani,
Ó tum-tum baniró.
Ailó!
Esta canção ensinou-no-la ele na escola. Se ensinou mais, não as relembro, mas esta ficou-me na memória.
Muitos professores ensinaram em Quadrazais. De Vale de Espinho veio mais um, o professor Zé André, amigo dos copos, e que ficou conhecido pelas suas anedotas.
Notas:
Cascarão – coscorão.
Sant’Ófêmia – Santa Eufémia.
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