Para o Gervásio sempre assim foi. O sol nasce no horizonte a nascente, sobe ao firmamento e desce de novo para o horizonte a poente. É assim que ele vê o movimento diário do Sol.

Desde sempre, e ainda hoje, usamos os termos Nascer do Sol e Pôr do Sol. Tudo o que nasce, por norma nasce baixo e depois cresce para cima. É assim com as pessoas, com os animais e com as plantas. Por isso, o termo nascer do sol quer significar o momento em que o Sol estará mais baixo isto é mais próximo da origem.
Para o Gervásio também assim era apesar do filho, que começava na escola primária a dar os primeiros passos, lhe tentar explicar que afinal tudo se passava ao contrário.
Todos, sem excepção, conheciam perfeitamente, porque viam, que o sol começava a aparecer de manhã cedo, do lado de Espanha e da capela do Sr. do Calvário, erguia-se depois, ao longo do dia pelo firmamento, atingia o ponto mais alto pela hora do almoço e depois, começava a descer, até desaparecer agora para os lados da Senhora do Monte na Cerdeira.
O movimento do Sol era e ainda é, uma evidência e que por isso ninguém a discutia. As pessoas acreditavam, por que viam. As pessoas sabiam que durante o ano o Sol umas vezes circulava mais alto e outras mais baixo, mas não havia dúvidas para ninguém que o arco que descrevia se iniciava sempre na mesma zona e terminava também no mesmo local. Isto é o arco que descrevia durante cada dia podia ser mais baixo ou mais alto, mas o sentido da sua circulação era sempre o mesmo.
Na escola primária, o filho do Gervásio ia aprendendo, embora desconfiado, que afinal não era o Sol que andava, mas sim a terra, coisa que Galileu tinha descoberto séculos antes e que lhe valeu quase a fogueira da Inquisição.
Mesmo hoje, o Gervásio, que já é avô, e apesar de saber e comprender o contrário, continua como os restantes vizinhos, a falar no nascer do sol, no pôr do sol. Fala o Gervásio e fala toda a gente, incluindo os meteorologistas.
O que nasce e cresce, fá-lo por norma de baixo para cima. Mas em bom rigor, o que está a acontecer não é o nascimento do Sol mas sim o seu destapar quando a terra roda no sentido nascente.

Isto é: quando a terra vai rodando, e está sempre a rodar, o local da terra onde estamos, na sua superfície, vai-se deslocando e aproximando do sol que depois de um curto espaço de tempo (~ 8 minutos) já tem totalmente à vista. A terra continua a rodar, e por isso, parece-nos que afinal é o sol que está a andar até desaparecer no poente.
Mas por que razão continuamos a dizer que o sol nasce, se todos sabemos que no fundo nós é que vamos caminhando na sua direcção colados na superficie da terra que por sua vez roda sobre si mesma no sentido do oriente? Talvez a razão para isso acontecer esteja na explicação que o Gervásio encontrou e na analogia que fez com as coisas que nascem, crescem e depois morrem.
Faltava agora o Gervásio explicar por que razão o sol no inverno anda mais baixo que no verão e o filho não lhe perdoava quando via que ele se engasgava nas explicações que dava para certos fenómenos.

E esta explicação era mais complexa. A terra circula à volta do sol e demora um ano a dar essa volta. Como a órbita é elíptica e o eixo segundo o qual a terra roda está inclinado, dos dois movimentos simultãneos obtemos como resultado as estações do ano.
Claro que quando a terra está mais próxima do sol temos temperaturas mais altas nas zonas expostas por isso é natural que nessas alturas tenhamos as estações mais quentes.
Para os que vivem perto do Gervásio, mesmo sabendo do contrario, continuam a dizer que o sol se move à volta da terra. Nunca ouvi dizer nem ao Gervásio nem aos seus vizinhos que a terra está a girar no sentido do nascente e por isso quem sobre a terra está, e em movimento, tem a sensação de que é o Sol que se move. A ilusão é idêntica à que temos quando num comboio com alguma velocidade, ao olharmos para a fora, temos a sensação de que é o campo que se move no sentido contrário ao do movimento do comboio.
Nota: De tempos a tempos o Gervásio irá contar as suas experiências de vida no campo. Sim, o Gervásio é um homem do campo e o filho acompanha-o frequentemente na execução das diferentes tarefas. Vejamos o que o Gervásio nos reserva. Certamente iremos aprender algo com ele ou pelo menos ficar curiosos com as suas divagações.
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«Do Côa ao Noémi», opinião de José Fernandes (Pailobo)
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