Em tempos que já lá vão, talvez no tempo do cordão, aparece na aldeia o «Manjor», da família dos Vieiras, dos Moiras ou de ambos. Pessoa instruída e de olhão, nas suas andanças pela serra verificou que havia bons terrenos abandonados, onde o mato crescia descontrolado.

– De quem serão estas terras, maninhas? – indagou o Major.
Ninguém lhe soube dizer a quem pertenciam. Foi ao Registo no Sabugal e de Penamacor e concluiu que eram baldias. Seriam de quem o povo quisesse ou algum esperto as registasse em seu nome.
Mas, para efectuar tal registo em seu nome precisava de umas tantas testemunhas que dissessem que eram do Sr. Major.
Pois bem, não seria difícil arranjar essas testemunhas. As terras estavam no limite de Quadrazais umas e no limite de Penamacor outras. Deixemos as de Penamacor e atenhamo-nos apenas às de Quadrazais.
Prepara o Sr. Major uns tantos trigos, chouriços, queijos e um pipo de vinho, que faz transportar num carro de vacas por uns dez quilómetros até ao local que viria a ser seu. Num cavalo faz transportar um escrivão dos registos. Convida o povo de Quadrazais para o banquete que iria oferecer na serra. Para comes e bebes há sempre clientes. E à borla!…
Despovoa-se Quadrazais em direcção à serra. Manda o Sr. Major aos seus impedidos e soldados ao seu dispor que distribuam as iguarias. Bem comidos e melhor regados com bons vinhos da zona quente de Penamacor, pergunta em voz alta:
– De quem são estas terras do lado sueste até à serra que divide a Espanha de Portugal?
– Do senhor «manjor»! – gritam todos à uma, agradecidos pelo banquete, onde o trigo fez esquecer o duro centeio de todos os dias, com alguém já industriado para dar a resposta pretendida.
– Escreva, senhor escrivão, o que diz o povo – apressou-se o major.
– E de quem são as terras que se avistam até ao rio da parte norte?
– Do senhor «manjor» – gritam mais uma vez os quadrazenhos com a voz turbada pelo vinho.
– Escreva, senhor escrivão, o que diz o povo.
– E as terras de águas vertentes de baixo e de cima?
– Do sr. «manjor»!
E o escrivão tudo escreveu, ficando o senhor manjor como dono de hectares e hectares de terra que eram de ninguém. Creio que a ele ficaram a pertencer também a Quinta da Ventosa e a Quinta de Vale Velide.
A essas terras ficou o nome de Quinta do Major, mais tarde conhecida por Quintas da Dona Rita, familiar daquele.
Do major passou aos filhos, destes aos netos e bisnetos, que, saídos de Quadrazais para as cidades, a venderam aos de Penamacor, já repartida por vários. Quem ia à azeitona a Pesqueiro, em Espanha, por lá passava e admirava os olivais que a povoavam com um riacho que aí nasce-o Bazádega a atravessá-la, a que se lhe junta o ribeiro do Alvado, vindo de fora da quinta, e até uma capela tinha. Não ficará longe da capela da Senhora do Bom Sucesso ou da Ribeira, festejada pelos de Penamacor, a cuja festa acorre um ou outro quadrazenho e, em maior número, espanhóis. O Bazádega continua a correr para o Erges.
Notas:
Cordão – Tropas que os liberais de D. Pedro IV mandaram para a serra da Malcata com o intuito de impedir a entrada da cólera vinda de Espanha, segundo eles, mas, na realidade, com a intenção de acabar com o contrabando, castigando, assim, as populações que haviam tomado o partido de D. Miguel, dirigido pelo Padre Barroca, de Aldeia da Ponte.
Manjor – major.
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