De todos os sistemas políticos que conhecemos, e apesar de nenhum ser perfeito, a democracia ainda é o menos mau. A separação de poderes entre os órgãos de soberania é uma das suas maiores virtudes. Só assim pode haver independência entre os órgãos.
De tempos a tempos, somos surpreendidos ou talvez não com informações provenientes dos órgãos que integram o nosso sistema politico. E, apesar de muitas vezes ficarmos surpreendidos com a divulgação de determinados dados, mais agradavelmente surpreendidos ficamos quando vemos o sistema cumprir a função para que foi criado.
Ficamos naturalmente satisfeitos quando vemos o Tribunal de Contas divulgar resultados de auditorias que fez e, mais ainda, tecer comentários sobre os resultados dessas auditorias.
Ficamos naturalmente satisfeitos que o Tribunal de Contas cumpra o seu dever e o faça da forma como a Constituição o estabelece: Com independência dos outros órgãos de soberania
No caso que conduziu a este texto o Tribunal de Contas limitou-se a constatar, na sequência de uma auditoria que fez à ADSE, que os descontos que estão a ser impostos aos beneficiários daquele subsistema de saúde, são exagerados para os benefícios que aos mesmos são proporcionados.
Por uma questão de clareza convém convém esclarecer que este subsistema de saúde era obrigatório para todos os funcionários públicos. Era e é o Governo que fixava o valor dos descontos que cada trabalhador tinha que efectuar para esse subsistema. E também as garantias que o mesmo proporcionava.
Os mais liberais até agora, sempre entenderam que a ADSE era uma espécie de sorvedouro de dinheiro público, pago por todos, para beneficio de uns quantos – os funcionários públicos. Nessa mesma linha apareceu o Governo que, para acabar com essa “mama” resolveu unilateralmente e com o argumento do prejuízo, aumentar os descontos dos trabalhadores para a ADSE.
Pelos dados recolhidos pela tal auditoria do TC chegou-se à conclusão que afinal os trabalhadores não necessitam de fazer os descontos impostos para beneficiarem do que actualmente a ADSE lhes faculta. Isto é, o que o TC disse é que tinha sido cobrado dinheiro a mais.
Como a ADSE é um serviços do Estado, os eventuais lucros acabam por se converter em receita do orçamento Geral do Estado e contribuir para ajudar a equilibrar as contas públicas.
Isto é, tendo a ADSE vindo a apresentar resultados positivos nos últimos 3 anos, o que aconteceu ao respectivo saldo? Naturalmente que as contas públicas beneficiaram desse saldo.
Que o sistema é sustentável já toda a gente percebeu, inclusivamente o próprio Governo. Agora não pode é ser sustentador. O dinheiro que gera não pode ser utilizado para qualquer outro fim que não seja o do próprio subsistema e por isso há que, neste momento, baixar os descontos dos trabalhadores.
Quando a ADSE foi criada em 1963 (aqui) tinha como objectivo proporcionar aos servidores do Estado um conjunto de serviços no domínio da saúde, como de resto já acontecia com os trabalhadores das empresas privadas. Funcionava na dependência do Ministério das Finanças onde ainda se mantém e os serviços que prestava eram pagos parte pelo Estado e parte pelos próprios servidores.
Durante muitos anos as receitas da ADSE provinham apenas do Orçamento do Estado. Essa situação veio a ser alterada já neste século quando se instituiu que os beneficiários passariam a suportar parte dos Serviços por desconto prévio e percentualmente fixo no respectivo vencimento. Com esta metodologia a ADSE passou a ser muito mais autónoma do ponto de vista financeiro, e por isso, a comparticipação do Orçamento do Estado no seu funcionamento diminuía todos os anos até que, em 2012 foi nula.
A comparticipação do Estado enquanto entidade empregadora também tem vindo a diminuir anualmente à medida que tem aumentado a comparticipação dos próprios funcionários. Assim, com os aumentos que foram sendo impostos pelo governo no desconto para a ADSE, este Serviço tornou-se praticamente auto-suficiente.
Mas se este Serviço é totalmente suportado pelas quotas dos funcionários que fazem os respectivos descontos, então não será altura de a sua administração ser aberta às estruturas representativas dos próprios funcionários?
Contrariamente ao que costumo fazer vou terminar este texto não com conclusões mas com perguntas. O objectivo é levar o leitor a pensar nas possíveis respostas.
Se o nosso sistema politico não fosse o que temos alguma vez seria possível um órgão de soberania, um tribunal, criticar a forma como outro, o Governo, actua?
Tendo-se demonstrado que os descontos dos funcionários para a ADSE foram exagerados, não deveria ser-lhes devolvido o que a mais foi cobrado? E não deviam os responsáveis por esses cálculos ser penalizados?
Sendo a ADSE um sistema sustentável, (as suas receitas cobrem as despesas) por que razão está o governo tão preocupado em acabar com ele? É, como disse Manuela Ferreira Leite no Expresso, na verdade um grande mistério.
:: ::
«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
Leave a Reply