Num conjunto de três artigos, a editar quinzenalmente, Franklim Costa Braga discorre sobre a origem dos topónimos da sua terra natal: Quadrazais. (Parte 1 de 3).

1 – Teremos de começar pelo topónimo Quadrazais, cuja origem não é pacífica.
Este topónimo é pronunciado Códrazais, pela comum redução do ditongo átono crescente –ua numa só vogal aberta –ó. É o que acontece com quadril, coalhada, que se lêem códril, cólhada, e com muitas outras palavras. Aparece escrito sob diversas formas: Corazaaes, Cadrazaaes, Cadrazaens, Quadraçaes, Quaprazanes, Quatrazães, Quatrassãs, Qoadrazaes, Quadrassais, Quadrasais e Quadrazais.
Em Topónimos e Gentílicos, Xavier Fernandes dá a quadra o significado de courela. Segundo ele, Quadrazais seria um lugar de courelas. Falta explicar como apareceu o sufixo –zais. O abade de Quadrazais Paulo Correia da Costa, em 1758, na resposta ao Inquérito do Marquês de Pombal diz que «este lugar de Qoadrazaes tem a sua denominação de uma ribeira chamada Coa». Outras personalidades ligam o nome de Quadrazais ao Côa. Além de o étimo de Côa-Cuda não conter o r, subsiste ainda o problema do sufixo –zais. Todas as outras hipóteses ligadas a quadra esbarram com este problema do sufixo –zais. António Carreira Coelho decompõe a palavra em quadra (fortificação) +salicis (salgueiro).
O nome Quadrazais adviria de aí haver uma fortificação que seria reparada com ramos de salgueiros. Embora tendo resolvido o problema do sufixo –zais, parece-me haver um pouco de fantasia na explicação.
No 1.º volume da minha obra «Para que não se Perca a Memória de 400 Anos de Vida em Quadrazais» apontei vários étimos possíveis, tendo-me inclinado para quadraçales que, no singular, significa «o granito, quando na pedreira». Trata-se de um provincianismo transmontano, havendo mesmo em Mirandela a mata dos Quadraçales.
Aponto duas razões para este étimo: Na margem direita do Côa o granito é escasso, ao contrário da margem esquerda onde é super-abundante. A pedra mais abundante na margem direita é o xisto. O granito era bem essencial para a construção de habitações e, por isso, muito apreciado. Quadrazais tem nos seus limites os Barrocais com muita abundância de granito e donde sempre o povo extraiu a cantaria para as suas casas. Por isso, o actual topónimo Barrocais poderia ter sido Quadraçales em épocas recuadas. Por outro lado, junto do Alcambar, zona pertencente aos limites de Quadrazais, embora tivesse pertencido ao concelho de Sortelha, existem o Barroco da Forja e o Barroco Branco constituídos por grandes rochas de granito, com predominância do quartzo, o que lhe dá a cor branca. Seriam quadraçales marcantes na paisagem da zona. A partir de quadraçales será fácil explicar o actual topónimo Quadrazais. O l intervocálico caiu, por síncope, e o ditongo aes passou a escrever-se ais por mero acordo ortográfico, tal como mãe se escrevia mãi antes do acordo ortográfico de 1911. A transformação do ç em z ou s com valor de z entre vogais é apenas forma de escrita da ceta(z) castelhana.
2 – Limites de Quadrazais e seus topónimos
Os limites de Quadrazais são marcados pelo monte de São Genésio ou São Gens (São Jães na linguagem local), seguindo pelos Barrocais, Catapreira e serra da Malcata, fazendo fronteira com a raia de Espanha, formando no interior uma grande cova, no meio da qual corre o Côa.
A povoação de Quadrazais fica em duas encostas e um vale. Ladeiam-na a nordeste o Cabecinho que se estende pelo Marco e Albardeiro. A sudeste é cercada pela elevação das Eiras, formando no meio o Vale que desce até ao Côa, ora suavemente, ora abruptamente, como é o caso da Cova, Lavandeira e dos Polomes-Fontinhas.
Os topónimos existentes na aldeia e seus limites são os seguintes:
A – Dentro da povoação: No séc. XVII apenas existiam: Ao pé da Igreja, Além do Ribeiro, Calçada, Casas do Rego da Água, Cimo (e, provavelmente, R. do Cimo), Corro, Curral, Fonte, Fundo (e, provavelmente, R. do Fundo), Recio (Rossio), Stº Cristo e Vale (e, provavelmente, Rua do Vale).
Na segunda metade do séc. XIX já encontramos: Barroca, R. do Castelo, R. do Eiró , R. da Igreja, R. do Meio, R. da Praça, R. da Ribeira (ou do Ribeiro), R. de Stº António, R. de S. Sebastião. Se se fala em R. da Praça, R. do Eiró, R. de Stº António e R. de S. Sebastião, depreende-se que já existiam a Praça, o Eiró, o Stº António e o S. Sebastião. Avenida, Cale Fundeira, Casinhas, Eiras, Fole, Ladeira, Quelhe do Ferreiro, Reboleiro, Rua das Ameixoeiras ou das Ameixeiras, Rua do Cantinho, R. da Casa Queimada, Rua da Fábrica, Rua de St’Ófêmia e Santa Eufêmia são, pois, topónimos posteriores à primeira metade do séc. XIX.
Não tenho em conta os nomes de ruas mais modernas, atribuídas a pessoas. Aqui predominam os nomes ligados a:
1 – Santos ou igrejas – Ao pé da Igreja, Rua de Santo António, Rua de Santo Cristo, Rua de São Sebastião, Rua de Santa Eufêmia, Santa Eufêmia, São Sebastião, Santo António e Santo Cristo.
2 – Características de localização ou obras aí efectuadas – Além do Ribeiro, Avenida, Calçada, Cale Fundeira, Casas do Rego da Água, Casinhas, Cimo, Fole, Fonte, Fundo, Ladeira, Praça, Recio, Rua do Cantinho, Rua do Castelo, Rua do Meio, Rua do Ribeiro.
3 – Actividades profissionais – Rua da Fábrica, Corro, Curral, Eiras, Eiró, Praça, Quelhe do Ferreiro.
4 – Características de flora ou outras: Rua das Ameixoeiras ou das Ameixeiras e Reboleiro.
Explicação destes topónimos
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Os topónimos deste item não necessitam explicação.
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a) Além do Ribeiro era topónimo que aparece nos Arquivos Paroquiais substituído posteriormente por Fole. Dizia-se Além do Ribeiro ou também do Rego da Água porque a povoação era dividida por um autêntico ribeiro que vinha da mina do terreno da ti MariFêmia à Veiguinha, passava pelo lameiro do Sr. Zé Jaquim, onde recebia mais água do poço aí existente e que deitava fora no Inverno, e ao início do Vale era aumentado pelo grande volume de água que vinha dum poço existente no quintal do Panto que, no Inverno, vomitava bem alto ondas de água que alagavam as casas vizinhas, com urros, a ponto de o povo dizer que comunicava com o mar. Esse poço foi aterrado com grandes pedras de granito e troncos de castanheiro.
A quantidade de água era tal que, com pedras e torrões, foi entancada à esquina do Vale e servia para as mulheres lavarem a roupa.
Esse ribeiro atravessava o Vale, seguia até à Fonte a céu aberto, recebendo mais água do pio e seguindo até à Cale Fundeira, onde recebia mais água duma nascente do quintal vizinho, correndo pela barroca até à esquina do Lameirão da Ribeira, onde entrava no Côa, a que chamam Ribeira.
A Rua do Ribeiro começa junto a este ribeiro em frente à Cale Fundeira e sobe depois até ao Fole.
b) Avenida é topónimo recente, criado pela ligação da Rua da Casa Queimada à Santa Eufêmia, cortando terrenos. Existia a casa do Cuco que tinha por servidão um carreiro que atravessava o Chão do Senhor e vinha sair à esquina do quintal do Jaquim Sapateiro, desembocando na R. da Casa Queimada.
c) Calçada é topónimo que aparece nos Arquivos Paroquiais, que não sei identificar actualmente. O mesmo acontece com Calçadinha, Corro, Curral, R. das Ameixeiras e R. do Cantinho.
d) Cale Fundeira – cale era um cano cortado na horizontal, em madeira ou zinco para transportar a água. Fundeira por estar num local fundo.
e) Casinhas é topónimo do sítio onde existiram umas casinhas, em frente à actual casa do Domingos e da Paula. Há quem diga que essas casas serviam para morada de amantes dos donatários de Quadrazais. Uma delas teria sido uma inglesa Mary Bates, Maria Beites em Português, e que terá dado origem ao topónimo Marbeites.
f) Fole é topónimo que pode ter duas origens: ou pela configuração de um fole, por ser um largo que estreita para formar uma rua, ou por aí ter havido alguma forja com um fole. Inclino-me para a primeira hipótese.
g) Fonte, Fundo, Ladeira (ladeira que sobe do Vale até às Eiras) e Praça não necessitam de explicação.
h) Recio é topónimo que aparece nos Arquivos Paroquiais e que terá de ser identificado com algum largo. O mais provável é tratar-se da actual Praça. Os largos da Fonte ou do Vale estão excluídos desta hipótese, já que aparecem no séc. XVII os três topónimos.
i) R. do Castelo – aparece nos arquivos paroquiais em meados do séc. XIX. Creio que era a rua que começava à esquina do comércio do ti Saloio e seguia até ao Fole e depois até às Eiras, onde devia estar o fortim a que chamavam castelo.
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a) R. da Fábrica tem este nome por ter sido aí que nos finais do séc. XIX foi montada uma fábrica de sabão, a primeira em Quadrazais, pelo pai de Nuno de Montemor, o Sr. José Álvares de Almeida.
b) Corro é topónimo que aparece nos Arquivos Paroquiais, não sabendo identificá-lo. Este nome deriva de ser aí que faziam as capeias. Teria de ser um largo ou rua larga. Desde que me lembro, as touradas faziam-se no Vale. Mas o Vale era um topónimo diferente de Corro, já que aparecem os dois no séc. XVII. Corro, porém, também significa círculo para jogo de crianças. Assim sendo, poderia ser num pequeno largo ou confluência de ruas.
c) Curral é local para animais. As casas tinham um curral onde se curtia palha para estrume e onde, muitas vezes, ficavam os animais. Mas, para ser topónimo, é porque existiria algum curral comunitário, o que não me admiraria, já que ainda há 80 anos existiam pastagens comunitárias, como a Lameira, onde pastavam vacas de vários donos guardadas por miúdos, filhos dos proprietários. Poderia, no entanto, tratar-se de espaço público em frente a uma casa, onde deitavam palha para curtir com a chuva. Lembro-me de haver este tipo de currais em frente a algumas casas.
d) Eiras e Eiró têm a ver com a actividade das malhas. As Eiras foram durante muitos anos o local principal das malhas. Havia outras eiras mais pequenas, como as Eirinhas, a Eirinha, a eira do ti Manal e as quintas tinham eiras próprias, como é o caso do Alcambar. Eiró, no centro da aldeia, terá este nome por ser um pequeno largo de piso térreo onde provavelmente malhavam feijões, milho ou um ou outro molho de centeio. Era frequente estenderem cobrejões (cobejões na linguagem local) ou oleados nas ruas para secar feijões ou milho.
e) Praça tomou certamente este nome por ser aí que se vendiam, e ainda vendem, queijos, sardinha e vários tipos de fruta trazidas de Penamacor pelo caminho da serra no dorso de burros, já que aí a fruta amadurecia mais cedo.
f) Quelhe do Ferreiro – quelha (que pronunciam quelhe) é uma rua estreita onde havia uma forja de um ferreiro.
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a) Rua das Ameixeiras é topónimo que vem nos Arquivos Paroquiais. Não carece de explicação, mas não a sei identificar actualmente.
b) Reboleiro, num dos extremos da aldeia, deve ter origem em rebolo, pedra redonda. Existiria nesse local alguma pedra grande em forma de rebolo? Ou seria local onde as crianças costumavam rebolar-se, por ter um certo declive?
Quadraçal tem uma relação com o granito, mas Qadrazais foi certamente fundado durante a época leonesa; ora a palavra quadraçal não existe na lingua espanhola, por isso continuo a pensar que coadrazais está ligado ao coa drazaes
Gostei de saber que ainda há quadrazenhos da minha geração que não esquecem as suas raízes e nos recordam nomes e locais que nos eram familiares no tempo em que a nossa escola primária se situava em s sebastião. Parabéns Franklim. Um grande abraço.