A Malha do centeio na eira tinha como objectivo separar o grão da palha. Com a evolução dos tempos e a chegada das debulhadoras a malha passou a mecânica. Mesmo assim, era dura a tarefa de malhar. Dura mas desejada.

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Com o evoluir dos métodos de trabalho, a malha manual veio a ser substituída pela malha mecânica. Como sempre cada vez que algo é mudado por norma existe resistência, e apontam-se sempre defeitos à nova coisa. Aqui também não foi excepção principalmente para os mais velhos que viam naquelas máquinas algo de estranho que certamente daria um gosto esquisito ao próprio grão, que agora saía dum buraco da máquina e nem sequer era preciso limpá-lo.
A malha mecânica veio diminuir o tempo que demorava a malha e por isso aumentar a produtividade. Agora, a máquina era capaz de malhar numa manhã aquilo que os homens malhavam em dois ou três dias.

O mecanismo da debulhadora do centeio desenvolvia-se a partir de um eixo central em que a velocidade da sua rotação era controlada pelo trator através duma peça adaptada à correia que fazia movimentar aquele eixo.
O eixo central da debulhadora movimentava directamente um cilindro metálico no interior que com a velocidade fazia o grão saltar das espigas.
Do eixo central da debulhadora eram ainda alimentados dois outros mecanismos também no seu interior: Um que alimentava uma ventoinha e se destinava à limpeza do grão antes de este ser despejado para o saco; Um outro destinado a movimentar toda a circulação da palha até ao seu exterior, na parte de trás da debulhadora.
Para além da parte mecânica cuja descrição sumária acabei de fazer, havia depois um conjunto de pessoas que na envolvente da “máquina” iam mantendo a eira limpa quer de coanhos quer de palha, ao mesmo tempo que faziam chegar os molhos de centeio ao municiador da máquina.
A máquina era alimentada por um funcionário do seu proprietário sendo as restantes tarefas, que eram menores, executadas por trabalhadores da aldeia indiferenciados, mas dentro do espírito de ajuda entre todos.
Lembro-me dos seguintes postos de trabalho necessários: Na meda era um que atirava os molhos para o chão da eira. Aí, uma ou duas pessoas faziam com que os molhos chegassem à parte de cima da máquina onde um terceiro cortava o atilho de cada molho e fazia chegar o centeio ao municiador. Na verdade, este tinha que possuir alguns conhecimentos da forma como a máquina funcionava e por isso, ia alimentando a máquina com quantidades pequenas mas constantes de centeio.
Na parte de trás da máquina era a tarefa mais dura e por isso efectuada pelos rapazes mais jovens e consistia no transporte da palha da máquina para o palheiro. A dificuldade não era do peso da palha que, sendo seca, não era muito. O grande problema eram mesmo os coanhos que empurrados pelo vento forçado no interior da máquina para limpar o grão, infiltravam-se no corpo por baixo da roupa e até nas narinas provocando um desconforto adivinhável por que nunca tenha passado por isso, o que não é o meu caso, mas muito desagradável por quem por isso passou.
A palha era transportada para os palheiros, que eram montículos redondos que se construíam na envolvente da eira. A arte de construir estes palheiros era fundamental para que os mesmos fossem preservados ao longo do ano. Os palheiros ficavam ao ar livre e sobre eles iria cair pelo menos a água e neve de um inverno. Logo, se estivessem mal construídos a água podia infiltrar-se no seu interior e fazer apodrecer a palha.
Estes palheiros eram construídos de forma a que se pudesse ir tirando palha durante o ano sem desfazer o palheiro. A palha aqui era colocada com a parte correspondente às espigas para dentro do palheiro e a parte relativa ao corte para fora. Por isso, quando durante o ano se fosse buscar palha ao palheiro, puxava-se pela parte de baixo que era mais grossa e por isso facilitava a sua retirada sem estragar o palheiro.
Por tudo isto, a construção destes palheiros obedecia a regras que os “palheireiros” seguiam e cujo objectivo era por um lado manter acumulada uma grande quantidade de palha e por outro fazer com que a chuva escorresse pela palha exterior e não penetrasse no palheiro.

Com a vinda da máquina para a malha, cujo inicio era acertado com o respectivo proprietário e com os restantes moradores, tudo parava para se fazer a malha que era seguida, entre todos os habitantes, na eira.
A máquina, uma debulhadeira, era alimentada em termos de funcionamento por um tractor que com um adaptador fazia aquele engenho deslocar-se, sendo tracionado por uma correia larga que circulava entre o tractor e ela própria.
O pagamento da máquina, era feito, como em muitos outros casos ou situações através de uma parte do cereal malhado. Portanto o pagamento era feito em espécie, ou melhor na espécie que se estava a tratar. Esta forma de pagar serviços prestados era muito frequente nas aldeias. Lembro-me, assim de repente dos seguintes: A feitura do vinho no lagar, a aguardente na alquitarra, o centeio na malha, a farinha no moleiro, etc.
Depois da malha o grão de centeio era guardado em arcas de madeira donde se ia gastando ao longo do ano. Levava-se a moer de tempos a tempos quando se queria fazer pão e já não havia farinha. A farinha não podia guardar-se durante muito tempo pois estragava-se ao fim de algum tempo. Por isso, optava-se por guardar o grão, que não se estragava facilmente. O grão de centeio tinha e tem este aspecto:

Caros Leitores:
Este é o grão do centeio semeado na terra que começámos a preparar há cerca de dois anos, com a decrua (aqui). Parece e é muito tempo mas era assim que se produzia centeio. Os tempos mudaram, os meios também. Mas a terra é a mesma e mesmo hoje continuam a seguir-se grande parte das fases até agora descritas nestes textos. O que mudou e creio que foi apenas isso, foram os meios utilizados que agora felizmente são mais mecanizados em lugar do trabalho braçal e dos animais que naquela altura se utilizavam.
Meus amigos: Temos grão mas ainda não temos o pão idêntico ao que tenho utilizado para abertura de todos os textos. Mas falta pouco!… Mais umas tarefas, mais uns textos e chegaremos ao pão.
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«Do Côa ao Noémi», opinião de José Fernandes (Pailobo)
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