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Página Principal  /  Aldeia da Dona • Aldeia de Joanes • Badamalos • Bismula • Ruivós • Vale das Éguas • Valongo do Côa  /  Bismula – o meu aluno e amigo resineiro
20 Julho 2015

Bismula – o meu aluno e amigo resineiro

Por António Alves Fernandes
António Alves Fernandes
Aldeia da Dona, Aldeia de Joanes, Badamalos, Bismula, Ruivós, Vale das Éguas, Valongo do Côa antónio alves fernandes, josé martins Deixar Comentário

Tantos anos passados, muitas vezes a sua recordação, e vou encontrá-lo na Quinta da Ribeira Velha (Tortosendo), na companhia da sua esposa e não muito longe das três filhas e netas e um neto. Falo do meu amigo José Martins. Apesar de reformado, ainda trabalha a terra e cuida de cabras e galinhas.

José Martins fixou residência na Bismula em 1955
José Martins fixou residência na Bismula em 1955

A manhã está propícia à conversa. Instalamo-nos em frente à sua casa rural, debaixo de uma latada de videiras, um tecto vegetal e fresco com cachos a medrarem. Como é hábito beirão, a esposa, de infinita generosidade, não se cansa de colocar iguarias sobre a mesa.

José Martins nasceu em 1930 no coração da Serra da Estrela, no Casal do Rei, freguesia de Vide (Seia). Diz-me que o seu nome resultou da mãe Maria José e do pai Agostinho Martins. Cruzaram o José da Mãe com o apelido Martins do Pai e resolveu-se o problema. Quando nasceu, o Pai era emigrante em Buenos Aires (Argentina), onde se encontrava uma comunidade de seus conterrâneos. Regressou a Portugal mais pobre do que partira.

O percurso laboral foi longo e com muitas etapas. Como irmão mais velho, teve que abandonar a escola para ajudar a Mãe, pois da nação do tango chegavam más notícias e de pilim nem sinal.

Em criança foi aguadeiro e moço de recados nas obras da estrada de Alvoco da Serra, Vasco Esteves de Baixo, na Serra da Estrela.

Um dia, num rebentamento de pedras, foi ferido numa perna (as marcas ainda hoje são bem visíveis), percalço que o atirou para um tratamento difícil. A convalescença durou um ano, entre Loriga (Seia), sob os cuidados do Médico Andrade e o Hospital da Ordem de São Francisco em Lisboa, onde teve que fazer fisioterapia. Não voltou mais à estrada.

A vida deu uma cambalhota e assinou um contrato por dez meses para trabalhos sazonais na Quinta da Alagualva (Alpiarça). Aí ficou a conhecer a sopa de pedra.

Durante cinco anos, esteve ainda na Quinta de Santa Tereza (Alenquer), propriedade de Mário Ramos e Sara Ramos, «pessoas extraordinárias que estimavam muito os trabalhadores». A jorna mensal era de trezentos e cinquenta escudos, acrescida de trinta quilos de farinha de milho, cinco litros de feijão e três litros de azeite.

Um dia, com saudades da família, regressou à sua terra natal e o Pai resineiro já não o deixou partir para Alenquer. Diz-me que era respeitador e humilde, aceitando as ordens do seu Pai, embora tivesse ficado prejudicado.

Veio nova etapa laboral, seguindo as pisadas do Pai como resineiro. Inicialmente trabalharam juntos para a União Resineira Portuguesa em Viseu, que lhe pagava dez tostões por cada quilo de resina. Também teve uma proposta de Arganil da Empresa Mariano Lopes Morgado e C.ª, Lda., que lhe pagava mais um tostão por quilo.

Aprendeu com o progenitor as diversas fases deste trabalho de resineiro – a descasca do pinheiro, o alisar de um pequeno pedaço de tronco, a pica, o colocar os pedaços de lata para resvalar a resina para as tigelas de barro, a renova, a sangria que consistia em pequenos cortes no tronco do pinheiro, e finalmente a recolha da resina em vasilhas próprias, que esvaziavam para barricas.

Depois de uma estadia em Figueira de Castelo Rodrigo, assentou residência na Bismula (Sabugal) em 1955. É um tempo que nunca mais vai esquecer. Foi ali que em 1956 frequentou o Curso de Adultos, tendo como Professores o meu pai José Maria Fernandes e o seu filho mais velho António Alves Fernandes. Com os nossos ensinamentos, conseguiu fazer a 4.ª Classe no Sabugal, com provas escritas e orais na presença de um Júri Escolar: «Obtive assim o passaporte que me abriu as fronteiras na construção de um futuro mais risonho.» Regressados do Sabugal, lembro que cada um dos aprovados lançava um foguete à entrada da povoação da Bismula.

O nosso Homem conta: «Um dia estive com uma pneumonia e graças aos cuidados e diligências de António Joaquim Videira, que me deu três injeções de penicilina, safei-me da morte. Acredite que todos os dias lhe rezo pela alma, salvou-me a vida e entusiasmou-me, contra a vontade do meu pai, a matricular-me na Escola da Bismula para Ensino de Adultos.»

O nosso Homem não é de ferro e comove-se quando recorda esse amigo. E chorou…

Também se apaixonou por uma linda Bismulense. Por esse facto teve de pagar o imposto revolucionário – uns almudes de vinho – como determinava o código para aqueles que namorassem uma menina de terra alheia, pois caso contrário não poderiam entrar ou namorar nessa aldeia. Em todo o caso não se casou com essa esbelta moça.

O nosso Homem conta: «Durante três anos as gentes da Bismula manifestaram-me sempre muita amizade, vivi numa comunidade familiar. Havia uma base de exploração resineira, que abrangia as aldeias de Badamalos, Valongo do Coa, Vale das Éguas, Ruivós e Aldeia da Dona».

Havia, note-se, uma faixa florestal importante, sobretudo o lendário Pinhal das Cambras, sobre o qual as nossas avós contavam histórias de lobisomens, assaltos de zés do telhado e lobos famintos.

Na indústria da resina, ainda caminhou por Meimoa, Penamacor, Vila Franca das Naves e Pampilhosa da Serra, até que um dia, cansado de pinhais e com a crise da resina à porta, emigrou para a Alemanha.

No país de Lutero, conseguiu reunir algumas economias e regressou ao Tortosendo. Hoje é vizinho dos «Missionários do Verbo Divino», que chegaram a ter duzentos alunos. Recorda os amigos Zé Vaz de Aldeia da Ponte (Sabugal), Zé Jerónimo de São Vicente da Beira, Padre Lúcio do Brasil e tantos outros.

Empregou-se na Junta de Freguesia e passou para os quadros da Câmara Municipal da Covilhã, onde foi chefiado pelo actual recluso 44.

Conta mais de oitenta anos e ainda não encontrou tempo para descansar.
Ainda haverá resineiros, pastores, lavradores, agricultores, pescadores? Há, tenho a certeza de cronistas que ainda tem a liberdade de escrever de pessoas simples, trabalhadoras e honestas.

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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes

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