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Página Principal  /  Ciclo do Pão nas Terras da Beira • Do Côa ao Noémi • Pailobo  /  O Ciclo do Pão nas Terras da Beira (10)
17 Junho 2015

O Ciclo do Pão nas Terras da Beira (10)

Por José Fernandes
José Fernandes
Ciclo do Pão nas Terras da Beira, Do Côa ao Noémi, Pailobo beira raiana, ceifar, centeio, josé fernandes, o ciclo do pão, rolheiro 2 Comentários

Quando a primavera já passou, o sol produz calor que transforma a cor das cearas em castanho dourado, está na altura da Ceifa. Ceifar é receber o resultado de dois anos de trabalho sobre a terra. A Ceifa era a esperança de ter pão.

Pão centeio
Pão centeio

Textos anteriores: Introdução, Decrua, Estravessa, Sementeira, Arique, Monda.
Instrumentos 1, Instrumentos 2, Instrumentos 3.

Diagrama de execução das tarefas – Ceifar
Diagrama de execução das tarefas – Ceifar

Sobre a Ceifa já muito se escreveu, incluindo eu próprio, neste órgão regional. Mas mesmo assim esse muito é sempre pouco para aquilo que essa tarefa rural representava para os respectivos proprietários ou arrendatários das terras.
Com o calor a chegar, com os dias cada vez maiores, com as searas de centeio de cor castanho dourado, parece não restarem grandes dúvidas sobre o momento que se está a aproximar: Chegou a altura da Ceifa.
A ceifa era executada, conforme a dimensão das cearas, por ranchos de trabalhadores, contratados para executar esse trabalho para um determinado proprietário. No caso de ceras menores os ranchos eram formados em parceria entre os habitantes de cada aldeia o que, basicamente consistia em cada um deles trabalhar para o seu vizinho e este a seguir para ele.

117 -3

Por vezes, esta tarefa demorava vários dias, principalmente quando a dimensão das cearas era muito extensa.

Cada rancho – conjunto de trabalhadores – tinha uma espécie de encarregado, o manageiro, provavelmente “manager” vem daí, que tratava dos assuntos relacionados com a gestão do rancho. Recebia de quem contratou, pagava a quem trabalhava, tratava do alojamento e também da alimentação.
Mas também trabalhava estando-lhe reservada a tarefa de atar os molhos.
Estes ranchos podiam vir fazer a ceifa sem direito a comida – a seco – isto é tinham que trazer de casa o almoço, a merenda e o jantar.

Mas na maior parte dos casos, nesta zona da beira, os ranchos que vinham fazer a ceifa, ou se organizavam para esse efeito, tinham direito a comida, bebida e alojamento, precário é certo, a fornecer por parte do proprietário, com as consequentes reduções nos custos.

Estes ranchos eram formados por homens e mulheres, rapazes e raparigas em quantidade variável conforme as necessidades e cada um deles transportava consigo os instrumentos de trabalho para aquela tarefa: a foice, as dedeiras e o chapéu de palha.
A foice como o próprio nome indica destinava-se a ceifar, isto é a cortar.
As dedeiras, por norma de cabedal revestiam apenas dois dedos, aqueles que teriam mais probabilidade de virem a ser atingidos pela foice (os dois mais pequenos da mão esquerda) num qualquer momento de descuido ou de cansaço.
Cada trabalhador protegia-se do sol com chapéus de palha seguros ao queixo por fitas ou elásticos e usavam às vezes, lenços ao pescoço. Estes lenços destinavam-se a limpar o suor que, com o avançar do dia e o trabalho, ia surgindo por todo o lado sendo mais visível principalmente na cara e no pescoço.

Na ceifa é preciso ceifar, colocar em pequenos montinhos cada mão cheia que se corta, juntar depois os montinhos em montes maiores, atá-los, com o próprio centeio em molhos e, no final, juntá-los em montes de molhos a que chamavam rolheiros.
As cearas tinham sido semeadas em Setembro do ano anterior e os regos feitos com os arados de madeira, mantiveram-se ao longo do período que decorreu até junho/julho.
Agora, cada ceifador, de costas dobradas, e com um pé no meio de um rego e o outro no imediatamente adjacente, vai cortando o centeio, ora na goma que tem no meio das pernas ora na outra do lado direito até ter a mão cheia. Nessa altura levanta-se e coloca, esse centeio cortado no chão deitado de forma transversal aos regos em montinhos a que se chamavam gavelas. Esta rotina continua até ao fim do rego.
Atrás deste ceifador, com algum espaço de permeio, segue outro que faz exactamente a mesma coisa mas agora nos regos imediatamente ao lado. O centeio que corta, coloca-o em cima das gavelas que o da frente iniciou.

Numa ceara com alguma dimensão a ceifa é um espectáculo belo e digno de ser visto principalmente pelo ritmo que os trabalhadores lhe impõem. Por vezes os trabalhadores cantavam cantigas populares que acompanhavam o ritmo dos braços e que, a cada mão cheia de centeio ceifado se erguiam para a colocar na gavela, para de novo se baixarem para cortarem a próxima mão cheia.

Algum espaço atrás, seguiam os manageiros que iam juntando em molhos as diferentes gavelas e as atavam, com as espigas todas para o mesmo lado. Os molhos eram atados com pequenos molhinhos do próprio centeio. Não fazia sentido mandar fazer “nagalhos” para a ceifa pois seria um desperdício de tempo e palha quando tudo podia ser feio com o que se ceifava.

A imagem do conjunto de ceifeiros a ceifar, faz lembrar uma espécie de lagarta das couves que vai cortando a ceara de forma perfeitamente continua e organizada.

Quando se chegava ao fim dos regos que se tinham começado, os ceifeiros voltavam ao local onde tinham começado e iniciavam novo par de regos. No caminho de regresso ao início transportavam um ou dois molhos de centeio, que colocavam na zona do rolheiro. Em certas situações e principalmente em terras planas, os ceifeiros esperavam no fim dos regos que todos os outros lá chegassem e depois disso começavam nova tarefa em sentido contrário.

Quando se contratavam pessoas para ceifar, o resultado final do trabalho era apresentado sob a forma de rolheiros distribuídos em cima do restolho da ceara.
Faziam-se estes rolheiros por pelo menos duas razões: Por um lado para o centeio ficar preparado para ser transportado para a eira. Seria extremamente complicado andar com um carro de vacas a dar a volta às tapadas para apanhar molho a molho.
Por outro, nem sempre se conseguia fazer a carranja imediatamente a seguir à ceifa. Por isso era preciso prevenir e proteger o centeio de qualquer chuva que a destempo pudesse aparecer.

Os molhos são juntos na zona do rolheiro
Os molhos são juntos na zona do rolheiro

Os rolheiros eram feitos com os molhos de forma a que as espigas ficassem voltadas para o seu interior.Nas duas últimas camadas de molhos do rolheiro a orientação dos molhos era a natural o que fazia com que o rolheiro na parte de cima ficasse inclinado para um dos lados a lembrar um telhado. Facilmente ficavam com forma trapezoidal. Por isso, se porventura chovesse, a forma da cobertura dos rolheiros (inclinada) fazia com que a chuva escorresse para fora e não danificasse as espigas no seu interior.

Um rolheiro em construção com os molhos já juntos
Um rolheiro em construção com os molhos já juntos

Regra geral era no final ou começo de cada novo par de regos que os trabalhadores se hidratavam bebendo água ou menos frequentemente vinho. Na altura da ceifa o calor aperta e, água é melhor que vinho.

Quando chegava a hora de almoço que coincidia com a altura do dia em que o calor era mais forte, almoçava-se à sombra de árvores que por norma sempre havia na zona das cearas.

O almoço, quando o contrato incluía a comida, era servido no local de trabalho e por norma constituído por uma terrina de sopa e um outro prato com alguma carne, peixe ou bacalhau.

Os trabalhadores, principalmente na minha infância mais recuada comiam todos do mesmo recipiente que era colocado no chão, em cima de uma toalha que por sua vez era colocada em cima de uma manta de trapos embora cada um com uma colher individual o mesmo acontecendo com o garfo. Por norma comia-se com o garfo ou a colher na mão direita e, na mão esquerda, segurava-se e comia-se uma fatia de pão.
Isto é:
Colocada a comida, todos iam tirando colheradas de sopa que comiam. Quando colocado o “segundo” aplicava-se a mesma regra.
Terminado o almoço, a que se chamava jantar, os trabalhadores descansavam algum tempo à sombra esticando-se no chão ou em cima da palha muitas vezes com o chapéu de palha a cobrir a face que, deitado o corpo ficava virada para cima. Não demorava muito tempo este intervalo do jantar mas por norma preenchia o tempo de mais calor.

De seguida tudo voltava ao mesmo ritmo que da parte da manhã tinha sido iniciado e que só terminaria quando o sol se pusesse. A meio da tarde ainda se parava para merendar, que consistia em comer algo de natureza mais seca: Pão com carne, chouriço ou queijo. Mas nesta refeição o tempo era relativamente curto e não havia descanso.

À noite, comia-se a ceia, já em casa e os trabalhadores iam dormir para descansar e recuperar forças para o dia seguinte.
Claro que os mais jovens com o sangue na guelra, muitas vezes organizavam bailaricos pois o cansaço em jovens de 17, 18 ou 20 anos, habituados a trabalhar no campo, não era problema que os incomodasse. A sua capacidade de recuperação não necessitava de uma noite. Algumas horas chegavam.

Depois da noite, e ainda antes do nascer do dia, comia-se uma bucha a que agora se chama o pequeno almoço e os trabalhadores dirigiam-se de novo às searas para continuar a tarefa que nos dias anteriores tinham iniciado e que não estava concluída.

A ceifa depois de começada era uma tarefa de dias seguidos até ser concluída para cada proprietário que contratasse um rancho.

Hoje com a evolução de métodos, com a maquinaria modernizada e com a decadência ou ausência da agricultura nos campos já não se vêm ranchos a ceifar centeio ou trigo à mão. Os tempos mudaram e ainda bem, e as pessoas começaram a utilizar meios mecânicos para executar tarefas que antes só à custa de trabalho braçal podiam ser concretizadas.

Nota: Ceifado o centeio era necessário transportá-lo de forma mais ou menos rápida para a eira afim de aí ser malhado. O transporte era feito com carros de madeira puxados por vacas. Essa tarefa, a que se chama a carranja é uma tarefa que exige poucas pessoas para ser executada. Lá para fim do mês ou inicio de julho, num texto que aqui mostrarei, veremos como era executada essa tarefa.

:: ::
«Do Côa ao Noémi»,
opinião de José Fernandes (Pailobo)

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José Fernandes
José Fernandes

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2 Comments

  1. Avatar JFernandes Responder a JFernandes
    Domingo, 21 Junho, 2015 às 0:25

    Caro AEmídio:

    Antes de mais, sentir-me-ei mais à vontade se deixar cair o Senhor. Senhores somos todos nós os que damos a nossa opinião e a mostramos a quem a quer ver e às vezes partilhar.
    Caro AEmidio: Obrigado pelas suas palavras e interesse no tema.
    Na verdade todos somos crentes. Acreditamos sempre em algo e essa crença ou outra é sempre mais intensa quando passamos por situações difíceis e que não conseguimos controlar- Somos muito egoístas.
    Quanto ao Pão da vida ele foi, é e sempre será a base da alimentação. Felizes os que podem comer pelo manos pão já que, como diz, neste mundo preverso e com muitos dos valores invertidos, há muitas pessoas que não têm pão para comer.
    Por cá, pela nossa zona, e quanto ao pão, continuarei a falar de tempos idos, tarefas próprias, da forma como o podiamos obter (sabe-se lá se um dia não teremos de repetir tarefas passadas?)
    Um abraço
    JFernandes

  2. António Emídio António Emídio Responder a António
    Quarta-feira, 17 Junho, 2015 às 18:12

    Senhor JFernandes :

    Li o que o senhor já escreveu sobre o pão, continuarei a ler se o senhor continuar a escrever, eu ainda vivi no tempo do Portugal Rural, sei portanto o que o pão passa antes de chegar à mesa. Vou então dizer-lhe, presumindo que seja crente, o seguinte : como simbolizar a Ressureição de Cristo, porque se Ele não tivesse Ressuscitado a nossa fé, a dos cristãos, seria vã ? Através do pão, é um alimento universal, é encontrado em todos os povos, tanto dá que seja de trigo, milho mandioca, centeio ou cevada.
    « Eu sou o pão da vida, assim disse Cristo », mas mil milhões de seres humanos não têm pão para comer, e muitos mais não conhecem Aquele que por eles morreu.

    António Emídio

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