Uma viagem a Bruxelas, sobretudo quando comporta vários dias, partilha-se sempre com uma outra à Holanda e quase necessariamente a Amsterdão, a Veneza do norte, notável pela sua beleza, mas também pela sua tolerância (que já se vai perdendo, tem de se dizer!), a acolher gente de todos os quadrantes, num ambiente de cidade multicultural.

Amesterdão é também a cidade do grande pintor Rembrandt van Rijn (1606-1669) onde teve lugar a excepcional exposição que apresentou os quadros dos últimos anos da vida deste grande artista, no Rijksmuseum.
Ao contrário de Rubens que é excessivo e grandioso, Rembrandt vive num mundo de sensibilidade exacerbada. Inventa o murmúrio e a intimidade. Não nos distrai com muitas cores porque o que lhe interessa é a intensidade fixada no preciso momento que escolheu para nos surpreender.
Tal como os holandeses que não pensam senão conquistar constantemente a terra ao mar, como na tradição flamenga, também Rembrandt é um homem da terra e não lhe interessa a perfeição. O seu objectivo é a admiração que o quadro provoca no observador, através da leveza das composições para sublinhar apenas a expressão das suas personagens.
Nos últimos anos da sua vida Rembrandt representava regularmente as personagens mergulhadas no seu interior e assim o observador poderia imaginar e solidarizar-se com a sorte dessas pessoas. Mas em vez de contar histórias com várias personagens, com rasgados gestos ou lindas paisagens, Rembrandt pretendia mostrar a força psicológica que se transmite através de uma ou duas pessoas, muitas vezes fazendo realçar o conflito interior, poupando os pormenores e reduzindo as informações para dar a possibilidade de sonhar, de ler a história com toda a liberdade e de até nos poder projectar naquilo que estamos a observar.
Quem não se emocionará ao observar o quadro pintado em 1665, designado a Namorada Judia? Rembrandt dá uma grande importância à ternura amorosa pelo leve contacto dos dedos de Rebeca que perpassam docemente sobre os de Isac. Também o olhar nos deixa sonhar, imaginando o amor de uma jovem perplexa e ao mesmo tempo confiante porque o rico Isac já ornou o seu corpo dos melhores ornamentos de tal maneira que é impossível recuar, percebendo que o melhor é entregar-se nas suas mãos e ter confiança.
Amesterdão comporta também um edifício emblemático e imponente que é a Sinagoga Portuguesa de Amesterdão, situada próxima do centro histórico da cidade, a qual não deixa nenhum português indiferente.

Embora seja um motivo de orgulho porque a nação portuguesa se expandiu até ao norte da Europa, não deixa de ser considerada trágica a errância sofredora da comunidade sefardita expulsa de Espanha e de Portugal, no tempo dos Reis Católicos e no reinado de D. Manuel I.
Circunstâncias favoráveis teriam ocasionado a fixação dos judeus portugueses: a Holanda lutava pela consolidação da sua independência que os Reis Católicos tinham dominado e queriam afirmar-se como país de religião protestante. Portugal sofria do jugo filipino (1580-1640) e do qual pretendia libertar-se. Foi por isso que muitos espanhóis se rotulavam de «portugueses» para evitar a conotação de serem originários de um país então inimigo da Holanda.

Muitas figuras ilustres, de renome internacional, saíram desta comunidade sefardita: filosóficos, banqueiros, fundadores de companhias de comércio. E ao respirar o ar imbuído de tanta tradição naquela grandiosa sinagoga, que ainda conserva o nome de portuguesa, pensei no sagrado dever de Portugal acarinhar os seus cidadãos a viver longe da sua pátria.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
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