O Povo tem um poder indiscutível. Tem um rio do seu lado. Tem o poder de querer ou não lavar uma roupa demasiada suja que, embora não seja sua, lhe veio parar às mãos. Então porque espera? Lavemos essa roupa. Que o rio seja a nossa alma, a nossa voz, o nosso poder. Podem comprar o chão deste povo. Mas não lhe comprarão a sua alma.
Povo que lavas no rio. Povo que ainda continuas a lavar no rio… Pedo Homem de Mello, no seu livro Miserere, publicado em 1948, escreve a poesia «Povo», que viria a ser posteriormente imortalizada por Amália.
Nestes versos, tantas vezes cantados e deturpados, podemos encontrar um retrato deste nosso povo. Um povo que apesar de ter ultrapassado o fascismo e tempos difíceis, se encontra hoje a definhar pelas políticas neoliberais. Embora este poema tenha sido isolado do seu contexto, pela ditadura de então, traz-nos hoje à memória a condição dos que se sentem à margem da condição social.
Pois é. Estamos perante uma desfragmentação social, onde as classes deixaram de contar. Estamos perante uma desfiliação onde muitos se sentem esquecidos pela sociedade e pelo estado. Estamos perante uma significativa fragmentação social, onde o que conta já não é o posto laboral ocupado mas a influência e peso adquiridos. A individualização, promovida pelas presentes políticas, fecham a pessoa em si mesma. A prepotência dos que detêm o poder, como sendo os senhores da verdade! Os que se sentem donos dos outros porque são detentores da inovação, do empreendedorismo e das políticas que constroem à sua medida. Perante esta nova questão social, resta uma pergunta. Para onde vamos? O Povo? Quem o defende? Quem lhe compra o seu chão sagrado? Porque é que ainda lava no rio? Tentamos comprar o outro com uma bolsa de trinta moedas. Mas o Povo não. Não se deixa comprar. Pedro Homem de Mello dizia que pertencia ao povo. Há quem sobe a alturas de incenso, pelas mãos do Povo. E há quem caia, de costas no chão. O Povo não se poderá deixar enganar. O Povo não se pode deixar comprar e muito menos enganar. Não!
Neste desgoverno em que nos encontramos o Povo tem a sua palavra. Será tempo de parar de lavar roupa no rio. Ou será que, ao invés, o Povo terá de lavar a roupa que, não sendo sua, se encontra demasiado suja? Então vamos ao rio. Lavemos essa roupa! Mas façamos do rio o nosso poder!
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«Desassossego», opinião de César Cruz
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