Em tempos pascais, na companhia de uma natureza florida e ressuscitada em todo o esplendor, desloco-me à Aldeia de Santo António (Sabugal). Uma placa de xisto, uma variada sinalética de todas as instituições e lugares de visita, uma réplica arquitectónica de uma casa rural e um arco-íris dão-nos as boas-vindas. As ruas, parece que se esmeraram na limpeza para nos receber. A torre da Igreja, de um granito rústico, mantém-se vigilante.
Bato à porta do Lar dos Amigos de Aldeia de Santo António, a funcionar há uma década e situado num ambiente bucólico, a lembrar uma pastoral de Bernardim Ribeiro com o balir em uníssono de um rebanho de ovelhas.
Ali sou recebido com muita simpatia e atenção, o que prestigia esta instituição, e lá vou ao encontro de Albino Batista, que tem quase um século de vida. Nasceu no Escabralhado, Aldeia de Ribeira, e é filho de José Batista e de Bárbara Lourenço.
Naquele tempo, como hoje, já se verificavam rivalidades entre paróquias e freguesias. O Pároco de Aldeia de Ribeira, que tinha o múnus pastoral do Escabralhado, entendeu que não se devia deslocar para fazer baptizados. Os pais de Albino Batista, juntamente com mais onze conterrâneos, não se fizeram rogados e foram receber das mãos do Padre Hilário Afonso Pires, o sacramento do Baptismo na Bismula. Aí nasceu para a fé cristã o nosso amigo Albino Batista.
Mais tarde, contraiu matrimónio com a Bismulense Florência Leitão Vasco Lavajo, filha de José Leitão e de Nazaré Vasco Lavajo, que lhe deu seis filhos e com quem viveu sessenta e seis anos. Desabafa: «Esta foi a maior das recordações da Bismula, pensei morrer eu… e logo foi ela.»
Fixou residência na Bismula (Sabugal) e arregaçou as mangas na vida do campo, na agricultura da sobrevivência. Como actividade extra, dedicava-se – como quase todos os homens da raia – ao contrabando.
Durante três anos, comprou em Tondela, Viseu, Coimbra, Porto, Barreiro, Moita e outras localidades, todas as espécies de borrachas, que seguiam via-férrea para Cerdeira do Côa e em carros de bois para armazéns na Bismula. Aqui eram seleccionadas e seguiam pelos caminhos do contrabando para Espanha. À época, destacavam-se nestas actividades Joaquim Leitão, António Dias, João Manuel dos Reis, Manuel Valério, Manuel Salgueira e, no contrabando de machos e mulas (os tractores do momento), o Joaquim Serrote.
Em 1950 entrou para o Ministério das Obras Públicas, para a JAE – Junta Autónoma das Estradas – com a categoria profissional de cantoneiro, onde permaneceu quase quarenta anos. Apesar de reformado há anos, dá uma perfeita imagem do organograma do funcionamento dos seus serviços.
Foi para Manteigas, onde esteve quase dois anos. Com o apoio dos cantoneiros de Gouveia, chegou a cortar neve com oito metros de altura na estrada.
Regressou ao Sabugal e em 1966 foi promovido a Cabo de Cantoneiros, com a responsabilidade de chefiar uma equipa de oito cantoneiros (cada um tem a seu cargo um cantão que abrange cinco quilómetros, mais tarde passou para oito).
Na sua ficha profissional, tem averbado em 1966 a Medalha de Bons Serviços; em 1972 o Prémio do Automóvel de Portugal, que distinguia a nível nacional o melhor cantoneiro das Estradas de Portugal; e, antes da data da reforma, um Louvor do Presidente da JAE pelo trabalho desenvolvido, em especial a colaboração na estratégia de apagamento de incêndios.
Sobre o envelhecimento da região, o que compromete o seu futuro, dá os remédios: «Um aeroporto na zona do Carril, entre Vilar Formoso e Aldeia da Ponte, que servisse as duas fronteiras; pequenas fábricas na transformação dos produtos agropecuários; melhor divulgação e aproveitamento do turismo histórico e religioso.»
Bom conversador, com qualidades intelectuais invulgares e uma memória infindável, este Cabo-Cantoneiro é uma enciclopédia, a merecer melhor atenção no campo da cultura.
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«Aldeia de Joanes», crónica de António Alves Fernandes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Março de 2012)
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Boa tarde
Sou um colecionador de objectos do tempo do Estado Novo. Por acaso, não tem nenhum emblema, crachat, etc do seu tio, de que se queira desfazer?
Obrigado
A crónica é muito bem concebida por ser pedagógica e transmitir aos doutores e engenheiros e professores que há Gente de muito valor que eles desconhecem.
Para quem dizia mal de Salazar e do Estado Novo e gosta de deturpar a História deste país, os antigos Cantoneiros da JAE faziam ver aos de hoje porque naquele tempo sem recurso a máquinas pesadas faziam um trabalho impecável quer na conservação de estradas, limpeza de bermas, reflorestação com aquelas sombras aprazíveis junto à estrada e na prevenção e combate aos incêndios florestais. Tenho orgulho de ter sido sobrinho de um Cantoneiro (António Varelas de Castelo Rodrigo)