Quando eu era criança e abria a grande gaveta dos botões que se encontravam debaixo do balcão da alfaiataria do meu pai, estava longe de pensar que o pequeno objecto redondo que designamos por «Botão» poderia um dia interessar os artistas, a tal ponto de lhe terem dedicado uma exposição no Museu des Arts Décoratifs, em Paris.
Já nessa época, os botões fascinavam-me. Passava horas a apanhá-los com as minhas pequenas mãos e depois deixava-os cair para os ver escorregar uns sobre os outros e ouvir aquele barulho típico que se assemelhava ao cair da chuva torrencial ou ao dos feijões e grãos-de-bico secos, quando se despejavam para os sacos de sarapilheira. Brincava com eles. Imaginava-me rico, pois com estes botões eu podia comprar tudo o que pretendia aos meus companheiros de infância que não hesitavam em fazer comércio comigo, na esperança de também os possuir. Que fascínio, que atracção, aquela caixa de botões na alfaiataria do meu pai!
Naquela gaveta entravam os botões que sobravam dos velhos casacos que o meu pai tinha de virar, e saiam quando era necessário aplicá-los nalguma portinhola ou braguilha das calças, manga de casaco ou mesmo para o mesmo ficar apertado.
Tenho pena de não os ter conservado porque duvido que naquela exposição tenham botões das fardas dos guardas-fiscais, dos guardas-republicanos, das batinas dos padres ou dos botões mal acabados, feitos de osso ou de corno de boi pelo ti Zé Faixinha, marceneiro exímio na minha aldeia.
Nas oficinas dos alfaiates ou das costureiras havia sempre uma multidão de botões de todas as qualidades e feitios para acudir ao que desse e viesse. Também nas nossas casas há sempre uma caixinha com botões para um nunca se sabe o quê…
Parecendo que não, o botão é uma coisa indispensável. Já se pensou no que seria uma camisa sem botões? O botão fecha o vestuário, evita-nos apanhar frio e preserva-nos da própria nudez.
Mas o botão tem uma carga simbólica, subversiva e até mesmo erótica. Se existem é para serem abotoados e desabotoados. Os botões das fardas da tropa, de cor doirada, eram símbolo de autoridade. E ao reluzirem nos casacos, as raparigas casadoiras arregalavam os olhos, pois o maior desejo era casar com o que então se designava por uma farda.
Também na tradição popular, abotoar apenas o último botão do casaco é sinal de pouco cuidado e elegância e de até má educação. Todo o que se preza deve evitar quem tiver a portinhola desabotoada. E vestir-se com os botões desaparelhados é sinal de estar mal confessado.
Até aos anos 50, ter a camisa desabotoada era apanágio unicamente dos homens. As mulheres tinham de ter recato no vestir. Não podiam apresentar-se decotadas. Nem podiam sequer mostrar os joelhos quanto mais o peito ou até a cabeça descoberta, porque era proibido ir à missa sem véu! A partir desta altura, começaram a aparecer as revistas femininas, as publicidades à lingerie e os artigos sobre a moda onde se sugeria abertamente às mulheres: «Sinta-se à vontade com a sua camisa desabotoando-a ligeiramente.»
Hoje, a publicidade é tão subliminal que todas as mulheres perceberam que se podem desabotoar da maneira mais negligente…
O botão era colocado nas luvas para apresentar a mão elegante da mulher. Assim, a mão era mais fina e, por isso, mais feminina. Viam-se também os botões nas batinas dos padres – um verdadeiro exagero de decoração, já que iam da gola até aos pés! Com tantos botões, ali não poderia entrar nada que manchasse a virtude de um clérigo! Também nas botas das mulheres o botão era mais que ornamental. E sobretudo quando os botões subiam do peito do pé até ao meio da perna, as botas apresentavam a sugestão de uma curva bem cadenciada para esconder o bem precioso de um pé feminino.
O botão, porque abre e fecha, tem uma conotação erótica. E quando é aberto docemente pelo(a) partenair abre-se a porta para um mundo de prazer. Colocam-se botões na parte de trás ou na da frente dos vestidos de noiva. Às vezes na parte da frente e na de trás. É um corte de costura altamente sugestivo, bem concebido pelo imaginário feminino para entreter o noivo na noite de núpcias e o retardar na sua pressa de concupiscência viril e desenfreada.
Falar de botões, faz-me lembrar a canção lasciva, desaforada e libertina de Juliette Greco – désabillez-moi, que não faz sentido ouvi-la a não ser ao lado de uma preciosa musa com um vestido cheio de botões, uns mais difíceis de desabotoar do que outros.
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«Pedaços de Fronteira», opinião de Joaquim Tenreira Martins
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Novembro de 2012)
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