Era costume em Quadrazais, quando morria uma criança, a que chamavam um anjinho, outra criança tocar uma campainha no enterro. Essa mesma campainha também era usada quando saía debaixo de uma umbela o Sagrado Viático que o abade ia dar a algum enfermo em perigo de morte.

A miudagem disputava com todo o empenho a campainha. Quem a levava, tocava-a todo ufano, julgando-se alguém importante.
Quando morria um adulto, era um rapazola que tocava a sineta, uma campainha maior, logo, mais pesada, imprópria para crianças. Esta sineta também era usada para tirar a esmola para o Senhor nos Domingos terceiros e também na Segunda Feira de Páscoa, tocada pelos mordomos.
Certo dia faleceu uma irmã de Alexandre Vieira, provavelmente a Isabel, andaria ele pelos cinco anos.

Pois bem, apressou-se o Alexandre em se dirigir à sacristia à procura da campainha. Outro miúdo já a tinha apanhado primeiro. Ao vê-la na mão do outro, dirige-se a ele e bota as mãos à campainha, dizendo-lhe em tom agastado:
– Dá cá a campainha, que o enterro é nosso!
Quem presenciou a cena deve ter lançado uma valente gargalhada, apesar do inoportuno da ocasião e do sagrado do local.
Este Alexandre, com ascendência na Lajeosa por parte do pai e cuja mãe era da Lomba dos Palheiros, haveria de ser mais tarde professor primário, tendo dado aulas na escola de Quadrazais, sendo ele a inaugurar a segunda escola da Santa Eufêmia, ao que julgo, juntamente com a cunhada, a Dona Cristina da Purificação, esposa do Sr. Zézinho, também ela professora, natural de Seixo do Ervedal.
Era a Dona Purificação que tinha a seu cargo o posto do Registo Civil em Quadrazais.
Presenciou imensas aldrabices nas datas de nascimento. Fosse porque os pais não tinham dinheiro para pagar o registo, fosse por esquecimento, ou porque, passado um mês do nascimento, teriam de pagar multa.
Multa! Quem ia pagar multa? Era mais fácil dizer que a criança nascera antes de passados trinta dias.
E assim, a grande maioria dos quadrazenhos, a começar por minha mãe e por mim, foram registados com data de nascimento diferente da real. Eu nasci a 21 de Setembro, mas no registo consta ter nascido a 24 de Setembro. Vá lá que só houve um atraso de três dias! Mas há quadrazenhos com atrasos de meses ou até anos. Minha mãe sempre festejou os anos em 13 de Novembro, mas no Bilhete de Identidade consta que nasceu a 28 de Dezembro.
Vejam agora o caricato da questão quando queriam casar na idade que eles diziam ser de vinte anos e, pelo registo, apenas tinham cinco ou dez. Eram menores com idade inferior à legal nos registos. Não podiam casar!
Menos mal, que havia uma vantagem para os rapazes, em tempo de guerra. Se tinham um atraso no registo de quinze ou vinte anos, quando fossem à inspecção militar teriam trinta e cinco ou quarenta anos físicos, embora só vinte nos registos. Iriam, certamente, ficar livres da tropa.
Terá algum quadrazenho beneficiado desta sorte e não foi à primeira grande guerra? Há atrasos que valem a vida!
Voltando às campainhas. Na Semana Santa, época de luto, em que as imagens dos santos eram tapadas com um pano roxo, não se podiam tocar os sinos para anunciar missas ou outras cerimónias. Para avisar o povo do costumado toque à primeira, à segunda e à terceira, andavam rapazolas a dar volta ao povo com uma matraca, uma barra de madeira onde estavam cravados vários objectos de metal que rodavam e faziam barulho ao bater na madeira.
Era bastante pesada a matraca ou carchanetas. A miudagem mal podia rodar com ela. Os rapazes, nos largos, mostravam a sua habilidade e força, tocando-a, ao mesmo tempo que a iam erguendo para posição vertical e a voltavam a descer.
E lá seguiam os rapazolas acompanhados de uma caterva de canalha, gritando:
– À primeira!
– À segunda!
– À terceira! A entrar!
O povo obedecia e lá ia para a igreja assistir às cerimónias.
A propósito dos Vieiras, um dos irmãos, o Antoninho, tinha uma filha, a Aldinha.
Os Vieiras saíram todos da terra. Só a Aldinha ficou, que ninguém a procurou para a levar de lá. Chegou a namorar um rapaz da aldeia. Ou porque os pais dela não quisessem para genro um plebeu, que depois foi sargento, ou porque o namoro não pegasse, lá ficou a Aldinha para tia.
Terras tinha ela para cultivar, mas uma mulher não habituada às lides do campo não conseguia fazê-las frutificar. Mortos os pais, a Aldinha ficou só. Provavelmente cultivava o quintal, que lhe daria algo para comer.
Acabou na miséria, tendo enlouquecido, como conta Víctor Amaral no jornal Terras da Beira, num artigo intitulado «A Menina Selvagem».
Leave a Reply