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03 Dezembro 2014

A Aguardente

Por José Fernandes
José Fernandes
Do Côa ao Noémi, Pailobo aguardente, alquitarra, bagaço, josé fernandes, s. martinho, terras da raia, vinho Deixar Comentário

Depois da vindima o vinho. Depois do vinho a aguardente – Podiam ser as frases que descrevem temporalmente a sequência de tarefas relacionadas com o vinho, cuja importância no mundo rural sempre foi incontestada.

A alquitarra para fazer aguardente
A alquitarra para fazer aguardente

Depois de passado o verão e o outono ter já deixado de ser um jovem, quando os dias começam a ser frios e chuvosos era altura, nas terras frias da beira, de se fazer a aguardente. A aguardente que nestas zonas se fazia era essencialmente derivada do bagaço resultante do vinho. É por isso uma aguardente vínica.
Mas comecemos pelo princípio:
Depois de, no final de Setembro, se ter concluído a vindima e o processo de obtenção do vinho, ainda sobrava, depois de prensado, o bagaço. Este bagaço era essencialmente constituído pelo suporte dos bagos de uva e também pela casca das próprias uvas. No final do processo de obtenção do vinho, todo este bagaço era fortemente prensado no lagar para que se obtivesse o máximo de vinho.
Era depois disso, guardado de novo na dorna que tinha inicialmente servido para esmagar as uvas com os pés. Esse bagaço, mais ou menos molhado em face do aperto referido anteriormente era calcado no fundo da dorna e por cima dele colocada uma camada de terra igualmente calcada. O objectivo era evitar o contacto com o ar e consequentemente evitar que aquele produto fermentasse e azedasse.
A feitura da aguardente era tarefa para pelo um ou mais dias completos. Era especialmente agradável assistir e acompanhar essa tarefa pois por norma executava-se em dias chuvosos e por norma em espaços cobertos apenas por cima tipo alpendre a que na minha zona chamam o Cabanal (penso que deriva de cabana).
A aguardente á feita por destilação dos vapores do bagaço em ebulição. Por isso era necessário dispor de equipamentos que permitissem concluir essa tarefa. Ai aparecia a Alquitarra. A alquitarra era o conjunto de dois objectos, de cobre, de grandes dimensões e cuja função era permitir a feitura da aguardente. Uma das partes era uma caldeira larga, de boca reduzida e destinada a suportar a ebulição do bagaço com uma certa quantidade de água. Por norma colocava-se esta caldeira sobre uma grelha metálica e só depois se começava a introduzir os elementos necessários para a produção da aguardente.
Começava-se por despejar alguma água, para permitir depois a fervura, com um conjunto de vides verdes no fundo da Caldeira para impedir que o bagaço se pegasse ao fundo. Depois disso, despeja-se o bagaço e com a quantidade adequada (caldeira mais ou menos meia), acende-se o lume por baixo da caldeira.
Passado um bom tempo é evidente que a caldeira ou melhor aquilo que lá está dentro, começará a ferver emitindo a vapor característico dessa operação. Nessa altura, era altura de colocar a cabeça da alquitarra. A cabeça é uma peça bastante sofisticada em termos de design: É como se fosse um alguidar virado para cima com uma saliência arredondado no fundo provocada pela Câmara de destilação que se prolongava até à zona de encaixe na caldeira.
Encaixada a cabeça era altura de despejar sobre ela vários baldes de água por forma a manter a superfície da zona abaulada fria. Na zona de encaixe com a boca da caldeira era usual colocar uma pasta formada com farinha de pão por forma a isolar convenientemente a respectiva ligação e a obrigar a que todo o vapor produzido na caldeira circule pela cabeça, na face inferior, e após a condensação seja transformado em líquido, a Aguardente.
O vapor produzido dentro da caldeira circulava pela parte de dentro do pescoço, em direcção à cabeça da alquitarra que, como tinha água fria da parte de fora, fazia condensar o vapor, transformando-o de novo em líquido. Essa liquido corre depois através do cano da alquitarra a que se acrescentava uma vide verde, afiada numa ponta e rachada na outra, por onde encaixava no tubo.
A primeira «aguardente» é por norma muito fraca, é quase só água. Passado algum tempo começa a ser mais forte e, depois de alguns litros começa a ficar de novo fraca. O segredo está em encontrar o ponto adequado para manter a qualidade pelo maior espaço de tempo. Isso consegue-se com o lume. Lume muito forte, muito vapor, muito liquido, liquido fraco. Por isso, a gestão da fogueira era um dos pontos mais importantes.
Quanto à água que permanece a cobrir a cabeça da alquitarra ela deve manter-se fria para garantir a condensação. Isso consegue-se pela sua substituição por água fria o que é feito retirando da cabeça, pelo tubo existente, uma quantidade de água igual à que se coloca de novo dentro da alquitarra
Quando a condensação começava a verificar-se era usual o verificar-se se o produto tinha qualidade, e que quando falamos de aguardente, era verificar se era forte, isto é se tinha uma graduação alcoólica alta. Essa verificação consistia em recolher num cálice um bocado, prová-la e seguidamente arremessá-la para o lume. Se ardesse bem com um clarão azulado e instantâneo, tipo explosão, então era boa. Se apagasse o lume então não prestava pois era quase só água mas não ardente.
Cada fornada demorava várias horas até estar concluída. Nessa altura e depois de limpa a caldeira, iniciava-se novo processo que era repetido enquanto houvesse bagaço na dorna.
Claro está que nesta altura, estamos no outono, e o trabalho nos campos é pouco, por isso, estes dias eram passados à volta da alquitarra, assando um chouriço, batatas, e quando o número de pessoas o permitia jogava-se às cartas.
A alquitarra é um equipamento que apenas serve para fazer aguardente. Por isso, na aldeia havia no máximo duas ou três, pois é um objecto caro. Então acontecia o que geralmente acontece com grande parte das tarefas comunitárias: O aluguer ou empréstimo era pago em géneros, isto é com uma parte do produto produzido.
Hábitos relacionados com o consumo de vinho e aguardente sempre fizeram parte da sociedade portuguesa, quer das zonas rurais quer das urbanas. O cálice de aguardente bebido no campo, por norma de manhã, não é diferente do bebido em Lisboa ou noutros centros urbanos, ao longo do dia. Veja-se por exemplo como em pleno século XX Fernando Pessoa se dirigia ao café para beber o seu bagacinho, situação que era uma das suas características.

Fernando Pessoa bebendo aguardente
Fernando Pessoa bebendo aguardente

Esta aguardente, feita de bagaço de vinho, tinha um sabor único e era usada muitas vezes por quem trabalhava no campo como “ o mata bicho” que ás vezes algumas pessoas tomavam em jejum. Era assim, embora hoje, só de nos lembrarmos, pelo menos eu, até nos arrepiamos.
Outros tempos,
Outros hábitos,
Outras gentes,
O mesmo POVO.

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«Do Côa ao Noémi»,
opinião de José Fernandes (Pailobo)

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José Fernandes
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