Não desista já! Sei que não tem um grande apreço pela técnica de misturar a imaginação popular contida e traduzida nas lendas locais com explicações históricas. Nem eu, quando a coisa for séria. Mas aqui, pode ter a sua piada e pode até não andar longe de algo que se pode ter passado – mitos aparte, claro. O Casteleiro pode ter sido criado, sim, por um grupo de pessoas que construíram, reconstruíram ou remodelaram o Castelo de Sortelha. Se foi o Alcaide desta lenda ou outra pessoa e membros do seu séquito – isso nunca o saberemos, provavelmente. Por isso, para se divertir enquanto chove lá fora, trago-lhe uma surpresa: duas lendas em paralelo. Melhor: duas versões da mesma lenda.

Como nasceu a povoação a que hoje chamamos Casteleiro?
Hoje trago-lhe, não factos mas versões lendárias diferentes de uma mesma estória da Idade Média. É a mesma lenda mas com duas versões. E numa das versões, está explicada a criação do Casteleiro.
Trata-se da história imaginária de uma jovem cristã e um príncipe mouro que se envolvem num romance amaldiçoado pela mãe da jovem, uma Fada que tudo deitou a perder – fosse por acidente ou fosse com intenção (as duas versões também não coincidem nesse ponto). Tudo pode então ter começado com esse romance.
Há, como digo, duas versões de toda a forma lendária de abordagem deste mesmo conto.
Um deles será o habitual, o outro foi concebido ou pelo menos carreado para nós pelo meu grande amigo Dr. Vítor Pereira Neves – o Vitinho da nossa infância.
Este Veterinário sempre teve grande queda para as escritas. E também se dedicou a histórias da História – versões populares de muitas coisas com fundamento histórico real.
Descobri uma destas noites, nas minhas corridas de busca e investigação, que sobre uma determinada lenda regional há duas versões bastantes diferentes. Uma delas é de Vitor Pereira Neves. Achei piada à diferença entre as duas versões. E confesso que prefiro esta última.
Mas hoje trago-lhe aqui a si as duas versões, de modo sintético. No entanto, remeto o leitor para as fontes onde constam as histórias completas. Talvez goste desta comparação.

Fim infeliz da jovem moura
A forma como a narrativa desta lenda termina é a seguinte:
«… a mãe da jovem, que andava a vigiar o namoro da filha com o guerreiro, apercebeu-se que alguma coisa se passava nessa noite e levantou-se. Confirmou as suas suspeitas. Os amantes estavam junto às muralhas e beijavam-se.
”Malditos! Eu vos amaldiçoo e vos transformo em pedra!”»
A mesma lenda começa, nesta versão, dizendo que esta filha não era fã dos feitiços:
«… certa noite, uma hoste de mouros cercou a fortaleza de Sortelha, para recuperar aquele sítio estratégico. No castelo, encontravam-se o alcaide, que resistia com os seus homens de armas, a mulher do alcaide, que diziam ser feiticeira, bem como uma filha, donzela formosa, que não queria saber nada de feitiços nem de guerra».
Pode ver mais pormenores… (Aqui.).
A filha do Alcaide e o Príncipe mouro
Na versão de Vitor Pereira Neves, a lenda começa de modo relativamente próximo:
«Consta que em tempos que já lá vão, quando havia Fadas e Varinhas de Condão, vivia na Torre do Castelo um Alcaide cuja esposa era muito virtuosa e respeitada pelos seus dotes de magia – era Fada.
O casal tinha uma única filha, que no tempo das guerras com os Mouros, se apaixonou por um Príncipe Mouro que estava chefiando o cerco a Sortelha há muitos meses.
Foi um amor que nasceu e cresceu apenas por olhares, gestos, sinais e mensagens. O seu desejo de se encontrarem fisicamente era enorme mas enorme era também a barreira que os separava – a religião e a guerra».
Pelo meio da história, o autor mistura razões políticas fortes para toda esta trama – o que torna a lenda mais picante ainda, ao dizer sobre a filha do Alcaide de Sortelha o seguinte:
«… a sua Mãe, que, como disse, era Fada, teve um pressentimento que sua filha se tinha levantado e iria fugir com um rapaz considerado inimigo e infiel, quando afinal o sonho do Casal era casarem-na com o valeroso e cristão filho do Alcaide do Sabugal, ali tão próximo, no Reino de Leão, com o qual haveria todo o interesse em estabelecer bons laços de vizinhança, levantou-se com jeitinho da cama para o marido, o Alcaide, não acordar e não originar grande alvoroço e escândalo».
No final da narrativa, Pereira Neves envereda por um caminho muito diferente, apesar de tudo, daquilo que nos traz a primeira versão acima referida – e relaciona esta história com o nascimento de uma povoação chamada Casteleiro. Boa vontade do nosso Amigo!

Beijo Eterno
Leia você mesmo o que escreveu Pereira Neves: «Quando a Fada se assomou no alto da muralha, viu que já se estavam Beijando. Ficou tão chocada que num gesto precipitado, fez accionar a sua varinha de condão e ninguém mais voltou a ver a Filha do Alcaide e o Príncipe. Nesse lugar onde eles estavam ficaram apenas dois penedos beijando-se numa posição a que o povo chama de Beijo Eterno.»
Criação do Casteleiro pelo Alcaide de Sortelha
Nas frases finais: «A Moirama, com o desaparecimento misterioso do seu chefe, retirou-se e o Alcaide de Sortelha, desgostoso e sem descendência renunciou ao cargo e com alguns que o quiseram seguir e deixar a guerra foi amanhar as boas terras de cultivo que possuía no fundo do vale, onde fundou uma povoação chamada Casteleiro.»
Comentário final do autor, com muita piada: «Se a Lenda é verdadeira ou falsa não sei. O que sei é que estando no Corro, se olhar para a encosta do Castelo, lá vê os dois amantes transformados em penedos a beijarem-se eternamente.»
Pode consultar a lenda completa no blog do nosso quase conterrâneo Quim (Joaquim Gouveia)… (Aqui.)
Nota
Como costumo aconselhar, volto a sugerir que consulte todos os dias o «Serra d’Opa», gazeta regional no Facebook… (Aqui.)
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«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes
(Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011)
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