Depois de dois livros que o consagraram – o primeiro como misto de autobiografia e exaltação do Ribacoa e do homem ciscudano – e o segundo mais como crítico das coisas do nosso tempo – Agostinho Pires –, que foi um notável fiscalista, ascendendo pelos seus méritos e porfiada dedicação aos lugares de topo da carreira, deu agora à estampa um novo trabalho, cujo título, «Um grito de revolta», nos dá uma previsão do respectivo conteúdo.
São quase trezentas páginas, reveladoras de uma cultura, mais própria de um doutorado toda a vida debruçado sobre história, filosofia e sociologia do que de técnico de finanças, e também de um espírito não conformado com mediocridades e injustiças. Logo, à guisa de prevenção, pode ler-se, e passamos a transcrever:
A democracia, nascida do 25 de Abril de 1974,bastante cedo se viu defraudada, não só com a desvalorização do escudo (antes uma das moedas mais fortes e credíveis), como também com um sem número de variadas inflações, relevando-se destas, a que invadiu a academia e que deu origem ao aparecimento de numerosos doutorados e licenciados, forjados num sistema de passagem administrativa, sem prestação de exames, e que viria beneficiar escandalosamente os cábulas, os desonestos, os burros, assim enxameando o País de indivíduos com graus académicos de nulo valor.
Decorridos poucos anos, os nossos governantes, não obstante estarem instalados no poder através de eleições livres, cedo deram prova da sua incapacidade, designadamente no mundo das promessas não cumpridas, relevando-se entre estas o desprezo pelo principio da igualdade consignado no artigo treze da Constituição, dando azo para as maiorias governamentais silenciarem e explorarem as minorias, com a partidocracia a sobrepor-se à democracia e, desta forma, fazendo uso do poder alcançado, o crescer das desigualdades sociais, económicas e financeiras, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais necessitados e dependentes financeiramente daqueles. E, assim, se criou campo aberto para o emergir de governantes que, à custa da exploração das classes sociais mais fragilizadas, fazer vingar a prática da corrupção, do clientelismo e do nepotismo, situação esta que, dentro das suas capacidades, o signatário – autor deste pequeno livro – desde há anos vem combatendo através de textos discricionariamente publicados na imprensa, em semanários regionalistas – bastiões, diremos nós, das liberdades individuais.
Citando o jornalista José Gomes Ferreira, com extractos do livro «O Meu Programa de Governo», diz nomeadamente:
Os governantes deviam ser chamados para explicar aos portugueses onde foram gastos todos e cada euro deste brutal desperdício de dinheiro…
E todos os governantes, todo o Conselho de Ministros e os Secretários de Estado que aprovaram medidas de destruição das finanças públicas, através de contratos ruinosos, deviam ser responsabilizados por terem comprometido o País com pesadas responsabilidades na construção de auto estradas inviáveis, estudos caríssimos e obras de preparação do TGV, feitos à pressa e baseados em pressupostos errados…
E sem esquecer as obras faraónicas um pouco por toda a parte e ao sabor da influência dos caciques locais, mancomunados com os grandes industriais da construção civil.
E historiando – estamos em 2014, no ultimo trimestre, e Portugal, em relação a Maio de 2011, data da entrada da Troika, está mais pobre, mais endividado, com mais desempregados, com jovens qualificados a emigrar, e milhares de empresas que fecharam as portas.
Ainda uma referência ao agravar das desigualdades:
Porque é que na situação de crise em que vivemos, os governantes, os políticos e os que vivem à sombra deles são tratados com mais dignidade, de forma superior e melhorada, na defesa dos seus direitos, comparativamente com os funcionários públicos, empregados por conta de outrem no privado, pensionistas e reformados…
Enfim, as quase trezentas páginas do livro cuja leitura fervorosamente aconselhamos são, como o título conclusivamente expressa «Um grito de revolta» ou, diremos nós, o exercício do Direito à Indignação, direito natura, de todos os que sentem injustiçados.
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«Caso da Semana», análise de Manuel Leal Freire
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