O Rei D. Dinis escolheu a Igreja do Mosteiro Cisterciense de Odivelas para sua última morada. Indicou mesmo o local – a meio, entre a capela-mor e o coro. Para que a sua vontade fosse cumprida, fez essa declaração no seu testamento. Assim se cumpriu. Naquele local e naquele Igreja foi depositado o seu corpo quando o cortejo fúnebre chegou, vindo de Santarém. Era um mausoléu majestoso. O primeiro a ter uma estátua jacente. O primeiro a ficar dentro de um lugar sagrado. Estava cercado de grades altas de ferro terminando em escudetes nas pontas dos balaústres com as armas de Portugal, e cruzes da Ordem de Cristo. Um dossel cobria-o em toda a sua dimensão.
O sismo de 1755 precipitou sobre o túmulo do Rei D. Dinis a abóbada da igreja do Mosteiro Cisterciense de Odivelas deixando-o gravemente arruinado.
Reconstruída a Igreja, foi o túmulo encostado à teia do corredor lateral direito e ali esteve até 1938, ano em que se fizeram novamente obras na Igreja. Em consequência dessas obras, foi necessário mudá-lo de lugar e para facilitar o trabalho transportaram primeiro a tampa, pelo que, logo que a levantaram, ficaram à vista os restos mortais do Rei.
Removida a tampa viu-se um manto de brocada vermelho a cobrir o corpo do Rei, da cabeça aos pés. Este manto era tecido com fios de ouro. A todo o cumprimento tinha faixas alternadas, separadas com fios dourados e onde se tinham executado bordados com os seguintes motivos: numa das faixas estavam bordadas pinhas em toda a sua extensão; na faixa seguinte bordaram «açores» e na última viam-se flores de Liz.
Na opinião dos que assistiram a este acontecimento, as pinhas são uma referência ao pinhal de Leiria. Os açores, sendo o Rei um amante da caça de volataria, lembram-nos a aves de caça que muito estimava. Conta-se que até mandou construir uma capela a São Luís em Beja, porque este santo lhe ressuscitou um falcão.
As flores de Liz são uma afirmação da sua ascendência real francesa.
Retirado o manto, ficou à vista o esqueleto do Rei, que estava completo e coberto pela pele ressequida. Tinha vestido um colete de lã branca muito macia, sobre a túnica.
A cabeça repousava numa almofada e estava inclinada como quem dorme sobre o lado esquerdo, posição que o corpo acompanhava ligeiramente. O braço direito dobrado sobre o peito e o esquerdo descaído ao longo do corpo. Apenas os ossos dos pés estavam separados uns dos outros. Nos maxilares a pele estava um pouco separada e apresentava uma longa barba ruiva. Na cabeça a pele não se apresentava solta do crânio e tinha tufos de cabelos ruivos. O Rei tinha 64 anos quando faleceu, o que para a época era uma idade avançada. Apesar da idade, conservava todos os dentes.
Perante os restos mortais do Rei, os pintores dos seus retratos não se podiam ter enganado mais. Foi uma surpresa a verificação que era ruivo, o que se deve ao facto de ter antecedentes germânicos.
Afirma-se que soldados franceses terão tentado profanar o túmulo pensando que o Rei teria sido sepultado com esporas de ouro. De facto alguém partiu o túmulo no sítio dos pés , e terão introduzido um objecto que puxasse as esporas. Não garanto que tivesse sido assim, mas o facto de os ossos dos pés estarem espalhados pode ter essa explicação.
Não há sinais de ter sido aberto o túmulo antes de 1938, nem notícia de ter sido aberto depois.
Posteriormente foi levado para o segundo absidíolo esquerdo, por decisão dos técnicos das obras, decisão que não foi aprovada pelo presidente do Conselho, que ordenou a sua remoção para dentro da Igreja, por saber que essa era a vontade do Monarca. Foi então colocado onde hoje se encontra – na capela do lado do Evangelho.
Para que conste que o Rei D. Dinis está sepultado no seu túmulo, depositado na Igreja do Mosteiro Cisterciense feminino de São Dinis e São Bernardo em Odivelas, o que tenho vindo a afirmar continuadamente desde 1980.
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«Por Terras de D. Dinis», crónica de Maria Máxima Vaz
Parabéns pelo belissimo artigo,e é sempre bom saber coisas interessantes da nossa história,por vezes tão espoliada de verdade e povoada de lendas.Adoro saber da História de Portugal.D.Diniz é uma dessa figuras que merecem ser estudadas.Parabém Drª Maria Máxima Vaz
Nas minhas memórias de criança, vejo o túmulo ao ser colocado no local em que está, ser colocado no adro. Enquanto lá esteve consta-se que foi aberto. E que o rei era alto e que tinha cabelo ruivo. Eu era muito pequena e estive ao lado do túmulo, curiosa e ao mesmo tempo temerosa de ver um morto. Não me lembro de mais nada, mas é isto que tenho na memória. O ano em que isso aconteceu, é provável que fosse por volta do ano de 1949. Fazendo a diferença da minha actual idade.
Magnífico. Foi possível graças ao seu trabalho “reviver” uma figura tão importante como D. Diniz. E quanto à capilosidade ruiva, parece ser uma constante – foi também o caso de D. Pedro I e de D. Fernando. Muito, muito interessante., Obrigado.
Obrigada Maria Filomena. Tenho estudado muito o Mosteiro e o Rei D. Dinis, mas continua a ser preciso mais. Sinto-me honrada com as suas palavras. Espero que assim aprecie o livro que será publicado pela AAAIO este ano e no qual sou autora de um capítulo sobre o edifício onde esteve o IO.
Estou admiradíssima com o estudo profundo que a Dra Maria Máxima Vaz realizou! O que aprendi! Muito e muito obrigada! Fui estudante no I.O.e adoro História. Mais ainda adoro quem estuda de forma cabal, estas matérias ligadas ao Mosteiro! Sinto-me sensibilizada. Obrigada!
Boa noite, Ana Lima, é investigação feita por mim. Ainda bem que gostou. Já foi há algum tempo, mas presentemente renovou-se o interesse. Hoje pediram-me autorização para o publicarem numa revista.
Esta crónica foi escrita para este site e não foi publicada, apenas partilhada livremente. Brevemente será lançado um livro “Por Terras do Rei D. Dinis”, de que sou autora e editado pela Chiado, no qual dou mais pormenores sobre este nosso Rei. Darei notícias sobre isso quando do lançamento.
Cara Dra, pode esclarecer me sobre quem foi o investigador desta história?
Desde já felicito o excelente trabalho de comunicação.
Cumps
Interessante e revelador da filiação inequívoca de D. Dinis à crença templária: as “Pinhas”, os “Açores” e as “Flores de Lis” são provas gritantes disso mesmo.
Podemos saber qual a editora onde está publicada esta Crónica?
Excelente artigo e testemunho histórico-documental sobre D. Dinis, um dos mais importantes, doutos e sábios reis de Portugal. Felicito aqui a Dra Maria Máxima Vaz pela partilha de tão dedicado trabalho. Bem haja!
Muito obrigada pelos seus esclarecimentos. A pergunta agora é :” Mosteiro de Odivelas, qual o futuro?” Foi todo um processo muito triste!
Grata pelas suas palavras, Eduardo Amarante. Pelos vistos temos a mesma opinião deste grande Rei.
Excelente informação em artigo rico que desejo o mais frutuoso na campanha odivelense a favor da recuperação e integração histórica do espaço conventual Bernardino, artigo precioso também porque desfaz pré-concepções essas sim “mitológicas” mas de origem político-partidária de qualquer que seja a ganância mandante no momento. É a velha mania sempre presente da política querer se assoberbar da cultura, que provei na pele ser assim desde os tempos de intervenção e campanha histórica e arqueológica na autarquia lourense (então incluindo Odivelas) nos anos 90. Hoje já não tenho paciência para isso, deixo para os novos… Estimada amiga de largos anos, Dr.ª Maria Máxima Vaz, uma vez mais está de parabéns em este seu precioso trabalho, enriquecendo mais ainda a sua vasta colheita publicada interventiva na História local. Um abraço deste seu Amigo de sempre, Vitor Manuel Adrião (sem Dr. que não faz parte do nome próprio, é só título, que muitos(as) com o mesmo, é forçoso reconhecer, deixam-se assoberbar por ele e parasitam subjugados ao poder mandante, invés da assumirem a humildade característica de todo(a) o(a) investigador(a) sincero(a) e dedicado(a), como incontestavelmente é o seu caso).
Caro amigo Vítor, muito grata pelas suas palavras amigas, mas devo dizer que o Vítor que tem uma mais vasta obra que eu, merece os meus sinceros parabéns e admiração Só hoje li o seu comentário, por ter havido mais uma partilha deste texto. Ainda bem pois foi a forma de tomar conhecimento dele. Pois, está arreigada a ideia que o túmulo foi vandalizado pelos franceses e isso é mesmo um mito. Continuarei a desfazer esse equívoco, embora pouco certa de o conseguir. Este é um pequeno contributo para isso.
Espero que tenha sempre o reconhecimento do seu mérito e capacidade de trabalho para ter condições de nos dar a alegria de ver ainda mais obras suas publicadas. Um abraço com amizade,
Maria Máxima
Obrigada querida amiga e Drª Maria Máxima.
Bem-haja, Dr.ª Maria Máxima,por mais um belo texto sobre o Rei que assinou o Tratado de Alcanices. Um Rei que,para além de Bem Governar, gostava de caça e de mulheres bonitas.Um Rei alto para a época e que morreu aos 64.
Veio-me à memória o ditado que todos conhecemos.conhecemos. El Rei D.Dinis fez tudo quanto quis.
Um abraço
Alberto Luís
Muito interessante. Sempre me questionei acerca destes factos.
Beijinho, F.Persson
Parabéns, caríssima colega e amiga Doutora Máxima Vaz, por mais este valioso contributo para a historiografia dionisina. Sabemos muito mais sobre os restos mortais de D. Dinis do que sobre os de D. Afonso Henriques, cujo túmulo, como sabe, esteve para ser aberto e estudado aqui há tempos, mas cuja abertura foi proibida à última hora.
Cumpr.
Adérito Tavares
Caro colega, conterrâneo e amigo Adérito, temos estes conhecimentos porque uma pessoa com saber e responsável soube transmitir-nos o que viu. Era então Director do Instituto de Odivelas um grande Militar e Pedagogo, Coronel Ferreira Simas. Assistiu à abertura e ordenou a uma professora de desenho que reproduzisse os bordados do manto. Mais tarde teve conhecimento de um artigo que fazia uma descrição cheia de atropelos. Então ele fez um relatório dos factos, com a descrição do que viu. Merece todo o crédito a sua descrição e foi aí que obtive as informações que aqui vos deixei com enorme satisfação.
Um abraço,
Maria Máxima
Por lapso, não informei que nessa ocasião se ficou também a saber que o Rei tinha 1,65m de altura.