O Casteleiro sente-se bem na nossa comunidade concelhia, não se alarmem. Há dias, o nosso amigo Ramiro Matos, na segunda peça da sua série agora iniciada sobre a identidade regional, deixou-me a pensar. Julgava que ia esquecer a coisa antes de cair nesta tentação de escrever mais profundamente sobre a questão. Mas não esqueci. A «coisa» anda cá dentro – meio como tentação, meio como necessidade… Por isso, não quero resistir: vou mesmo aprofundar um pouco.
Para que a minha terra se sinta mesmo bem nesta comunidade, tem de ser considerada como tal e beneficiar dessa integração – não será assim com todas as terras?
Do ontem de há milénios de luta ao hoje de paz generalizada e de identidades assumidas.
Das modernas formas de organização social, talvez o Poder Local e as instituições sociais sejam grandes motores da construção do tal sentimento de identidade concelhia ou mesmo regional que possa haver em cada terra. De tudo isso vou falar hoje.
Alguns leitores vão adorar. Alguns vão mais uma vez acusar-me de divisionismo e tal. Mas sei muito bem que para a maioria isto que estou a escrever é uma «chatice» e que mais vale falar dos cheiros e sons da aldeia.
Mas tem de ser: não quero fugir à tentação. E ao leitor resta sempre a mais simples das opções na «net»: não leia, não abra, não se preocupe. Por mim, fico sempre bem, qualquer que seja a sua opção… Acredite, mesmo.
Não pretendo dar aqui início a uma daquelas polémicas graúdas da história da nossa Literatura – nem nós temos essa dimensão e nem sequer essa intenção: quero apenas dizer de minha justiça no fórum de discussão colectiva que o «Capeia» também pode ser. E com uma garantia: é um fórum livre. Depois de eu escrever, cada um pensa o que quer, escreve o que quer, fica na sua ou «adopta-me» – nem que seja só por alguns milímetros…
Sem histerias
Primeira questão à qual não quero fugir: somos um só povo?
Há aquela identidade regional de que fala com entusiasmo o eng.º Ramiro Matos?
Ramiro Matos até fala mais de identidade concelhia do que regional.
E, se pudermos acordar nisso: essa identidade é profunda, antiga, vem do fundo dos tempos?
Ou é uma aquisição racional, consciente, histórico-literária e até quase resultado de acordos tácitos bem mãos recentes do que se pensa?
Analisar isto tudo sem histeria seria o ideal. Não para concluirmos que devia haver outra vez vários concelhos como já houve antes.
Não para avançarmos com qualquer petição para alterar seja lá o que for. Não. Nada disso.
Apenas para sabermos bem (o melhor possível) quem somos e de onde vimos. Gostei de ler especialmente esta frase que Ramiro Matos escreveu:
«Conheço-te bem para saber do teu amor ao Concelho do Sabugal e, particularmente à parte deste território a que o Casteleiro pertence.»
Sinto-me celta
Um dia escrevi que o Casteleiro é filho e herdeiro de ocelenses – um povo que era uma grande mistura… (Aqui.)
Sabe que mistura era essa? Repare: na Lusitânia habitavam muitos povos, entre os quais os próprios lusitanos, os calaicos e muitos outros: túrdulos, turdetanos, descendentes de celtas, vetões, ástures etc.
Peguei no mapa dos povos e (sem qualquer preocupação de rigor artístico) procurei desenhar o nosso País actual, a vermelho. E desenhei lá em cima um círculo redondo: para mim (como leio em muitos autores) foi por ali, pelo Norte de Portugal que se acomodaram os celtas. E, ao lado, claro, os vetões. É por aí que me sinto: entre o celta e o vetão.
Mas estas coisas não vão lá por sentimentos.
O que vai ler a seguir é o meu contributo para a questão das identidades regionais ou mesmo concelhias de que fala Ramiro Matos.
O grupo social existe ou faz-se?
Como se deveria definir a identidade entre povos? Como nasce a nossa maneira de ser? Que papel têm nisso tudo as questões linguísticas, da filosofia popular, da chamada idiossincrasia colectiva ou mesmo os rituais religiosos e outras práticas ancestrais?
É por aí que quero seguir para pensar na minha gente do Casteleiro e poder compará-la com as outras gentes de outras terras: seja a Norte, seja a Sul.
Eu penso assim:
Quando, há mil ou dois mil anos (claro que foram milhões de anos, mas deixem-me simplificar) as pessoas que foram meus familiares se sentiram escorraçados e por quem, se sentiram apoiados e por quem, quando lutaram ou desperdiçaram o seu sangue e as suas ilusões e com quem e em função de que objectivos e se os conseguiram ou não – foi aí que começaram os comportamentos do meu grupo social, mais tarde repetidos em circunstâncias seguramente diferentes mas com o mesmo resultado: cada vez mais se acentuavam as características desse grupo social de onde provenho. Quando há trezentos anos ou anteontem, pessoas do que considero ser o meu grupo foram encostadas às paredes todas e por quem e depois me ensinaram no dia-a-dia de onde me viriam os apoios e as oposições – foi nesse percurso todo que se sedimentou a minha maneira de ser, de ver, de falar, de opinar e de me integrar ou de rejeitar essa integração.
A coisa é muito complexa, sinto que não consigo descrever nem um décimo do que estou a pensar no silêncio desta noite de terça para quarta – mas sei que o caminho foi este, e sei que a repetição de comportamentos, de atitudes e de reacções é que define uma maneira de ser.
E sei que quando juntamos as atitudes e os sentimentos de muita gente que vive próxima é que se forma então a tal idiossincrasia.
Primeiro na mesma casa, depois na mesma rua, na mesma aldeia, zona, concelho, região.
Levou séculos, mais ainda vai levar daqui para a frente – e isso tudo junto poderá vir a constituir, se é que não constitui já, isso sim, uma identidade regional ou apenas concelhia que seja.
Mas tudo se formou lá bem atrás, tudo se cimentou em milénios e desemboca no dia-a-dia de hoje em dia.
Identidade, sim
Não é fácil haver identidade de uma casa para a outra. Ou seja: um sentimento de pertença a algo comum. Quanto mais de uma rua para a outra. Ou, pior, de uma aldeia para a outra… Isso é um facto, na mais pura das acepções da palavra identidade: sentir-me igual, ou parecido que seja com o vizinho do lado. Mas temos de acrescentar aqui algo fundamental: a aquisição cultural. O ser humano, ao logo dos milénios, foi percebendo que, tão importante como combater os inimigos foi sempre juntar-se aos que o não eram, mesmo que ainda não fossem ou nunca chegassem sequer a ser amigos. É essa uma das vertentes da lei da sobrevivência. Pura e dura.
E aí, nesse geral movimento de aproximação ao que, não sendo igual, é menos diferente do que o inimigo identificado, aí, nesse contexto e nessa caminhada, fabricam-se, constroem-se e aceitam-se outras dimensões do relacionamento humano.
Tudo isso para poder escrever descansado esta síntese:
– Sim, haverá uma identidade regional. Mas ela é mais o fruto da aceitação de factos consumados do que o produto firme de uma caminhada que se quis e foi comum, coesa e «amigável». Pelo contrário: os termos antigos e seus habitantes, acorrentados a duras relações com os poderes (laicos ou religiosos), defenderam-se aceitando unidades com o menos mau, contra o pior. Ou seja: o Casteleiro que passou séculos virado para baixo, para as planícies da Beira Baixa, acasalou ou foi acasalado (passe a expressão desbragada) com as terras mais frias a Norte e a Ocidente, chegando-se mais para o lado da fronteira – de onde sempre tinha fugido a sete pés.
Esta forma de dizer bruta que usei só a usei para terminar assim:
– Onde me tratarem bem é que eu me sinto bem. E se o meu sentimento de pertença não for tão forte como eu mesmo desejaria, só me resta aperfeiçoar esse sentimento de pertença, de inclusão.
O grupo social não nasce feito: constrói-se.
É isso que eu penso e que me leva a defender a identidade regional (a que existe e a que deve ser desenvolvida e aprofundada), desde que daí posam vir benefícios para a comunidade de proximidade que considero ser a minha mais arreigada e mais íntima. Tudo o resto são artifícios. Que não resistem ao correr da História, acho eu.
Tanto que fica por dizer… Mas tenho de fechar aqui hoje.
Nota
«Serra d’ Opa», gazeta regional: as notícias da zona no «Facebook»… (Aqui.)
A Dra, Máxima, sobre esta posição de Carlos Cobrado escreveu no «Facebook» que também ela sente a dificuldade na re-inserção.
Não acho.
Acho que algumas pessoas afrontaram de forma inesperada e inesperadamente mal educada o valor da historiadora. Mas acho que todos percebemos que se trata de rressabiamentos derivados de preconceito político e não só: aquela atitude lamentável também significa inveja ou medo da notoriedade.
Carlos, a si digo-lhe: se calhar há então mais sintonia regional entre o Casteleiro e Vale de Espinho do que entre o Carlos e Vale de Espinho…
O que seria estranho, no mínimo.
Não acho estranho que isso aconteça, caro José C. Mendes.
A sintonia regional entre Casteleiro e Vale de Espinho, foi construída ao longo dos tempos, tendo para tal contribuído vários factores, mais dependentes duma evolução natural que da intervenção humana e assim solidificou-se.
No meu caso estou muito dependente da intervenção humana – eu e a comunidade – e como tal isso complica tudo….Os meus “genes” arraianos continuam muito vivos em mim e por isso custa-me viver esta situação, mas quando não me sinto bem prefiro esquecer…
“Onde me tratarem bem é que eu me sinto bem.” – Principio básico para aquele que se sente Cidadão do Mundo.
“E se o meu sentimento de pertença não for tão forte como eu mesmo desejaria, só me resta aperfeiçoar esse sentimento de pertença, de inclusão”. – Pode estar de certa forma ligado ao local de nascimento -os “naturais de…” mas depende sobretudo do modo como a comunidade nos trata…
“O grupo social não nasce feito: constrói-se.” – Dependente de todos : entidades locais; naturais residentes ou não e da capacidade de adaptação de cada um.
Sou natural do concelho – Vale de Espinho – e naturalmente poderia identificar-me como integrante dessa comunidade. No entanto, após mais de 56 anos de vivência como “Cidadão do Mundo” onde a inclusão foi sempre fácil, contrariamente às minhas várias tentativas de reinclusão na Comunidade Natal, que por diversas razões têm falhado, cada vez mais me sinto Cidadão do Mundo.
Como ligação a esses locais restam as minhas recordações de infância…
Caro Zé Carlos
Como se vê por este teu texto, estamos muito mais de acordo que em desacordo.
E, como bem dizes, não somos suficientemente bons para nos metermos em polémicas graúdas, embora lamente que muitos dos que se dizem “donos” da verdade, fujam de expressar a sua opinião como “diabo da cruz”.
Não tenho dúvidas que a identidade sabugalense só se entende num contexto mais alargado da identidade da Beira Interior e, mesmo, do lado da raia espanhola.
Também não tenho dúvidas que a identidade é fruto de uma história comum de séculos, e, se alguma coisa tem de inato, tem muito mais a ver com as práticas sociais comuns que se foram registando e aprofundando.
E também não tenho dúvidas que o Concelho não se afirmará a nível regional se não demonstrar ser diferente e ter identidade própria. E por isso este conjunto de escritos que decidi publicar.
Tudo isto é verdade, e por isso, e aqui a nossa relativa discordância, nada disto invalida que continue a considerar que um casteleirense tem mais a ver comigo, sabugalense, que com um habitante de Belmonte.
Continuaremos de certeza a falar deste assunto, mas como já o afirmei, mantenho a afirmação do teu amor e dedicação ao concelho do Sabugal e ao casteleiro.
Um abraço
Ramiro
R., agora já lá estamos a chegar: concordo maximamente quando escreves que não tens «dúvidas que o Concelho não se afirmará a nível regional se não demonstrar ser diferente e ter identidade própria».
É por aí, em meu entender, também…
Um abraço.
Não há diferenças nenhumas… ´Basta dizer que o “moustache” já actuou no Casteleiro, assim como já actuou na Nave, Vila do Touro, Malcata ou Forcalhos. E até vai actuar no Sabugal, qualquer dia… E lá estará o concelho em peso. Talvez falte só eu. Afinal, qual a diferença? Todos gostam do mesmo.
Sim: há zonas complexas de semelhanças, às vezes por razões culturais, às vezes por outras… e o caso citado situa-se na primeira área: muito complicado. Mas o meu ponto não vai por aí. Se não, tinha de admitir a mesma identidade quase do Minho ao Algarve… Mas as diferenças existem. Só que elas não esbatem os objectivos que forem comuns nem a força da vontade de estar em sintonia quando da sintonia resulta mais benefício regional.
Não devo ter conseguido ser claro. Mas pelo menos tentei!