«A ponte é uma passagem, para a outra margem» é uma evidência que descreve qualquer ponte, quaisquer poldras ou chancas. Também por isso se aplica à Ponte de Sequeiros. Ponte que terá tido uma «portagem».
Desde tempos imemoriais que o homem se confronta com as forças da natureza. A preocupação humana é permanentemente orientada para a sobrevivência da espécie e sua protecção. Aprendeu a caçar para garantir a sua alimentação; Foi assim que o homem construiu abrigos primeiro e depois casas para se proteger do frio, tempestades e também de investidas de animais selvagens.
Quando teve necessidade de se deslocar, construiu caminhos. Quando teve necessidade de se deslocar para além dos rios, construiu travessias das mais diversas formas, desde poldras, pontões, e pontes. No fundo, com essas novas competências que entretanto adquiriu alargou o seu raio de acção mesmo quando as forças da natureza limitavam os seus movimentos. Isso aconteceu em todos os territórios e também nas terras de Ribacôa.
Foi assim que se construiriam poldras, pontões e pontes. Estas obras mais ou menos imponentes, mais ou menos rústicas, permitiram e permitem que as pessoas se desloquem livremente mesmo quando a corrente dos rios tem uma dimensão ou volumetria que sem a ponte ou poldras seria impossível de atravessar.
Sobre a Ponte de Sequeiros, muito já se disse, e muito se escreveu. A ponte foi certamente um local muito importante na circulação de pessoas e bens na região, desde os tempos em que terá sido edificada. A sua importância é de tal modo notória que, o seu tabuleiro é nem mais nem menos do que o limite de 4 freguesias: Cerdeira do Côa, Seixo do Côa, Badamalos, e Vale Longo do Côa, todas do concelho do Sabugal.
Não deixo desde já de fazer uma referência à pequena dimensão da confluência do Côa com o território da Cerdeira. Até parece que foi desenhado assim o limite para confinar com a Ponte. Logo ao lado temos o território da Miuzela que assim não confina com a ponte.
Também sobre estes limites entre estas 4 freguesias muito já se escreveu e provavelmente em certas alturas com os ânimos bastante exaltados, principalmente entre as duas que se situam na margem direita do Côa: Badamalos e Vale Longo.
Para quem está suficientemente fora dessas discussões se é que o pode estar, elas não fazem qualquer sentido. Mas mesmo não entrando nelas, acabamos por nos envolver e, diga-se em abono da verdade, que por vezes da discussão nasce a luz.
Não me parece ser aqui o caso. Primeiro por que me parece extremamente redutor que alguém possa ser o proprietário de um rio só por que o risco no mapa foi feito mais por aqui ou por ali. Por outro lado, um rio é sempre qualquer coisa de extraordinário e um elemento de ligação entre duas margens e não um elemento com uma só margem. Por isso, vamos proteger os nossos rios porque são nossos e não discutir qual das partes é minha ou tua. De caminho façamos o mesmo aos elementos que nos permitem atravessá-los com segurança, neste caso a Ponte de Sequeiros.
Na nossa zona, o poeta Manuel Leal Freire, à semelhança do que tem feito para outros monumentos e localidades dedicou a esta ponte um soneto que pode ser lido (aqui).
O facto de os limites das 4 freguesias se juntarem precisamente na ponte quer na minha opinião significar que todas elas fizeram força para que isso acontecesse. Ter acesso directo à ponte era, antes de mais uma garantia de a poder utilizar.
Por outro lado, a definição dos limites das freguesias tal como hoje se encontram é naturalmente posterior à construção da ponte e deve ter sido discutido afincadamente nessa altura. Se admitirmos, como é geralmente aceite que a actual ponte foi edificada no século XIII, nessa altura as terras situadas na margem direita do Côa pertenciam ao reino de Leão e as da margem esquerda ao reino de Portugal parece mais que evidente que nessa altura não existiam ainda as actuais freguesias e por isso as eventuais polémicas sobre o local exacto da linha limite só aconteceram em data muito posterior.
Por outro lado e como pode verificar-se ainda hoje, as duas freguesias que mais afincadamente reivindicam o território da ponte, resolveram incluir a ponte como elemento do seu brasão de armas com a vista que cada uma delas tem, relativamente ao posto de controle da ponte: Num caso fica à esquerda e no outro à direita.
A construção da ponte deve ter sido assumida na sua maior parte pelo reino de Leão e teria subjacente a cobrança de tributos alfandegários. Se assim não fosse, por que razão o posto de controle da ponte se localizava na zona Leonesa? Por que razão não foi feito nenhum do lado de Portugal? Estas parecem-me ser razões mais do que suficientes para podermos concluir naquele sentido. A ponte seria nessa altura um bom local para conduzir incursões sobre o território vizinho.
Seja como for a Ponte de Sequeiros cujos pilares assentam em afloramentos graníticos naturais é um imponente monumento que ao longo dos séculos tem resistido às águas do Côa que, mesmo em anos de grandes cheias, não tem provocado nela quaisquer danos significativos. Consta inclusivamente que, durante as cheias do principio do século passado apenas duas pontes terão resistido no côa (a do Sabugal e a de Sequeiros) . Um exemplo de uma ponte que foi destruída nas cheias e infelizmente não foi reconstruída, foi mostrado (aqui).
A importância de qualquer ponte mede-se, na minha modesta opinião pelo contributo que dá para a aproximação dos povos de ambas as margens do rio.
O contributo para facilitar a circulação de pessoas e bens principalmente em alturas de grandes temporais é outra vertente, neste caso económica, que as pontes têm.
Por tudo isto, não me admiro nada que o estabelecimento dos limites das quatro freguesias tenha tido pressões no sentido de as mesmas poderem confinar com a ponte. Todos sabiam certamente a importância que a ponte tinha tido durante o período medieval, anterior ao tratado de Alcanizes. A ponte, se já existia, era a fronteira. Era o único local, para além do Sabugal onde existia outra ponte sobre o rio Coa, onde, durante o inverno e primavera se podia atravessar o rio com segurança. As restantes travessias, embora igualmente importantes, eram mais modestas, as poldras e pontões eram galgadas pelas águas quando chovia em quantidades maiores do que era usual. Mas estas, por norma apenas permitiam a travessia de pessoas.
A ponte se Sequeiros é na verdade um monumento imponente, construído numa época em que tudo ou quase tudo se fazia à custa de trabalho braçal e por isso, ela é o resultado do suor de muitos espanhóis ou portugueses ou ambos que assim nos legaram algo de que, mesmo hoje, só nos podemos orgulhar.
A ponte é imóvel classificado como imóvel de interesse público por decreto de 1951 (aqui) e por isso, supostamente protegido. No entanto, e como vem sendo hábito, se não formos nós, ninguém protege e nossa história nem preserva a nossa memória.
A ponte e o ambiente da sua envolvente merecem ser admirados, usufruídos e protegidos parecendo-me que as quezílias sobre a propriedade do território onde a ponte se ergue, devem ser substituídas por atitudes colaborativas entre todos por forma a fornecermos a quem a ponte visitar o máximo de motivos para que volte. Que ninguém que passe no Sabugal ou em Almeida ou na estrada que liga ambas as localidades, deixe de visitar este monumento.
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«Do Côa ao Noémi», opinião de José Fernandes (Pailobo)
Boa tarde, sr. josé fernandes, muito obrigado pela partilha do seu conhecimento.
Enviei-lhe 1 email com questão sobre um outro seu artigo sobre a ponte caída_derrubada nas cheias (que não foi reconstruída) que permanece com 3 arcos ainda, referida neste artigo. Acaso pode SFFavor responder ao meu email, sobre a sua fonte documental?
Obrigado.
MCpts,
jaime eusébio
jaimeusebio.arq@gmail.com
D. Adeline e J. Alexandre:
Obrigado a ambos pelas sábias palavras de cada um. Como digo no texto, o mais importante não são o limites,mas a ponte e aquilo que ela representa de união entre margens.
De qualquer modo obrigado pela achega.
JFernandes
Parabéns pelo artigo, no entanto, quero só fazer um reparo: a carta militar de Portugal, faz justamente na Ponte Sequeiros a separação dos concelhos de Almeida e do Sabugal e, como tal das freguesias da Cerdeira e da Miuzela (e não do Seixo com a Cerdeira). O limite entre as freguesias do Seixo e da Cerdeira é na Ribeira do Vale do Homem (onde eu tenho terrenos), um pouco mais a montante da dita ponte. Desde a confluência desta ribeira com o Côa o limite destas duas freguesias vai ao cemitério de Peroficoz, separando-o da quinta da Redondinha (note-se que o Peroficoz pertence ao Seixo e a Redondinha à Cerdeira). Deduzo que os caminhos são mais antigos do que a ponte e como tal, a antiga travessia do Côa deveria fazer-se por barca no Inverno e a vau no verão, justamente nesse ponto onde a ribeira de Vale do Homem se mete no Côa, pois o rio não tem tanta corrente e para aí convergem os caminhos que vêm da Miuzela, do Peroficoz, do Seixo e da Cerdeira (isto da margem esquerda). Da margem direita há um caminho antigo que vinha de Valongo e outro que vinha da encosta (possivelmente o que iria para os lados do Carvalhal e de Vilar Maior). J. Alexandre.
Obrigada por toda esta informação, rica e elucidativa, que deveria servir para a elaboração de uma pequena brochura turística, no próprio local, à disposição das pessoas que por là passeiam.
Melhores cumprimentos,
Adeline