Somos a soma das nossas decisões e a nossa vida distende-se por uma sequência de dias vazios que preencheremos com as escolhas que fizermos. Optando, seleccionaremos objectivos e descartaremos outros tecendo, assim, a complexa teia da nossa existência.
O auto conhecimento é muito importante. Esse saber sobre nós próprios, capacita-nos para um reparo mais atento no que nos rodeia. Permite-nos ouvir de forma mais atenta e rejeitar mais assertivamente uma cultura de preconceitos. Em suma, ajuda-nos a lidar com os outros. Diria que o auto conhecimento se apura num estágio em tribos diversas.
Ninguém é o mesmo para sempre. Podem e devem reavaliar-se decisões e, sempre que necessário, mudar de caminho. Mas que as mudanças de rota venham a acrescentar e não a anular o percurso anteriormente percorrido. A estrada é longa e o tempo é curto. Não se deixe de fazer nada que se deseje, mas tenha-se a responsabilidade e a maturidade suficientes para arcar com as consequências.
Encaro frontalmente todas as etapas da minha vida. As condições concretas que experimentei puseram-me frequentemente surpreendido. Foi por isso que comecei a prevenir-me e a experimentar a vida depois de bem a observar pelo microscópio que ela própria me ofereceu. As lentes poderosas da experiência trouxeram-me alguma lucidez e alguma clarividência.
Gastei dois terços da vida vivida na administração pública. Convivi com gente diversa. Posso, peremptoriamente, afirmar que sempre estive (de coração) do lado do povo. Mas a máquina administrativa sempre foi tão mal guiada que se fez cega, estúpida e capaz de se esmagar a si própria depois de ter atropelado os cidadãos. Nessa sucessão de acidentes, queixam-se da máquina tanto os engenheiros que a idealizaram e lhe definiram o exercício, como os operadores que a ajudaram a desgovernar-se. Tudo isto se torna tão esquisito quanto esquisita é a demagogia que sobre este tema sobrevoa.
Assim, se foi construindo, perante mim, um longo túnel sem qualquer expectativa de luz. E foi, sobretudo, essa ausência de claridade que me fatigou. Cansou-me e magoou-me essa escuridão que, dia após dia, se fez eterna. Apenas uma pequena réstia de sorte: o cansaço ainda não constitui crime.
Impôs-se-me, então, nova decisão. A minha opção deveria procurar muito mais a abertura que a resignação. Chegara a hora de acrescentar a teia da minha vida. Abandonaria sem saudades e sem remorsos o cinzentismo administrativo.
Satisfaz-me a ideia de poder continuar a sentir-me útil. Disponibilizo, agora, as minhas modestas capacidades e energias em prol da sociedade em áreas sociais que considero determinantes, sobretudo, no tempo desigual que vivemos. E pretendo, naturalmente, saborear muito mais calmamente momentos de leitura e de escrita bem como todos os outros bons momentos que a vida ainda tiver para me oferecer.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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