De tempos a tempos, e por norma em datas mais ou menos fixas as aldeias faziam uma pausa nos trabalhos para realizarem a sua(s) festas anuais. Muitas realizavam-se em dias fixos mas outras havia que eram deslocadas para o domingo seguinte à data a celebrar.
Não há terra nem lugar que não tenha as suas festas ou encontros comunitários onde por norma todas ou grande parte das pessoas participam. A forma como decorriam os dias da realização das festas era semelhante em praticamente todas as aldeias da nossa zona. Todas as festas tinham momentos de natureza religiosa e profana e que, no contexto em que ocorriam apenas deveriam chamar-se comunitários.
Uma das características destas festas tradicionais é serem o resultado da intervenção de todos e maior ou menor de cada um. Uma dia de festa numa aldeia é um dia em que não se trabalha a não ser nas tarefas essenciais da própria festa e também as relacionadas com a alimentação dos animais, que regra geral não participam na festa.
A realização de festas numa aldeia conduzia também à participação das gentes das terras vizinhas na festa. A razão principal tinha a ver com o facto de as gentes de determinada aldeia terem quase sempre familiares nas outras contíguas. Ou eram os pais, ou filhos, as pais da mulher, os pais do marido, os irmãos, os primos, etc.
Não podemos esquecer-nos que nas décadas de 50, 60 e até 70 o mundo de cada português, e principalmente dos residentes nas zonas rurais, tinha como limite as aldeias mais próximas daquela em que moravam ou, em casos excepcionais, a sede do concelho ou no máximo do distrito.
As festas tradicionais podiam ser de dois tipos – religioso ou profano, conforme a predominância das actividades que desenvolviam. Porém, estes dois tipos estavam de tal forma ligados e desenvolviam-se no mesmo local, com as mesmas pessoas, que ninguém separava cada um deles. Tratava-se pura e simplesmente do «Dia da Festa».
Em Pailobo, havia duas festas: a do Santo Antão era anual e celebrava-se no primeiro domingo que se seguia ao dia 17 de Janeiro, quando esse dia não calhava ao sábado ou ao domingo. A do senhor do Calvário que era no verão e era plurianual variando conforme as disponibilidades financeiras para a sua organização.
Um dia de festa na aldeia é uma sequência de actividades, de rituais, de costumes, bem definidas e temporalmente limitadas: a alvorada, a chegada da banda de música, a missa, a procissão, a quermesse, o baile, etc.
O dia da festa começava com a chamada «alvorada», talvez por ocorrer no inicio do dia, isto é na alvorada do dia. A alvorada era constituída pelo lançamento de uma quantidade variável de fogo de artifício que, segundo penso, se destinava a alertar e lembrar às aldeias mais próximas que naquele dia iria existir uma festa naquele local.
No caso do Santo Antão era comum na altura da alvorada ouvir ao longe os ecos de outra alvorada, pois existem outros locais em que tal festa é celebrada no mesmo dia. A alvorada demorava mais ou menos tempo conforme o dinheiro que havia disponível para a festa e consequentemente conforme o estatuto social dos mordomos. Mordomos ricos possuíam mais dinheiro e, por isso a alvorada era maior. A alvorada mais ou menos longa também informava as redondezas da maior ou menor importância da festa e fazia com que mais ou menos pessoas a ela se deslocassem.
Por norma, a alvorada, isto é o lançamento do fogo de artifício era feito e penso que ainda o é segundo determinada sequência. Primeiro lançavam-se os «chamados foguetes de resposta» durante determinado tempo, constituídos por várias dúzias. O estrondo destes foguetes embora intenso era de uma frequência elevada entre estrondos (estrondos frequentes). A razão por que isto acontecia tem essencialmente a ver com a forma como estes foguetes eram construídos e ainda hoje o são: Cada foguete tem na parte superior do canudo que provoca a sua ascensão um conjunto de «bombas», com o rastilho voltado para baixo e a pólvora embrulhada por cima. Quando o foguete atinge a altura adequada, correspondente ao consumir da pólvora do canudo, como que esguicha fogo para o lado contrário que é nem mais nem menos do que aquele onde se encontram as bombas que atrás referi. Com aquele esguichar de labareda o rastilho de cada bomba é activado e o papel de embrulho de todas elas destruído. Se houver várias bombas elas vão explodir em momentos diferentes conforme o comprimento do rastilho de cada uma.
Depois e na parte final, também constituídos por várias dúzias, mas menores que as da fase anterior, lançavam-se os morteiros. Estes eram foguetes como os demais só que com uma única bomba e com maior quantidade de pólvora. Logo o estrondo que provocavam era maior. Também a cadência dos estrondos era muito inferior a dos restantes foguetes. Aqui, havia um estrondo por cada foguete enquanto que nos outros casos, cada foguete tinha tantos estrondos quantas as bombas que lhe eram colocadas, No caso geral, seis e em situações de maior dimensão 12.
As bombas de cada foguete tinham rastilhos de dimensão variável o que provocava que rebentassem em alturas diferentes. Embora não percebendo nada de fogo de artifício, parece evidente que a construção das bombas e a sua colocação nos foguetes tinha de ser feita de forma a que as bombas rebentassem longe do chão, isto é em altura suficiente para não provocar danos nas pessoas e bens. Por isso os rastilhos tinham que ser necessariamente curtos.
O local de lançamento do «fogo», diga-se «os foguetes», era por norma escolhido em terreno limpo, para não provocar involuntariamente algum incêndio e por norma fora da aldeia e de preferência na parte alta.
Concluída a alvorada, o ar ficava com um cheiro característico a pólvora queimada e ainda com algumas nuvens de fumo ténue resultante do estampido provocado pelo foguetes. Estava cumprido o primeiro dos rituais do dia da festa.
Não muito depois da alvorada ter terminado, estava na hora de os mordomos esperarem na entrada da povoação a banda de música que iria acompanhar as festividades religiosas (procissão e às vezes a missa). A banda chegava por norma a prestações. É preciso recordar que as bandas de música existentes em algumas aldeias eram formadas por pessoas que trabalhavam no campo, moravam em diferentes aldeias, não tinham formação musical e tudo o que sabiam de música lhes tinha sido ensinado pelo mestre da Música. Em Pailobo por exemplo, havia um elemento da banda de música da Cabreira, era o Tio Manuel que por acaso também era caçador. O mestre da música era alguém com conhecimentos musicais embora limitados, mas que sabia ler uma pauta e ensinar os restantes a fazê-lo. Estas bandas ensaiavam muitas vezes durante a semana, principalmente no inverno que era quando havia menos que fazer nos campos.
Nas redondezas havia uma banda de música na Cabreira e para além desta só num raio de muitos quilómetros se encontrava outra. Os elementos da banda tinham todos uma farda igual, um boné e transportavam o respectivo instrumento.
Estas bandas que eram contratadas para uma determinada festa, actuavam quer em andamento quer estacionadas, fosse na igreja ou num qualquer local onde pudessem sentar-se. Ou no coreto quando o havia.
A primeira actuação da banda quando chegava era dar uma volta pelas ruas da aldeia entoando uma composição adequada às circunstâncias e que por norma era uma marcha. Esta primeira actuação da banda de música era orientada pelos mordomos que decidiam o caminho que devia seguir. A marcha da banda, com o mestre da música à frente e os músicos formados em duas ou três colunas conforme a largura das ruas, era acompanhada pelos mordomos, que caminhavam mais à frente, e intercalada, de tempos a tempos com o lançamento de um foguete. Envolvendo a banda circulava a criançada, de forma desordenada e com correrias aleatórias. Esta actuação orientava as rotinas das pessoas que, tendo ouvido a alvorada e agora a banda concluíam que «deve estar na hora de nos irmos vestir para missa».
Nota
No próximo texto, continuaremos a descrição da parte restante do dia da festa. Por isso, caro leitor, não o perca pois poderá recordar situações que já viveu ou que, sendo mais jovem, certamente gostaria de ter vivido.
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«Do Côa ao Noémi», crónica de José Fernandes (Pailobo)
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