Tudo o que é em exagero corrompe a verdade. Assim acontece com o, por vezes, exagerado nacionalismo associado ao integralismo lusitano.

Eduardo Lourenço considerava uma querela sem sentido a ideia de um «ser cultural português» ou de um «carácter nacional», imbuído de uma personalidade de base nacional. O saudosismo, aliado ao integralismo lusitano, podem ser causas de sebastianismos, promovidos por velhos hábitos de ditaduras. O exagero da exaltação nacional, em determinados momentos da nossa história, conduziu-nos ao alheamento de um Portugal de presente e com futuro. Não haverá uma arte de se ser português, ao contrário do que evidenciava Teixeira de Pascoaes em 1915, ao querer que a exaltação dos portugueses se transformasse em religião nacional.
Fernando Pessoa irá apontar a existência de três espécies de português: a do português típico, divorciado de todos os governos e abandonado por todos; a do português que forma a grande parte das classes médias superiores e quase todas as classes dirigentes, e que governam o país, estando completamente divorciadas do país que governam; e a dos portugueses que fizeram a história nacional, desaparecida na batalha de Alcácer Quibir. Olhar somente para o passado, na esperança de encontrar as bases para o futuro, poderá conduzir a um imobilismo e a uma inércia, mumificando o que já foi, tal como dizia António Sérgio.
Alimentados por realezas, altas nobrezas, governantes e alto clero, os sebastianismos e os pseudo nacionalismos, efetivamente adormeceram um povo que, enquanto sonhava com os altos feitos do passado e se exultava a si próprio, esquecia a vil condição em que vivia. E esta herança percorreu séculos e regimes. E perdura até hoje, sendo alimentada por realezas, ditaduras, repúblicas e persistida na própria democracia.
Pegamos no passado, forjado por mãos alheias, retocamos com algumas pinceladas, e assumimos para nós próprios os feitos de outros, apresentando-nos como parte ativa de uma história coletiva muitas vezes adulterada.
Estamos presos na nossa história em vez de, na verdade, ter sido a nossa história a nos libertar. Encontramo-nos agrilhoados a pretensas histórias da nossa história, a um «ser português» que não existe, como que a dizer-nos que fazemos parte de uma espécie humana, superior às demais.
Assim nascem os nacionalismos e outros «-ismos». Mas a questão não é o passado ou os passados. O problema é a falta de visão de um futuro que se acerca. Faltam ideias para o que aí vem. Faltam pessoas que reinventem a história e que não se limitem a copiá-la. Num Portugal moderno e europeu não podemos usar o nosso passado histórico como uma bengala.
Possuindo uma identidade coletiva própria, devemos evitar os «–ismos» radicais do nacionalismo e do saudosismo. Temos decerto de reinventar a nossa história presente e futura, mas com outras letras e outros escritores.
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«Desassossego», opinião de César Cruz
César :
O Integralismo Lusitano, onde Salazar foi buscar muita da ideologia do Estado Novo, é uma simples fase do Sebastianismo que vem do século XVII. Sem dúvida que o sebastianismo é um mito, mas há um sentimento colectivo que o funda : perda da independência (1580 ), desaparecimento do Rei em Alcácer Quibir, desmantelamento quase total da Nobreza e, passagem do Império português para mãos castelhanas. A partir daqui, Portugal nunca mais voltou a ser uma próspera Nação, umas elites têm delapidado todo o esforço do trabalho dos portugueses. Desde esses tempos, o Povo Português sonha sempre com alguém que o salve quando as crises batem forte ( Sebastianismo ). Salazar foi considerado um « D. Sebastião », símbolo do « desejado ». Neste momento histórico que Portugal atravessa, em que a sua soberania está muito limitada, não é de admirar, mas sim de condenar, que muitos olhos se voltem para o passado, para Salazar, mas um Salazar « à la carte », que é o título do meu próximo artigo, a sair, se Deus quiser e a justiça deixar, na próxima Terça – Feira.
António Emídio