:: :: VILAR MAIOR (1) :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais de um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».

À distância de 25 quilómetros, pouco mais ou menos, da vila do Sabugal, na margem esquerda do rio Cesarão, foi edifícada esta antiquíssima vila, cuja origem e fundação se perdem na escura noite dos tempos, sem poder afirmar-se com rigor a data em que fôra edificada e quem foi êsse fundador.
A maior parte dos corógrafos dizem ter sido conquistada aos mouros em 1139 pelo rei de Leão, sem nos dizerem se estes foram os fundadores de tão antiga povoação.
É provável que esta fôsse edificada pelos romanos, que durante muitos séculos dominaram na península e que os povos bárbaros que Ihes sucederam a saqueassem e destruissem, sendo mais tarde restaurada pelos mouros que ali se instalaram e que finalmente fôsse conquistada pelo rei de Leão.
Que os romanos ali demoraram atestam-no as muitas moedas romanas e as sepulturas cavadas nas rochas que ali têm aparecido. O que parece averiguado é que Afonso IX de Leão lhe dera carta de povoação e que a êsse tempo estava arruinada em virtude de conquistas e reconquistas que sofrera. Diz-se também que Afonso X de Leão lhe dera foral.
Deixemos, porém, os tempos obscuros e remontemos ao ano de 1296, em que D. Diniz a conquistou, juntamente com outras vilas notáveis que havia no território de Riba-Côa, de que noutra parte nos ocupamos, dando-lhe, ou antes confirmando-lhe, o antigo foral, quando aquele rei estava no Sabugal, como se conclue das palavras nêle insertas – «facta carta apud Sabugal».
É pouco conhecida a sua história e talvez que não fôsse notável ao ponto de os historiadores dela se ocuparem muito.
Sabe-se, contudo, que, quando foi conquistado o território de Riba-Côa, ela estava arruinada, sendo o primeiro cuidado de D. Diniz mandá-Ia restaurar ampliando-a consideràvelmente.
As muralhas cingiam toda a vila, que não devia ser muito populosa, existindo ainda restos delas, que indicam serem sólidas.
A cidadela ainda existe, com sua torre de menagem no ponto mais elevado dum monte donde se domina a actual povoação, que ocupa uma área certamente maior que a da primitiva vila, rompendo, por assim dizer, as muralhas, e espandindo-se e repousando em baixo, abrigando-se ao fundo do monte.
Poucos vestígios aparecem já das antigas habitações, porque o camartelo as foi a pouco e pouco derruindo e transformando, de modo que seria hoje impossível talvez reconstituí-las, destruindo muros de quintais e toscas paredes de modernas casas.
Parece mais que provável que a antiga vila assentava somente na encosta sudoeste do monte.
O aparecimento de sepulturas cavadas em rochas de granito avermelhado, semelhante às rochas da Berlenga, e o aparecimento de moedas romanas, atestam que na antiguidade ali viveram já homens civilizados; mas o aparecimento de machados de pedra, um dos quais está no Museu Etnológico, atesta a existência do homem nos tempos prehistóricos, o que revelam também certos esconderijos e cavidades abertos em barrócos.
Vilar Maior foi séde de concelho até 1855, pertencendo-lhe as freguesias de Bismula, Badamalos, com as Quintas da Arrifana e S. Pedro do Carril, Vale das Éguas, Nave de Haver e Malhada Sorda.
Foi incorporada no concelho do Sabugal, de que ainda faz parte actualmente.
Tinha o senhorio desta vila a comenda de Malta, hereditária na casa de Cadaval.
O pároco era da apresentação do convento de S. Vicente de Fora, e confirmado pelo Bispo de Lamego, tendo ambos a terça. dos rendimentos. Pertenceu à Provedoria de Lamego e à Corregedoria da cidade de Pinhel, passando depois para a comarca de Trancoso e finalmente para a do Sabugal.
Fazia parte do Bispado de Pinhel, como todas as povoações de Riba-Côa e agora pertence ao da Guarda, por ter sido extinto aquele em 1882, sendo Vigário Geral o dr. António Belo, que depois devia ser Arcebispo do Algarve e em 1907 Patriarca de Lisboa, depois da renúncia do Cardeal Neto, o que deu logar a largas controversias.
No tempo de D. João I pertencia ao Bispado de Ciudad Rodrigo, passando depois ao de Lamego, em seguida ao de Pinhel, criado no reinado de D. José e finalmente ao da Guarda. O pároco pagava de confirmação 2.340 réis, de vesitação 500 réis, e de catedradigo 180 réis.
Monumentos antigos de Vilar Maior
São dignos de menção especial: a ponte sobre o Cesarão, por ser muito antiga, modernamente restaurada, o pelourinho, que ainda há poucos anos estava em regular estado de conservação, levantado na parte baixa da vila, as ruínas da Igreja de Santa Maria, perto da cidadela, outro monumento, que tem resistido à acção do tempo, e, finalmente a cadeia e casa da câmara, onde têm estado instaladas as escolas para os dois sexos. A ponte sofreu danificações com a cheia de Dezembro de 1909.
Igreja de Santa Maria
Perto do castelo existem ainda as ruínas desta antiga igreja paroquial, quási no cume do elevado monte, sem telhado, sem portas, completamente abandonada. Foi taxada em 1320 em 20 libras e a de S. Pedro em 40.
São ainda firmes e fortes as paredes, que denotam restauração em época que mal podemos precisar, o que se conhece examinando algumas pedras, que certamente pertenceram a outro edificio arruinado e observando a falta de uniformidade no estilo, havendo portas em ogiva e outras semelhantes às de certas casas da vila. Nas paredes existem mesmo peças que representam verdadeiros enxertos e que indubitavelmente para ali foram trazidas doutro edifício arruinado, talvez mesmo doutra igreja que ali houvesse.
O portal principal, que foi primitivamente em arco, tendo no interior ornatos em arabescos variados, mostra não ter sido feito quando o resto da igreja, mas naturalmente quando esta foi restaurada, sendo depois modificado, reduzindo-se-lhe a abertura e dando-se-lhe outra forma.
Num dos portais laterais, que é em ogiva, e deve ser da primitiva, existem ornatos com arabescos nas ombreiras, sem simetria, tendo na ombreira um largo orifício onde rodava a porta.
Um objecto que ainda prende as atenções do visitante é a pia baptismal, que fica à esquerda de quem entra na velha igreja.
É monolítica, de bom granito e com ornatos semelhantes aos do arco entaipado de que há pouco falámos, achando-se ao tempo em que a vimos em perfeito estado de conservação.
A capela-mor tem três janelas em forma de seteiras, parecendo assim do exterior, em virtude da estreita abertura que oferecem.
Vimos ali uma pedra que mede dois metros de comprimento e parece ter servido de vêrga a algum portal.
É um arco de círculo, cuja corda mede dois metros, tendo entre esta e o arco ornatos singelos, sendo o médio formado por três círculos concêntricos cavados na pedra, donde sai uma estrela de quatro raios.
Informaram-nos de que esta pedra fôra arrancada do seu logar em virtude de um sonho, que revelou ali um tesouro, trabalhando o sonhador alta noite, certamente auxiliado por outrem, visionário como êle, crente em mouras encantadas, que, por miraculosa magia, transformam figos em peças de ouro…
O exterior da igreja nada oferece digno de nota a não ser a cima- lha com toscos e caprichosos modilhões, representando cabeças de cães ou bois. (Foi destruída em 1923).
Vimos uma destas figuras, mutilada, ao que nos disseram por outro sonhador, a quem fizeram crer que estava um tesouro no sítio para onde o seu cão tinha dirigido o focinho, vingando-se na pedra, por não ter tirado o resultado que desejava.
Em frente da igreja e próximo da porta existiam ao tempo da nossa visita ao local várias peças de cantaria, restos de colunas e de modilhões, que claramante demonstravam ter havido na frontaria um alpendre, como tinham quási todas as igrejas antigas. Não me parece, porém, que estivessem ali já todas as peças. Talvez a pedra que foi achada perto do altar-mor fizesse parte do alpendre, como cobertura, isto é, vêrga de alguma porta deste.
A cidadela de Vilar Maior acha-se ainda em estado regular, se a compararmos à de Alfaiates e a outras mais que temos visto. Tanto as muralhas como a torre de menagem, que tem grande altura, não estão muito deterioradas.
As muralhas não parece terem sido edificadas na mesma época em que o foi a torre. No interior da cidadela vê-se ainda a abertura da cisterna, quási entupida, e indícios de algumas casas, onde as silvas e erva cresciam abundantemente para regalo dum rebanho de cabras e ovelhas que ocupavam todo o vasto recinto.
Na torre de menagem vê-se o escudo das quinas, como na torre da cidadela do Sabugal, aberto numa pedra de muito maiores dimensões que as outras que a formam, que são, como ela, do mais duro granito e todas precisamente iguais. A torre não tem já os pavimentos superiores, vendo-se ainda alguns degraus de pedra, já poucos e por isso muito distanciados, os quais eram embutidos nas paredes.
Todas estas ruínas de que nos vimos ocupando revelam claramente que na época em que tais edifícios foram construídos se atendia mais à solidez que ao bom gôsto, como em geral acontecia nas construções presididas pela arte militar.
Igreja paroquial
Foi edificada na encosta do castelo e é espaçosa, vasta, feita de sólida cantaria, com fortíssima abóbada, embora singela, sem ornatos de qualquer ordem. O altar-mor foi trazido para ali da igreja do Convento de S. Francisco da Guarda, onde está alojado o regimento de infantaria 12, vendo-se bem que não foi convenientemente adaptado.
Os três altares laterais são da maior singeleza, feitos de pedra, tendo nas paredes uma pintura muito ordinária.
Está esta igreja no centro do cemitério, tendo uma boa porta de ferro. No muro do cemitério vimos uma pedra com a cruz de Cristo e a pouca distância uma velha peça de artilharia.
Não achámos muito próprio o sítio para aquêle símbolo da poderosíssima Ordem, embora se refira a uma corporação extinta, mas achamos infeliz a idéia de ali ter sido colocada uma peça de artilharia, conquanto nos possam dizer que era um instrumento de matar gente…
Na igreja vimos boas alfaias e não deixaremos de aqui fazer menção da rica custódia de prata e dum belíssimo estandarte.
S. Pedro é o orago desta freguesia. A sua imagem, assim como as restantes que ali vimos, não prima pela perfeição. São dignas de menção: a Igreja da Misericórdia e as ermidas do Espírito Santo, de S. Sebastião e do Senhor dos Aflitos, das quais não damos notícia desenvolvida pela escassez do tempo e espaço e não porque não mereçam notícia detalhada.
O rendimento paroquial desta freguesia é o seguinte:
Côngrua, 80.000 réis; pé de altar, 90.000 réis; baptisados, 400 réis; enterramento de menores, 120 réis; óbitos de adultos, 700 réis; casamentos, 460 réis e bens de alma, 3:000 a 9.000 réis.
O rendimento da Misericórdia é de 225.477 réis, proveniente de juros, inscrições e anuais, dispendendo 10.870 em beneficência.
A população era de 200 fogos e 780 almas, 336 do sexo feminino e 273 do masculino.
Nesta antiga povoação não existem grandes edifícios de remotos tempos e dos modernos apenas são dignas de menção as casas de residência do Ex.mo Sr. Francisco Pessanha e uma que pertenceu aos senhores Condes de Tavarede. Das casas antigas faremos, contudo, referência à que pertenceu ao falecido proprietário e honrado cidadão, o Ex.mo Sr. Manuel Simões, onde vimos uma curiosa pedra de armas. Disseram-nos ter pertencido em época que não pudemos determinar a Luiz de Bastos, que maliciosamente alcunharam de Luiz de Gastos, por ser muito perdulário. Os seus cavalos tinham sempre ferraduras de prata e por isso e por outros desperdícios o rei lhe chamava Luiz de Gastos. Quem apanhasse ferradura que caísse aos seus cavalos, tinha pena de mão cortada, diz a lenda que este homem anda envolvido. Pelo que nos contou o falecido proprietário, a casa tinha o privilégio de couto.
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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