A chegada do cuco é sinónimo de primavera. É sinónimo de tempo mais ameno. Talvez por isso, as pessoas do campo gostem do cuco e lhe tolerem o seu parasitismo no que se refere à reprodução e à característica fratricida que os neofitos põem em prática desde a nascença.

Com alguma regularidade, não só eu, como outros «colegas» produzimos neste meio de comunicação artigos que reproduzem as nossas sensações dos tempos que vivemos com regularidade temporal nos meios rurais em que nascemos.
Por vezes somos mal compreendidos por quem nos lê e entende que se trata de textos saudosistas e uma espécie de desejo de regresso ao passado.
O texto de hoje vai abordar a vinda anual do Cuco, que sempre despertou a atenção de quem viveu e vive na nossa zona raiana.
O Cuco é uma ave migratória que regressa anualmente às nossas terras por regra no inicio da primavera. Quando se ouve o cuco, cujo cantar faz jus ao seu nome pois a melodia que produz na maior parte do tempo só terá duas notas com algumas variações quando o tempo começa a aquecer mais. Ouvir o Cuco… (Aqui.)

Ouvir o cuco é sinónimo de tempo mais ameno depois de ter terminado o inverno. É uma ave que pode passar o dia inteiro a cantar.
O Cuco é uma ave de arribação, isto é desloca-se conforme as estações do ano. Migra no final do verão para o norte de África donde regressa na primavera seguinte. Existem vários ditados populares relacionados com o cuco mas este é característico da certeza das idas e vindas do cuco ao longo do ano:
Entre Março e Abril, o cuco deve vir.
Se não vier, ou o cuco já é morto ou o fim do mundo está para vir.

É uma ave parasita no que se refere à reprodução. Isto quer dizer que o cuco não faz ninho para procriar. Por norma coloca os seus ovos nos ninhos das outras aves quando estas já os têm prontos para iniciar a postura dos seus ovos.
Escolhe aves cujos ovos tenham uma coloração idêntica aos seus para que a outra ave não desconfie! A ave hospedeira trata e protege todos os ovos que estão no ninho como se fossem seus. Choca-os.
Quando os ovos eclodem, e nascem as aves, incluindo o cuco, algo de dramático acontece. A cria de cuco logo que nasce aplica todo o seu esforço para limpar o ninho, seja empurrando para fora os ovos que ainda não eclodiram, seja mesmo as crias que eventualmente já tenham nascido.
Ficam assim sozinhos no ninho. Nunca vi um ninho com um cuco e os restantes neófitos. Sempre sozinho. A razão para esta atitude que é inata reside no facto de o cuco enquanto pequeno ter um apetite voraz e que, qualquer concorrência faria diminuir a satisfação das suas necessidades. Assim, elimina a concorrência por comida e fica sozinho no ninho, onde continua a ser tratado, agora como «filho» único. É a lei da sobrevivência das espécies a funcionar no que de pior tem.

As aves hospedeiras que viram o cuco nascer no seu ninho tratam-no como se fosse seu filho por que acham isso mesmo e tratam de o alimentar.
O cuco, bem alimentado e com apetite permanente cresce com grande rapidez.
Muitas vezes, estas aves, os pais, são muito mais pequenas que os cucos e por isso não é invulgar ver uma ave pequena a alimentar uma cria de cuco várias vezes maior que ela.
Claro que, depois de criado, no inicio do verão, o cuco já adulto vai à sua vida e provavelmente no ano seguinte fará exactamente o que os seus pais fizeram no ano anterior, encontrando uma ama para os seus rebentos.
Apesar da postura do cuco ser neste domínio interesseira, e até desumana para as outras aves, as pessoas vêem o cuco com muita simpatia. Talvez por a vinda do cuco estar associada à primavera que, no campo é sempre desejada, pois é a altura de iniciar diversas culturas que permitirão, depois das colheitas, garantir a subsistência no inverno.
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«Do Côa ao Noémi», opinião de José Fernandes (Pailobo)
Caro JCM:
Obrigado pela visita e pelos comentários.
Mais coisas certamente aparecerão seja desta ou de outras matérias. Mas invariavelmente ligadas às nossas terras. A revolta dos rios, que é um texto que de novo levanta o problema da poluição do Noémi, será um dos textos, nesta vez em forma de fábula, que dentro em breve será divulgado.
um abraço
JFernandes
JF,
Muito bem escrito. Gostei de ler e, mais uma vez, dei comigo a ouvir, desta vez o cuco, deliciado.
Quanto à nota sobre a desertificação das nossas terras de nascença, apreciei o apontamento de meia dúzia de palavras. É bem verdade, na minha opinião. Assino por baixo quando o JF escreve: «… o mesmo não podem dizer as pessoas que cada vez mais são forçadas a deslocar-se para outras paragens». Concordo tanto que o artigo que sai na noite de domingo para segunda assinado por mim centra-se exactamente nessa matéria.
Obrigado, meu caro.
Nem preciso de dizer que exijo poder ler mais coisas destas assinadas pelo JF.
Caros JLGouveia e João Paula:
Obrigado pela visita e pelo incentivo.
Estas visitas`primaveris às nossas terras por parte de algumas aves querem significar que, pelo menos para elas, as nossas terras continuam a ser o que eram antes. Por isso não mudam de sitio. Já o mesmo não podem dizer as pessoas que cada vez mais são forçadas a deslocar-se para outras paragens.
Um abraço
JFernandes
Mais uma vez, um excelente artigo!
A titulo de curiosidade, na avifauna que povoa as nossas terras existe outro cuco, o cuco-rabilongo (Clamator glandarius), também ele um migrador reprodutor. Mas contrariamente ao cuco (Cuculus canorus) a que se refere o texto o primo rabudo não faz juz ao nome quando canta. O que os assemelha é o comportamento parasita durante a reprodução. No entanto, o cuco-rabilongo exibe preferencias por ninhos de pegas (pega-rabuda, Pica pica; pega-azul – Cyanopica cyana), gralhas e gaios, e por isso o seu canto assemelha-se mais aos destas espécies de corvideos com quem convive durante os primeiros tempos de vida.
Cumprimentos,
João Paula
Boa noite José Fernando!
É sempre com muito agrado que leio as suas crónicas. Elas traduzem, não saudosismo de um tempo passado, mas sim um conjunto de vivências que muito contribuem para melhor conhecermos a natureza e as leis que a dominam.
Com a chegada da primavera o campo assume-se como ato sublime digno de ser apreciado. Os sons polifónicos da passarada juntamente com a matização das terras acabadas de germinar, constituem um enorme desafio às gerações desatentas.
Compreender e interpretar a natureza é um exercício, saudável, que muito contribui para o bem-estar de cada individuo.
Continue.
Abraço
JGouveia