Disponho-me à crónica de hoje, nesta tarde de final de Março que também sorriu. Mas o mês que ora finda não foi, só, de sorrisos. Teve dias de tudo. Teve luz, sim, porque não há Primavera sem luz. Mas houve dias a espreitar sóis entre chuvas. Outros se humedeceram em névoas chorosas. Impõe-se-me, agora, a sugestão de voar sem fugir, de sonhar até topar a realidade.

Qualquer claridade, após eventual escassez de luz, impele à necessidade de respirar diferentemente, de viver enquanto sonho. Mas as claridades mais claras surgem-me, como um convite para prosseguir em viagens repetidas por dentro mim próprio.
Esta disposição de hoje, de narrar respirando efeitos de luz, olhando para fora e descrevendo por dentro, constitui o nascimento de uma quase obsessão que acaba por se orientar a caminho do meu próprio imaginário. É, portanto, um desejo que a natureza motiva, transformado em necessidade, uma necessidade imprescindível, quase vital. É, ainda, uma vontade feita movimento, a caminho das terras e das gentes do meu ser.
Construo, hoje, a narrativa, como se fosse um guião resumido pelo interior de mim próprio.
Eis, então, que parto para dentro partindo para a minha crónica, recordando terras e gentes onde a imagem se me reflecte e surge ligada a vidas decalcadas nas minhas próprias vivências.
As minhas gentes e a minha terra tornaram-me possíveis as minhas experiências mais determinantes e permitem-me, agora, a descoberta da minha própria identidade. Assumo isso, sim. E afirmo-o com tanta consistência como se assumisse uma promessa. Assumo-o, ainda, como se tentasse limar a opacidade de algumas palavras para poder falar abertamente.
Enquanto parto, encontro a realidade quotidiana que vai, aos poucos, emergindo das brumas do meu pensamento.
Nesta forma de viajar encontro, primeiro, o sonho que vou tentando colar ao real. Alguns sonhos concretizam-se e deixam ver os seus perfis mais palpáveis. São sonhos que se abrem em referências físicas e morais enquanto o real se vai identificando.
A luta entre sonho e realidade fica, então, prendida à minha humilde prosa que já chamo de prosa do dia a dia. Espero, apenas, que ela não seja demasiado insatisfatória e que jamais se transforme em prosa cruel.
Mas, apesar de algumas resistências da realidade mais real consigo chegar, hoje, ao final do meu pensamento (desta minha itinerância imaginativa) agarrado a uma mala mítica onde continuo a guardar paixões e a paixão pela minha raiz.
Nada disto eu quero nem posso perder. Guardo tudo e tudo defendo utilizando, pelo menos, a palavra. Através dela quero perpetuar o que me for possível, contando as mais expressivas imagens e desenhando esperanças resumidas para que elas surjam em novos acordares, em novas realidades, em futuras disposições.
:: ::
«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
Tenhamos esperança. Há muitas nevoas chorosas que se abrem em dias sorridentes .Deixo um caloroso abraço ao Dr. Mota da Romana
Ó Fernando, eu gostei muito do texto . É uma prosa com poeticidade. Vem Abril que abre portas.Fazer do velho coisas novas é imperioso! Vamos estar vivos e bem acordados.
Amigo Capelo:
Arthur Rimbaud, um poeta francês disse o seguinte : « a mão que maneja a caneta vale tanto como a que maneja o arado ». O que significa que as sociedades avançam com o trabalho e a palavra.
António Emídio