O ano decorre e adensa-se de tempestades ainda que sobejem algumas oportunidades para a chuva se abrir e deixar passar um sol sobrevindo e pouco quente, numa palidez inverniça. Sempre o sol cumprirá a sua eterna missão de mornar e clarear influenciando a definição dos limites e contornos da paisagem.
Nestas escassas aparições soalheiras também o vento se não inibe de intervir suspendendo a intensidade para envolver casas, acariciar árvores, rasar os campos sussurrando sons calmos, doces e melodiosos.
Assim se constroem lugares mágicos onde a brisa resfria os rostos sempre e quando se olha o céu cruzado, de onde em onde, por voos e piares de pássaros encantados de liberdade. São sítios que reforçam a sua própria condição mágica, sobretudo se a montanha se impuser e criar abrigo aos chãos mais baixos povoados de ervas regadas, lá onde, alguns regatos cantantes escorrem em busca de pequenos ribeiros.
Por aí, por esses locais de encanto, nascem novas oportunidades de cultivar impressões ópticas e de lançar olhares muito particulares que permitem leituras subjectivas e que, a mim, me motivam para tentar narrativas com as quais me seduzo mesmo antes de tentar seduzir os outros.
Enquadro, hoje, neste contexto que descrevo, e com a mesmíssima exaltação de uma primeira vez , o meu Monte, aquele Monte que encima o Jarmelo. Exponho-lhe, aqui, algum pormenor sem acerbar linguagens, conhecimentos ou teorias. O refinamento de teorias aumenta, só, a clareza da mesmice.
Libertados os olhos de grandes saberes, basta deixá-los olhar, simplesmente, para que ganhem a condição de olhares simples, olhares de criança. Conseguiremos, assim, ver, de novo, como se víssemos pela vez primeira, o que tantas vezes havemos visto.
E o Monte pica de novo o céu, não mais nem menos do que sempre picou. Hierarquiza com a sua altura uma zona alta, recebendo ofertas de verdes reforçados na base regada por águas cantaroleiras. Algumas aflorações graníticas, estáticas, empolam as encostas e o Monte acaba por admitir a modernidade cinzenta e rápida da autoestrada que lhe pisa os pés.
As aldeias circundam-no, num cerco antigo, colorindo com algumas paredes de casas brancas e com telhados vermelhões a área equivalente ao antigo concelho do Jarmelo.
São, já, raras as pachorrentas vacas castanhas que, por aqui, pastam ou as cabras chocalheiras a sonorizar as pastagens que o inverno enverdece.
Já, praticamente, se não ouve o bater surdo do ferro dos ferreiros.
Raramente se vêm pastores ou agricultores trabalhando ao sol que teima em ser igual ao de sempre.
Mas nós vivemos de tudo. Vivemos do que existe, do que existiu e do que cremos que venha a existir. Se regressarmos ao que já não existe encontraremos as sombras que a contemporaneidade não cegou. Elas são a nossa experiência e o alicerce do nosso futuro. O passado mantém-se como nossa face oculta e os olhares do passado e do futuro não são disjuntivos. Ambos, cooptando olhares presentes, se completam e aperfeiçoam.
Olho, então, neste presente preciso, o Monte. Consigo revê-lo como se o visse no passado e permito-me ansiar ao que, endogenamente, me fará falta ver no futuro.
Vivo, sim, de tudo isto e vou sonhando com o advir do meu Monte.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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Amigo Capelo :
Não é o tempo que passa por nós, nós é que passamos pelo tempo. Assim passaram os que nos precederam, assim passamos nós, e assim passarão os vindouros. O Homem limita-se a fazer história no curto espaço de tempo que passa pelo tempo. O Homem será eterno ? Não chegará um dia a sua extinção ? A Terra durará mais uns bons milhões de anos ?
Ninguém sabe amigo Capelo ! Sei uma coisa, há muita energia na vida contemplativa ( nos que pensam ), basta ler os teus artigos.
Caro jFernades:
O Jarmelo é uma zona eminentemente histórica e merecedora de outras atenções. No entanto, a minha cronica é “leve” , muito leve e, assim sendo, julgo por bem não misturar as coisas. Fico-me por “algum pormenor sem acerbar linguagens, conhecimentos ou teorias.”
Mas, sim, talvez “um dia a história seja de novo contada”.
Um abraço e bem haja pelo interesse.
Caro FCapelo:
O monte, e o marco geodésico lá colocado, são na verdade um marco para todo a região.
Todos sabem na região, que ali é oJarmelo.
Nem todos saberão que aquele monte assitiu a episódios belos e depois terríveis que levaram à desconstrução daquilo que foi o concelho do Jarmelo. Creio que um dia a história será de novo contada.
Parabens pela prosa que, como outras, transmite sensações que nos fazem reviver outros tempos.
jFernandes