:: :: ALFAIATES (3) – NO TEMPO DA RESTAURAÇÃO :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais se um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».

Alfaiates desempenhou um papel importante durante as guerras da restauração. Em 1641 foi nomeado governador da província da Beira D. Alvaro Abranches, que para ali partiu no fim de Janeiro desse ano em companhia de João de Saldanha de Sousa, tendo por mestre de campo general Manuel Lopes Brandão, quatro sargentos mores e doze capitães de infantaria. Um dos seus primeiros actos foi mandar restaurar os castelos de Pinhel e Almeida; mas prudentemente evitou sempre as hostilidades com o duque d’ Alba, que governava a fronteira castelhana.
Estas hostilidades não tardaram, porque D. Tomaz d’Oria, reitor da Universidade de Salamanca, prendeu um paisano português, dando tal facto motivo para o governador ordenar a Braz Garcia de Mascarenhas que entrasse em Naves Frias para desafrontar o país, indo à frente de 130 infantes. Chegado ali cercou a casa de D. Tomaz d’Oria de mosqueteiros, mas apenas conseguiu prender quatro criados e um primo dele, D. César Lencabechia, que supunha ser D. Tomaz; mas este tinha-se escapado por uma janela.
Dias depois os castelhanos saquearam Aldeia da Ponte; mas Braz Garcia tinha ordem de tirar desforço, quando o duque d’ Alba deu satisfações, mandando restituir a presa, motivo porque voltou para Alfaiates.
Em 1642 foi nomeado governador Fernão Teles, tomando por mestre de campo D. Sancho Manuel, sendo-lhe entregue o governo por D. João de Saldanha.
Mal havia tomado posse quando Braz Garcia o avisou de que o governador da Albergaria, D. Francisco Hiraço, fizera grandes presas, que não queria restituir, entrando nos Forcalhos com quarenta cavalos, conseguindo Braz Garcia aprisionar nove soldados e um alferes.
Não tardou que D. João de Saldanha entrasse em Alfaiates com cem cavaleiros, enquanto D. Sancho ia em direcção de Castel-Bom. Entretanto os castelhanos incendiaram a povoação dos Forcalhos, que fica na raia.
Veio D. Sancho com o capitão Diogo de Toar e saquearam Albergaria, lançando-lhe o fogo; mas ainda desta vez o duque d’ Alba propôs a troca das presas e entrega dos reféns.
Não tardou, porém, que os castelhanos incendiassem os Forcalhos, derrubando e destruindo tudo e talando os campos e cearas.
Fernão Teles mandou então tomar o castelo d’Elges (Jujas) e Valverde, fazendo com os moradores uma escritura e nomeando as autoridades desta última povoação.
Acudiu o duque d’ Alba, mas Fernão Teles enviou um reforço de seiscentos infantes e duzentos cavalos, indo ele mesmo para Elges e D. Sancho para S. Martinho de Tulejo, donde retirou contrariado, porque, apesar da tenaz resistência que sofreu, contava com a vitória.
Elges foi então arrasada e isso deu lugar a que Aldeia da Ponte fosse incendiada e arrasada também, porque os castelhanos passaram a trincheira e penetraram na igreja, apesar da heróica resistência dos moradores, mui- tos dos quais ali perderam a vida. Além desta povoação queimaram mais oito os castelhanos por ordem do duque, sem que houvesse resistência, «porque fazendo os fachos aviso a todos os lugares daquela parte, não houve resolução para acudir delles pessoa alguma», diz o conde da Ericeira (v. Portugal Restaurado, T. 1, pág. 380).
Fernão Teles julgando culpados disso Braz Garcia, governador de Alfaiates, e Rodrigo Soares Pantoja, governador de Almeida, prendeu-os e remeteu-os para Lisboa, sendo soltos passados seis meses.
Devia ser nessa ocasião que Braz Garcia de Mascarenhas esteve algum tempo preso no Sabugal, mas a tal respeito o conde da Ericeira nada explica senão que passados seis meses foram soltos os dois.
Depois foi a custo tomada Aldeia do Bispo por D. Sancho Manuel, refugiando-se os moradores na igreja, sendo depois queimada a povoação. Foi tomada a Vila das Fontes, apesar da resistência das forças de Ciudad Rodrigo, Guardão e Galegos, tomando e saqueando Frexenedas, com 130 prisioneiros.
Fernão Teles mandou levantar o forte de Vale de Ia Mula e derrotou os castelhanos, que perderam 500 homens.
Tomou Fernão Teles o castelo de Guardão, que ficou em ruínas, bem como Galegos e outras povoações. Depois o duque mandou saquear Malhada Sorda, aldeia aberta e desguarnecida, depois que as gentes do Sabugal e Souto queimaram Perozim. Foi notável a tomada de Escalhão, que custou ao inimigo 150 mortos.
De Viseu veio uma companhia de 150 clérigos, cónegos e abades, comandados pelo tesoureiro da Sé Gomes de Andrade Cabral.
Instalou-se Fernão Teles na Miuzela e marchou para a Nave, depois de batido o inimigo e de D. Sancho tirar 300 vacas a este, juntamente com os paizanos dos lugares, dirigindo-se para ali, porque os castelhanos comandados pelo português D. João Soares, traidor à pátria, incendiaram a Nave. Fernão Teles alcançou-os ainda e auxiliado pelas tropas de Alfaiates (cem infantes), depois de grande desespero, derrotou o inimigo, que bateu em retirada, deixando 90 mortos e muitos prisioneiros e feridos.
Do nosso lado morreu um francês, ficando feridos 30 portugueses, entre os quais Afonso Furtado de Mendonça, Pedro de Sousa de Castro, capitão-mor de Viseu, Miguel da Fonseca Osório, Gaspar de Távora e Brito, de Alfaiates, e Cristóvão da Fonseca Cardoso. Foi o último combate em que entrou Fernão Teles, porque foi nomeado governador do Alentejo, sendo substituído aqui por D. Álvaro Abranches.
Devemos ainda dizer que durante o assalto de Aldeia do Bispo João de Saldanha derrotou 60 cavalos em Galegos, tomando dez; mas o inimigo, junto de Alfaiates, desbaratou 80 infantes e 30 cavalos, ficando 14 soldados mortos, e muitos prisioneiros; mas isso nada foi em comparação das perdas do inimigo (Portugal Restaurado, T. 1.°, pág. 374 a 395).
Em 1650 Gaspar de Távora e Brito, notável cabo de guerra, desbaratou os castelhanos em Alcântara, degolando muitos e trazendo muitos prisioneiros, tirando-lhes a presa. Era governador da praça D. Simão de Castanhinas.
D. Sancho mandou estacionar no Sabugal D. Rodrigo de Castro que já restabelecido, viera de Lisboa e, pouco depois, reuniram-se os dois generais no Souto, partindo dali para Alcântara com 400 cavalos e 250 infantes, sendo então que Gaspar de Távora e Brito derrotou os castelhanos (Portugal Restaurado, T. 11, pág. 339).
Alfaiates e Vilar Maior pertenciam à Correição de Pinhel no tempo dos Filipes, como se vê na Descripção de Portugal do Dr. Duarte Nunes de Leão.
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Em 12 de Setembro de 1810 passou nesta vila Reynier à frente do 2º corpo do exército, vindo da fronteira de Castelo Branco, chegando no dia 13 ao Sabugal e no dia 15 à Guarda, indo juntar-se ao 6.° corpo do exército, comandado por Ney e à cavalaria de Montbrun, perto de Celorico da Beira, onde Massena estabelecera o quartel general, que em 19 mudou para Viseu. Aproximava-se o exército do Bussaco, onde ao anjo da vitória caíram as asas, como a Napoleão ia desandando a fortuna, apesar de ser o maior génio militar e também o maior e mais ambicioso tirano dos tempos modernos.
Também perto desta vila sofreu o grande exército forte derrota em 27 de Setembro de 1811, tornando-se ali notável o regimento de infantaria 11, atacando os postos avançados das tropas inimigas, comandadas por Marmont e Dorsenere.
Ali se cobriu de glória o exército Anglo-Luso, comandado por Beresford, como nas planícies do Sabugal, na margem direita do Coa, em 3 de Abril de 1812, no célebre combate do Gravato, de que foi atrás já dada notícia.
Neste combate de Alfaiates tornou-se notável o Visconde de Valongo, Luís Pinto de Mendonça Arraes, general, da Casa das Obras, de Ceia (Diocese e Distrito da Guarda, pág. 231 e 277).
Foi extinto o concelho de Alfaiates em 1842 (?). As freguesias de que era formado eram Alfaiates, Aldeia da Ponte, Aldeia do Bispo, Forcalhos, Lageosa e Rebolosa, que foram anexadas ao concelho do Sabugal. No mapa da divisão administrativa de 1844 já não figura Alfaiates nem a Vila do Touro.
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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