O livro «Subsídios para o estudo da vida e obra de Nuno de Montemor» mandado editar pela Câmara Municipal da Guarda no centenário do nascimento do escritor-padre de Quadrazais (16 de Dezembro de 1981) é composto pelos dois ensaios que obtiveram os primeiros prémios. Associando-se à feliz iniciativa da Junta de Freguesia de Quadrazais vamos divulgar no Capeia Arraiana um dos ensaios premiados pela autarquia guardense da autoria da historiadora sabugalense Maria Máxima Vaz. O estudo inclui cartas inéditas de Nuno de Montemor. (Parte 4 de 4.)

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«NUNO DE MONTEMOR – UM ESCRITOR GUARDENSE, SUA VIDA E OBRA»
(Reprodução do trabalho – Parte 4 – Conclusão)
Lembrança de Nuno de Montemor
Quando as ceifas findavam, Cipriano, de calça de bombazina, aparecia no alto do ribeiro fundo, tocando, com uma varita de marmeleiro, o macho nédio, engatado ao carro de Varais. A tenda de Cipriano, vinha ajoujada de panos vistosos; casteletas, casimiras, cotins, estamenhas, linhos e até conchas para as raparigas casamenteiras. Meu pai comprava sempre alguns metros de estopa grossa para os atoalhados.
– Então, senhor Cipriano, por cá?
– Vou-me chegando. Santa Eufêmia está à porta, daqui a mês e meio.
Era de Quadrazais. Andasse por sítios diversos, ao chegar 15 de Agosto, debaixo do sol ardente, a volta dos seus negócios encaminhava-se para termos de Sabugal.
Muito gostava eu de falar com o senhor Cipriano. A noite, depois de servir os fregueses, recolhia ao nosso alpendre, onde descarregava o carro e prendia o macho. Com a pronúncia das terras de Riba-Coa descrevia-me os usos e costumes do torrão natal. Era um nunca acabar. Mas a festa do toiro trazido de Espanha…
– Deixe estar, menino, que eu vou dar-lhe um livro onde se conta isto tudo.
Na viagem do ano seguinte, Cipriano trouxe, para os meus olhos adolescentes de alto-alentejano, o romance da «Maria Mim», que li dum fôlego.
Então decorei o nome do seu autor: Nuno de Montemor.
Só muito mais tarde soube que era sacerdote. Duma vez, na Guarda estive para lhe falar. Não foi possível. Mas andei em Quadrazais calcurreando aqueles lugares todos entre castanheiros donde se avista o castelo das cinco quinas. Era um roteiro sentimental. Quando li outros livros da biblioteca de Nuno de Montemor «Maria Mim» é sempre uma festa para os meus olhos.
Nesta hora literária de Portugal em que os valores mentais se ufanam em glorificar só escritores que negam, louvemos nós um que afirma.
Para mim fica na lembrança bela dum cronista da nossa doce e lírica província.
Daqui saúdo Nuno de Montemor, com aceno de camaradagem.
Azinhal Abelha
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Nos Caminhos da Glória
Quando o tempo, na antecâmara do eterno, desbaratar sem dó o nome de ilustres desconhecidos, até então cobertos de poalha de ouropéis por enfeudados a escolas onde o espiritual não conta, susterá o gesto de aniquilação ante os vultos da envergadura de Nuno de Montemor. A morte não poderá com ele.
Porque a sua mensagem globalmente considerada, tem as raízes do Evangelho e as exigências da Arte.
Água de Neve ou Amor de Deus e da Terra, Cântico da Dor ou Oração da Soledade, Em Memória de Uma Rosa Branca ou Quando se Tem Mãe, – são do que de mais lírico se escreveu ainda em língua portuguesa. Neste último, transcendente de conceito e forma, não é já o narrativo – descritivo que domina, senão o paralelismo dos salmos, de opulentas imagens. Não aquele paralelismo fonético – já por aí notado – antes o psicológico em que o ritmo é feito de alma.
De forma cuidada, cada livro em prosa ou verso é peça magnificamente plasmada de sabedoria. Raro – a não ser em «Maria Mim», em que o termo regionalista predomina, sorte de código convencional para quadrazenhos –, o vocabulário se prende ao rebuscado, ao sumptuoso, ao empolado, até porque a temática é das coisas simples e humildes. Todavia, da contextura artística das palavras próprias de sentido, lavadas pela estética, apuradas pelo fogo dum grande poeta, resulta, sem beneplácito dos deuses, a ressonância da frase harmónica, a salientar a sua obra entre as mais belas.
Com cerca de 80 anos de espiritual juventude – vergonha de moços velhos – Nuno de Montemor, preso ao leito de sofrimento num recanto buliçoso de Lisboa, não descaiu da ardente paixão de nos transmitir toda a vibração do seu espírito de privilégio, Rapazes e Moças da Estrela, ainda rescendente do prelo, e que por bondade emoldurou em emotiva dedicatória ao autor destas linhas, em Terras do Alto Paiva, é mais uma estrela acesa na Via Láctea do seu peregrinar.
Prescindo, agora, do pormenor. Pode o positivista objectar com lances irreais? Para além das deficiências de qualquer obra humana, nomeadamente nas de ficção, muito de grande e resplandescente se podera colher da águia da Estrela, que lhe deve um monumento.
Enorme a tiragem dos seus livros, que a União Gráfica, em missão de bem fazer, tem trazido a luz do dia. Porque, felizmente, ainda se cultiva o trigo de preferência ao joio. Há, porém, quem se queixe de certo, sintomático silêncio a volta do autor de Coragées de Barro. E sabido que, para determinados sectores, o endeusamento só se pode obter com um plano puramente mercantil. E Nuno de Montemor não se vende. Com a pureza rara do seu estilo, a graça do seu contar, a finura da sua pupila, o movimento que imprime aos personagens, ora simples como zagais, ora torvos como Caim, – se lhe desse para descrever a viela da carne podre, a pecuária enferma da epiderme, o erótico e truculências dos lares desfeitos, o amor livre, ele mesmo se mostrasse um bocadinho, agnóstico para dar tom, um tudo nada picante para chamariz, e, se, descarado, tanto melhor para o pormenor da torpeza, oh, amigo Nuno de Montemor não terias tanto valor; mas, aos quatro ventos, serias mais lembrado…
Contudo, precisamente pela isenção: enquanto no mundo se estudar Literatura Portuguesa, a pena de oiro que tragou com dignidade o Crime de Um Homem Bom, Luz de Fátima, ou Paixão de Uma Religiosa, para sempre, será lembrado n’A MAIOR GLÓRIA!
Rodrigues da Cunha
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Palavras de Homenagem
Não se pode escrever a história da literatura portuguesa contemporânea sem consagrar um dos capítulos a Nuno de Montemor, talentoso renovador da arte católica, num país em que os prelos apenas editavam gongóricos livros de piedade, recusando-se, por desinteresse dos editores e por ausência de público e de escritores, a dar à luz obras de arte ou de ficção novelesca.
Nuno de Montemor rompeu a densa nebulose que separava a arte cristã da vida literária de Portugal e apresentou-se no mercado das Letras com a inovação dos seus romances e dos seus poemas, onde «a arte se eleva a uma límpida atmosfera de heroísmo moral, só por se inspirar nos mais puros exemplos de heroísmo cristão, sem deixar de ser nunca uma arte humana – por onde se prova que se podem também escrever romances diferentes do que nos exporta a França, nos quais raro sucede que os filhos sejam realmente filhos de seus pais…», como escreveu, em 1924, o Dr. Gonçalves Cerejeira, referindo-se à «Paixão duma religiosa» e ao «Irmão de Luzia», aparecidos pouco antes.
Está ainda na memória de todos a vaga de entusiasmo que alastrou por todo o país, quando apareceu o primeiro daqueles romances do laureado escritor – desse «serrano piedoso de alma brava e meiga», na frase lapidar de Afonso Lopes Vieira – cujas edições se sucederam como contas dum rosário, precisamente porque os católicos sentiam a necessidade de ver transplantada para os planos amplos da literatura e da ficção aquela simpatia aliciante que os divocionários, piegas não conseguiram despertar nas almas mais sensíveis às seduções da Apologética.
Tornava-se imperioso, nesta renascença espiritual e portuguesa do século XX, estabelecer a harmonia da imaginação com a Fé, da crença com a poesia, do Credo com a Arte, como, aliás, o haviam sentido e realizado os criadores das epopeias de granito da Europa medieval, ao lançarem para o espaço as ogivas das Catedrais, numa admirável posição suplicante, que é, ao mesmo tempo, uma afirmação de beleza e de harmonia arquitectónica.
Coube a Nuno de Montemor a honra de haver estabelecido essa aliança, fazendo da arte literária fonte de deleitação espiritual, tão necessária à alma humana como pão para a boca e a luz para os olhos. Foi desde então que o pensamento católico penetrou nas páginas da nossa literatura, conquistando o prestígio que lhe faltava, pela ausência dos escritores e artistas da Igreja e pelo desinteresse da mentalidade cristã pelos problemas estéticos e artísticos do nosso tempo. Com o vanguardismo de Nuno de Montemor reactaram-se as belezas da doutrina secular da Igreja e as actividades literárias de ficção artística.
A crítica manifestou-se, em geral, compreensiva para cada uma das duas dezenas e meia de obras com que Nuno de Montemor enriqueceu, já o nosso património artístico, e os mais altos espíritos da nossa terra teceram à roda das páginas de oiro e luz deste mago da pena as mais lisonjeiras apreciações, como escritor, como romancista, como poeta, de rara sensibilidade, dramaturgo e salmista bíblico de tão pura e funda inspiração que Augusto de Castro chegou a escrever, que «em qualquer literatura do mundo, obras como o Autor de Deus e da Terra, pertencem à literatura de élite».
Com Nuno de Montemor a literatura cristã ganhou altura, e tão elevada posição alcançou, que algumas das suas obras aparecem traduzidas em castelhano e italiano, depois de haverem sido reimpressas em português, nas sucessivas edições que o público tem exigido da empresa editora, numa saudável e significativa homenagem ao talento do escritor, e ao apologeta artístico que, em milhares de páginas, febris e sacudidas umas, plácidas e rítmicas outras, tem feito as delícias dum público que lhe é fiel e devotado.
É, pois de toda a justiça que o «Suplemento Literário» do diário católico preste a sua homenagem ao fecundo escritor, personalidade inconfundível do nosso panorama literário, destinada a ficar gravada a letras de oiro na história da literatura portuguesa, como renovador e esteta da mais pura água.
José Maria de Almeida
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Rapazes e Moças da Estrela
Nuno de Montemor tem uma predilecção especial pelo Natal e escolhe quase sempre esta quadra familiar, tão evocadora dos mais íntimos sentimentos de ternura e de amor, para fazer aparecer os seus livros. Ainda neste ano não quis fugir à regra, apesar dos seus sofrimentos, e veio depor nas mãos de todos nós esta colectânea de novelas a que deu o nome «Rapazes e Moças da Estrela».
Há muito que as figuras deste recente trabalho viviam no coração do Autor e o acompanhavam amorosamente como pessoas da família querida, mas a doença, longa e cruciante, prendera-o ao seu leito e à sua dor meses e anos e chegara quase a fazê-lo desistir do seu propósito. Assim o confidenciara a alguns amigos íntimos que procuravam acompanhá-lo, com a sua amizade e a sua compaixão, na ascensão dolorosa do seu calvário.
«Rapazes e Moças da Estrela» é constituído por uma mancheia de contos, que talvez mergulhem as suas raízes mais fundas em factos reais que o Autor terá observado directamente ou ouvido contar a respeito dessa gente hermínia e que lhe ficaram presos à memória e ao coração, tal é o embevecimento com que lhes desenha os contornos e lhes interpreta os sentimentos.
Sob certos aspectos, quer-me parecer que é mais difícil ser-se bom contista do que bom romancista, porque o conto exige brevidade e tal poder emocional e de síntese, que ou se realizam em estreitos limites e em curto espaço, ou falha irremediavelmente, sem procurar alcançar poder emocional. Talvez por isso a nossa história literária inclua bem poucos contistas, dignos deste nome e os nossos rir, depois da sua carreira, o conto ao romance.
Não sei se esse facto se terá dado com a maioria dos nossos romancistas. Verificou-se com Nuno de Montemor, cujas últimas obras, se exceptuarmos «As duas paixões de S. Paulo» e «Luz de Fátima», são constituídas por contos: «Encantos meus», «Horas de Paz e Amor» e «Rapazes e Moças da Estrela».
Na verdade, se nem sempre um romance daria um bom conto, um bom conto poderá quase sempre desdobrar-se num bom romance.
Nuno de Montemor é um artista que nos traz a sua mensagem sob a forma poética, quer se exprima no romance, quer no conto, porque em qualquer destas modalidades a alma do poeta está sempre actual e presente no romancista e no contista e realiza-se, digamos assim, contando em verso. E senão, veja-se: num país em que a poesia é tão pouco apreciada pelo público e que são quase desconhecidos do povo os nossos maiores poetas, tantos mortos como vivos, Nuno de Montemor conta sucessivas edições em algumas obras poéticas, como o «Cântico da Dor», já em quinta edição, «Quando se tem Mãe», em terceira, «Água de Neve», também em terceira, etc.
No panorama literário português, encontram-se raros privilegiados que, como ele, cultivem com perfeição suma, quase inimitável, o salmo.
Este recente livro «Rapazes e Moças da Estrela» vinha, de há tempos, a ser anunciado como o testamento literário do Autor, o último trabalho de um homem que sincera e entranhadamente amou os píncaros nevados da Estrela e as gentes rudes, simples e boas, que os habitam aos quais sabe exaltar com aquela beleza das coisas simples, naturais, quase como sairam das…
O livro não encerra mais de seis contos e uma «Canção da Estrela», mas qualquer deles revela um escritor em plena posse do misterioso segredo de saber transmitir aos seus leitores a beleza que lhe estua no coração. Leiam-se, por exemplo, os contos «Guida», «Caminho errado», «Açores» (lenda beiroa), «Tio Batata e Tio Limão».
Através de todos os contos depreende-se um louvável propósito do Autor: reabilitar as gentes e a serra em que nasceu Nuno de Montemor e toda a região beiroa até ao mar. Ele porá na boca de D. Matilde este pensamento… as coisas têm muitas vezes a cor daquilo que se ama, ou se receia, tudo está nos nossos olhos e no nosso coração, mesmo a beleza. Por isso, até se diz: «Quem feio ama, bonito lhe parece.» E na «Canção da Estrela», os primeiros versos são bem claros:
Minha Terra alta de azul e neve, como eu te quero e tão mal te julgam!
Os outros dizem-te falsa, porque lhe faltas e só a mim te dás;
Chamam-te feia, porque só a mim sorris.
Os hermínios eram pastores, valentes como as serras, temos como crianças, dirá o Autor pela boca de Abamir, no conto «Açores». Todo este conto é, sem exagero, uma página de antologia das mais vivas, das mais belas e de grande encanto.
Só um escritor em plena pujança literária podia descrever com tal beleza uma lenda popular.
Edição muito cuidada da União Gráfica, Rua de Santa Marta, 48, Lisboa.
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Nuno de Montemor morreu na sua casa de Lisboa
Às treze horas, do dia 4 de Janeiro de 1964, sucumbiu a uma doença pertinaz e que durou na sua terceira fase cerca de 13 longos anos, Nuno de Montemor, grande escritor e poeta de valor, que se estreou, em 1909, com a «Oração da Soledade», e que logo chamou para si a atenção dos meios cultos.
Nuno de Montemor era o pseudônimo literário do Padre Joaquim Augusto Álvares de Almeida, mas esse criptónimo popularizou-o em todo o país e tornou-o muito conhecido até além fronteiras, sobretudo na vizinha Espanha e na Itália, pela tradução de algumas das suas obras. Tão apropriado lhe era o nome literário – Nuno – talvez em homenagem ao Santo Condestável de Portugal e como ele um lutador intemerato e ousado das grandes causas de Deus e da Pátria.
Montemor em homenagem aos Montes Hermínios, a Serra-Mãe, pois nasceu em Quadrazais (Guarda), em 16 de Dezembro de 1881, e aqui viveu a maior parte dos seus anos.
Depois de frequentar o Seminário Diocesano, onde logo se distinguiu pelos seus excepcionais dotes literários, recebeu a ordem de presbítero e ingressou na carreira militar como capelão, sendo promovido ao posto de capitão em 11 de Março de 1922 e passado à reserva em 1937 e à reforma em 16 de Dezembro de 1951.
Nos últimos tempos, exerceu o cargo de Secretário do Distrito de Recrutamento e Reserva, na Guarda. Depois de se reformar fixou residência em Lisboa.
A sua obra, vastíssima, alguns milhares de páginas, abrange sobretudo trabalhos de ficção: contos e romances, poesia e dramaturgia. Mas é principalmente como poeta, de rara sensibilidade e de sabor campestre que Nuno de Montemor passará à nossa História Literária, porque mesmo quando escrevia romances e neles tem páginas de grande elevação espiritual e beleza paisagística, o escritor é sempre grande poeta e principalmente poeta bucólico.
Depois que se estreou em 1909 com a «Oração da Soledade», nunca mais a sua pena conheceu esmorecimento ou se quedou à sombra dos louros colhidos e só agora a morte a imobilizou, pois mesmo durante as suas longas doenças que mais ou menos ciclicamente o atormentavam e até nesta que o arrebatou ao número dos vivos, sempre Nuno de Montemor se entregava ao prazer de comunicar a sua mensagem de escritor, ou se consagrava a reeditar e a aperfeiçoar as suas obras
«Rapazes e Moças da Estrela», com que a morte encerrou o seu labor, já foram traçados com a mão trémula, mas ainda assim a beleza jorra a flux em muitas destas páginas.
O escritor Guido Batelli traduziu para italiano parte do livro «Amor de Deus e da Terra»; José Andrés Vasquez, em 1939, verteu para o castelhano, «A Paixão de uma Religiosa», obra que deu começo às edições Hispano-Portuguesas da Colecção Lar. O mesmo publicista traduziu para espanhol «A Maior Glória». O «Avô» foi vertido para francês.
Em 1928, Nuno de Montemor lançou a iniciativa da «Colecção Véritas», de que saíram vários volumes.
Entre os romancistas católicos portugueses, o falecido ocupava indiscutivelmente lugar de relevo e de primeiro plano.
Como poeta que era e de rara sensibilidade, amava as coisas belas do mundo e amava com ternura verdadeiramente paternal, as criancinhas pobres, para as quais vivia quase numa doação total. Considerava-as o seu melhor livro que escrevia todos os dias sem nunca o poder acabar. Para eles fundou o lactário Dr. Proença, na cidade da Guarda, onde passava grande parte do dia, a fazer o bem, sem olhar a quem.
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O Romancista da Caridade
Em grande parte, os seus livros são o reflexo do seu magnânimo coração e serão talvez o eco mais ou menos longínquo e fiel de tantos e tantos casos reais que lhe passaram pelos olhos no seu Lactário.
Por isso, já se lhe deu o título de romancista da bondade.
Nuno de Montemor não pode nivelar-se com outros romancistas. É ele só; e isso basta para definir a sua obra tão vasta como apreciável, com uma personalidade inconfundível.
O seu nome não anda pelas academias; nem isso viria aumentar a glória e o valor da sua obra, já tão extensa e particularmente apostolicamente útil.
Este aspecto, para nós o principal num escritor católico, não entra no critério da «grande crítica»; e isso mesmo escapa aos que no exame de um livro, pretendem ver apenas o estilo, a classe, o realismo ou a paixão.
Para analisar os nossos romancistas católicos, à testa dos quais vai há muito Nuno de Montemor, não há necessidade de evocar confrades de outros países.
Cada autor tem a escola e o estilo do seu próprio critério, para surpreender a vida ou analizá-la. Nuno de Montemor é dos que surpreendem os homens no estado de alma com que a vida os glorifica, os martiriza ou os redime. Saber descrever é já saber analisar.
Para Nuno de Montemor, apesar de todas as dores e traições que pesam sobre a vida, há sempre um lado bom e meritório por onde se pode descobrir um princípio de redenção.
Para além do mal que existe, de todos mais ou menos somos vítimas ou réus, há sempre o bem que é preciso conhecer e importa fazer.
Nuno de Montemor, o homem da fina sensibilidade, para quem as coisas têm às vezes a mesma delicadeza das almas que lhe definem a história, é bem o romancista da bondade.
No panorama literário, como no panorama geral da arte, achamos mais lógico falar e aceitar o parecer de que há católicos que escrevem romances ou fazem arte do que manter a sempre melindrosa ideia de romance católico e também arte religiosa.
O que importa não é tanto fazer romances religiosos, mas realizar boa literatura em que a religião, nos seus princípios imutáveis e na pureza dos seus mistérios, não só não fique diminuída ou imprudentemente comprometida, mas, outrosssim, dignamente servida.
Maria Máxima Vaz
(Fim.)
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José Carlos Lages
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