:: :: ALDEIA VELHA – SABUGAL VELHO :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais se um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».
SABUGAL VELHO
A respeito destas ruínas já no Vol. X e a pág. 200 do Archeologo publicámos uma notícia. Aqui transcrevemos o que então dissemos:
«A pouco mais dum quilómetro a S O. de Aldeia Velha, ergue-se um elevado outeiro, onde alveja a ermida de N. s.a dos Prazeres. No alto desse outeiro, que do N. e S. E. é de dificílimo acesso, existem ainda as ruínas duma antiquíssima povoação, conhecendo-se bem os alinhamentos das ruas, uma das quais tinha quinhentos passos de comprimento, à qual dão o nome de Rua Direita. Não só pela aparência, mas conforme a tradição, parece ter sido castro e não dos inferiores, atendendo à sua área e a que era cercado de um fosso e, noutros tempos, de muros, ao que parece. Dos muros nada resta a descoberto, mas o fosso é ainda bem patente.
As casas eram de pequenas dimensões, as paredes de alvenaria, não se notando já barro ou cal, nem cantaria alguma, que no dizer de um pastor, que ali pastoreava o rebanho (1), sentado nos restos da casa maior, «fora toda para Aldeia Velha ou empregada na capela».
Em vários pontos apareciam profundas escavações feitas em procura de tesouros.
«Aqui há grandes riquezas. – disse o pastor – Os Mouros, pelos modos, prometeram uma serra de trigo a Portugal se lhes deixassem esbarrondar este cabeço. E cá nunca precurei, mas, diz que stá aqui enterrada uma custódia douro, que bota um resplindor que inté ceg’àgente que le quer botar as unhas. E uns sinos grandes, grandes, presos nas raizes dos carvalhos».
Preguntei-lhe se nunca ali achara moedas, e o José Alves respondeu: – «Nã se vá sem resposta, home! E cá nunca enxerguei mais qu’as contas de brido, um dia que me roubéram uma capada (rebanho) de chivos e pró routro dia, cando andaba a repastar as cabras e tornar as bácas, a modo que achei um chabo, mas avintei co’ele; e mê primo, no dia que trogueram a santa p’ra môr de chover, achou aqui uma cunha, não vi se era raio ou corisco… Ora – continuou o pastor – minha avó contava que estava aqui uma moura encantada, que na noite de S. João, e já p’ra minhesinha, botava muitiximas peças d’ouro a córar, mas ê cá nunca le puz os olhos em riba. que a em a são chuchorrões; se quer be-los…» disse apontando um montão de escória.
Fielmente copiada, a informação, que o pastor forneceu, dá ideia da linguagem de Aldeia Velha e mostra também que ao Sabugal Velho andam ligadas histórias de mouras encantadas e ainda que ali apareciam machados de pedra polida, porque um me foi oferecido, ali achado (1).
Levado pela curiosidade, fui examinar um montão de pedregulhos, que o pastor me indicou, e que era escória (chuchorrões, dizia) havendo indícios de ter ali havido algum forno para derreter minério, o que se explica porque, a pequena distância, há um filão, não sei de que minério, certamente contendo ferro, dando-se ao sítio o nome de Ferrarias.
Muitas são as lendas associadas ao Sabugal Velho, que por brevidade omito, sendo uma a que se refere a Pero Coelho, um dos assassinos de Inês de Castro «que ali se refugiou e que por isso foi arrasada a povoação».
Que Pero, que alguns de Aldeia Velha dizem ser dali, seria antes, ao que dizem, do Jarmelo, e teria motivado, no dizer do povo, a destruição desta vila, como consta da seguinte quadra:
Adeus vila do Jarmelo
Adeus pedra de montar
Enquanto o mundo for mundo
Tributo hás-de pagar.
Sem querer falei do Jarmelo, cujas ruínas são dignas de visita, assim como o preciosíssimo dólmen que fica nessa região, na freguesia da Pêra do Moço, ao que consta propriedade do Museu «Martins Sarmento). Creio que não seria infrutífera uma exploração no Sabugal Velho, enquanto o arado e o alvião não destruírem os restos das casas e apagarem os vestígios claros das diferentes ruas.
Nisto pensava eu há poucos anos, contemplando o belo, majestoso horizonte que dali se descortina e que abrange inúmeros territórios de Espanha e Portugal, incluindo as ruínas do Castelo de Alfaiates, a destacar-se entre os casebres, num outeiro que o Cesarão circunda e a poucos passos do campo, onde em 1811 o exército francês sofreu grave derrota.
A lenda de Pero Coelho surgiu na mente do povo sem razão plausível, e talvez nascesse do facto de se chamar castro ao sítio e de ali querer justificar o nome, ligando-o, associando-o ao trágico sucesso de Inês de Castro.
Não merecerá a pena pensar na lenda, mas merece louvores quem revolver as ruínas, onde talvez apareçam objectos que indiquem ou desvendem o mistério em que está envolvida aquela povoação.
Os restos de muitas casas, bem alinhadas, o terem ali aparecido instrumentos de pedra polida e moedas, o aspecto geral do Sabugal Velho, e, a não grande distância, a existência de sepulturas abertas em rochedos graníticos, são já indícios suficientes para haver probabilidades de bom êxito numa exploração a que presida o verdadeiro critério (2).
Quando em 1889 visitámos o Sabugal Velho vimos distintamente o fosso que cerca o outeiro, segundo dizem aberto há muitos anos pelos que retiraram a pedra da muralha que porventura ali existira, pois dela não restam vestígios.
Fica por isso em dúvida se o fosso indica o local da pretendida muralha ou se esta nunca existiu e fora feito propositadamente, dificultando o acesso ao inimigo, que teria de transpor o fosso e saltar, trepar sobre o terreno tirado deste e que devia ter grande altura, sendo uma grande vedação feita de terra e pedra misturadas, como ainda podia ver-se, interceptada donde em onde, circundando o outeiro.
Dos lados N., S. e O. são ainda bem notáveis os vestígios duma vedação. Do lado ocidental vê-se uma trincheira que corta aquela grande aglomeração de terreno, pa- recendo que em frente desta teria havido outro fosso ou muralha, o que se justificava por ser dali mais fácil de tomar, tornando-se por isso maior a necessidade de aumentar os obstáculos desse lado, onde o outeiro não oferecia defesa natural.
Eis a traços largos o que se pode presumir a respeito do sistema de fortificação desta antiga povoação, que tem todas as aparências de castro.
Passando pela referida trincheira, nota se um ponto onde teria existido muralha e em seguida os arruamentos ainda bem patentes, porque ali vimos os alicerces de casas e de algumas paredes de mais de um metro de altura. Diz-se que há poucos anos ainda ali as havia que denotavam terem sido rebocadas e caiadas.
As ruas eram bem alinhadas, o que raramente se nota em povoações relativamente modernas. Paralelas à chamada rua direita havia outras, que entroncavam noutra que corria em volta do outeiro, segundo nos pareceu.
As casas eram de pequenas dimensões, excepto duas contíguas na rua direita que tinham triplicadas dimensões das restantes.
As paredes eram bem feitas, notando-se nelas ausência de barro e cal, bem como de cantaria e pedras volumosas, ao contrário do que se observa em antigas povoações, onde se encontram construções ciclópicas.
Tudo o que poderíamos dizer sobre o assunto seria muito problemático enquanto se não proceder a grandes explorações.
Em vários pontos haviam já feito escavações, de moderna data, com a mira de descobrirem tesouros. Não nos consta, porém, que ali tenham aparecido objectos dignos de nota, além das contas de vidro.
A tal respeito é interessante a lenda que ainda envolve estas ruínas. Dizem uns que existem ali uns sinos presos já nas raízes dos carvalhos seculares e outros que têm sonhado com uma custódia de ouro, cujo resplendor fascinava a vista; outros que têm ali sido vistos objectos maravilhosos mas guardados sempre por mouras encantadas, que, em noites de S. João, ali apareciam com meadas e peças de ouro, que depois punham a corar ao sol.
Mas há muitos que afirmam terem ali aparecido objectos de valor, embora o mais sejam sonhos e devaneios da imaginação do povo, que no maravilhoso tem sempre um assunto predilecto.
Afirma-se que Aldeia Velha foi formada à custa do Sabugal Velho e que este dera o nome à actual vila. Não passaria de conjecturas o que a tal respeito aqui disséssemos.
E todavia natural que os habitantes abandonassem outeiro em épocas pacíficas, quando desnecessárias lhes fossem as defesas naturais e artificiais nele existentes, sendo de difícil acesso, sem ali terem água, nem terrenos próprios para cultura e natural seria também que retirassem para o novo local o que fosse aproveitável, mas a prova disso seria difícil, senão impossível de obter.
Podiam as duas povoações ter coexistido durante certo tempo. A sua situação parece fornecer o motivo da sua ruína e abandono.
Há quem afirme ter ali existido um convento, o que é pouco verosímil. Não falta quem assevere, como vimos, ter sido arruinada a povoação por ter ali estado ou ser mesmo dali Pero Coelho e também que o foi por causa duma praga de formigas.
Tudo parece demonstrar que fora um castro, mas nada sabemos a respeito do despovoamento dele ou da povoação que ali certamente existiu.
Como foi, porém, que o Sabugal Velho deu lugar a que surgisse outra terra também com o nome de Sabugal?
Impossível é responder e inúteis julgamos quaisquer indagações nesse sentido, enquanto se não demonstrar que o Sabugal Velho teve certa importância no tempo, antes ou depois da época romana, que lhe assinalasse preponderância sobre as restantes povoações.
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Notas
(1) – Ofereci-o com outros mais ao Museu Etnológico Português.
(2) – Vid. Archeólogo Português – vol X, pág. 199 a 207.
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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