:: :: ALDEIA VELHA :: :: O livro «Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», escrito há mais se um século por Joaquim Manuel Correia, é a grande monografia do concelho. A obra fala-nos da história, do património, dos usos e dos costumes das nossas terras, pelo que decidimos reproduzir a caracterização de cada uma das aldeias nos finais do século XIX, altura em que o autor escreveu as «Memórias».
![Igreja matriz de Aldeia Velha](https://i0.wp.com/capeiaarraiana.pt/wp-content/uploads/2013/12/igeja.jpg?resize=500%2C323&ssl=1)
ALDEIA VELHA
É situada num extenso e verdejante vale, na margem direita duma ribeira que tem começo na Fonte das Ferrarias, nas faldas duma serra, juntando-se-lhe depois muitos regatos que passam perto do Sabugal Velho. Do meio da povoação domina-se um horizonte limitado. Mas do alto da mesma e de pequena distância do povoado desenrola-se à vista grande extensão do território espanhol, sobressaindo a serra de Xalma, nas faldas da qual estão situadas S. Martinho, fujas e Vai verde, povoações espanholas.
O próprio nome nos diz que esta povoação é muito antiga, mas, examinando os seus míseros casebres, não se nota neles cousa que revele antiguidade, embora fácil seja de crer que tenham desaparecido os vestígios da sua vetustez, devido ao pouco amor que nas aldeias e mesmo em certas cidades há pelas coisas antigas.
Se, porém, no interior não restam vestígios que possam orientar-nos ou esclarecer-nos a respeito da sua antiguidade e origens, há nas proximidades da povoação vestígios de muito valor, nas sepulturas monolíticas abertas no granito e sobretudo nas importantes ruínas do Sabugal Velho. Devemos, todavia, dizer que à saída da povoação nos mostraram as ruínas de duas casas que dizem terem sido as primeiras daquela aldeia, mas cujo aspecto nada nos revelou de apreciável.
Fazendo parte dum muro vimos uma pedra com dois semicírculos concêntricos, abertos entre duas cruzes um pouco maiores, cujos desenhos toscos feitos em sulcos pouco profundos dão a ideia dum pórtico ladeado por duas cruzes. Dizem que a pedra fora trazida do Sabugal Velho.
As ruas são naturalmente asseadas em virtude da sua inclinação e de os habitantes serem cautelosos, sobretudo depois que a cólera em 1855 ali
causou numerosas vítimas, chegando a morrer 60 pessoas em 15 dias, quase todas de ataques fulminantes. Já então se estabeleceu um cordão sanitário em volta desta freguesia e de Aldeia da Ponte, onde grassou o terrível flagelo. De 1901 a 1902 urna terrível epidemia, o tifo, causou também numerosas vítimas.
O limite de Aldeia Velha toca nos seguintes pontos: Tapada de M. Alves, Rodo Castanho, Barroca dos Medos, Barroca Funda, Cabeço Verdugal, Vale Serrano, Vale da Cruz, Cabeço da Pedreira, Canchal Gordo, Bar- roca da Pesqueira, Cabeç’ Alta, Barreira da Fonte de João Grande, Prado Grande, etc.
O seu limite está compreendido entre os de Alfaiates, Forcalhos, Aldeia do Bispo, Souto, Foios e terras de Espanha.
Apesar de ainda haver muitos terrenos maninhos, tem grande produção de centeio, batatas, grão de bico e outros géneros.
Cria muitos gados, especialmente bovino, ovino e caprino, porque poucas freguesias têm tão ricos e extensos prados e lameiros. Em 1889 tinha 80 juntas de vacas, 1.200 cabeças de gado lanígero e 400 de caprino.
O clima rigoroso, muito frio, de que é dotada, dá lugar a que tenha poucas árvores frutíferas, começando há poucos anos a plantação de castanheiros e da vinha.
Antigamente houve ali muitas vinhas, o que se demonstra pelas muitas pedras de lagares que ali aparecem, algumas das quais fazem parte duma das pontes da ribeira e ainda por aparecerem videiras em vários pontos, especialmente no sítio da Cerca, próximo do Sabugal Velho e em terrenos incultos.
A freguesia tinha em 1747 apenas 45 fogos e em 1889 contava 278 e 1142 habitantes, o que mostra ter aumentado muito em proporção doutras.
A câmara do Sabugal nomeava o juiz pedâneo.
Tanto nesta corno na mor parte das freguesias da raia é costume mu- dar o b em v e vice-versa. Assim é que interpelando nós um dia certo pastor a respeito do rebanho, o mesmo nos respondeu:
– «Ulhe (olhe) home, rouberam-me uma capada de chivos, cumo já dixe e pró routro dia (outro dia) achei menos urna baca».
A resposta, fielmente reproduzida aqui, dá-nos alguma ideia da linguagem desta gente.
Tem escola para o sexo masculino, sendo urna das mais antigas do concelho.
Templos e ermidas
A igreja paroquial, obra do século XVIII, corno pode ver-se no frontispício, é de proporções regulares, tendo três naves. O pavimento da capela-mor é muito mais elevado, tendo de subir-se três degraus.
O retábulo está encimado por um escudo, onde se vê a cruz de Malta, ordem a que pertencia a freguesia. Tanto o altar, corno o retábulo, tem boa obra de talha e o tecto várias molduras com toscos quadros a óleo, representando, corno alguns de que já nos ocupámos falando doutras freguesias, os Evangelistas e Doutores da Igreja.
A cruz de Malta vê-se também no tecto e na estantesinha do missal. Além do altar-mor existem na igreja mais três, sendo dois de boa talha, igual à do primeiro.
No altar-mor lê-se em grandes caracteres: JOANES EST NOMEN EJUS, que explica bem qual o orago da freguesia. O coro é toscamente feito, assentando sobre quatro colunas, em cada uma das quais existem quatro conchas abertas na cantaria, destinadas a água benta.
Por baixo do coro construíram um cubículo destinado a proteger os pesos do relógio, colocado no campanário, que está unido à igreja. O púlpito é de pedra e tem parapeitos de madeira, tudo muito singelo. A sacristia está muito decente e nela se guardam em bom arcaz de castanho as alfaias e vasos sagrados, nomeadamente um cálice antigo e custódia de prata, ambula do mesmo metal, e também um pálio regular. Sobre o arcaz assenta um oratório onde se vê um crucifixo imperfeito, assim como todas as restantes imagens que vimos na igreja, sendo a da Senhora do Rosário a menos tosca.
Para prestígio da religião deviam ser retiradas dali, porque mais parecem caricaturas para causar medo às crianças.
Num dos altares laterais existe a imagem da Senhora dos Prazeres, cujo santuário é no outeiro do Sabugal Velho de que adiante falaremos, no qual existe uma ermida muito singela. Esta imagem é muito venerada na povoação e, quando a chuva escasseia, o povo em procissão, pároco à frente e cruz alçada, condu-la até à ermida do Sabugal Velho, trazendo em seguida, em troca, a que ali está, mudando-as outra vez, quando a falta de chuva se faça novamente sentir.
Tal é a crença e devoção e tão bons resultados dá, que o pastor a quem atrás nos referimos a tal respeito nos asseverou: «…cando a gente chega ao luguér chove case sempre a cântaros, chegando todos a casa molhédos, por milagre da Santinha». Esta procissão ad petendam pluviam é usada noutras povoações do concelho e na mor parte do país, por vezes com aparato e sempre com devoção.
Em 1889 ainda o cemitério ficava contíguo à igreja paroquial, contra todos os preceitos higiénicos, tendo, aliás, um bom muro em volta.
Nele vimos um singelo monumento sobre a sepultura onde descansam os restos mortais do Padre Teotónio Vaz Gomes, natural do Escabralhado, que nasceu em 15 de Janeiro de 1809, falecendo a 16 de Julho de 1885, sendo pároco desta freguesia desde 1 de Janeiro de 1863, a 16 de Julho de 1885. Esse singelo monumento foi mandado erigir pelo sobrinho pároco que lhe sucedeu, de quem era muito amigo, sendo, como o tio, um sacerdote exemplaríssimo e querido de todos, também natural do Escabralhado.
O cura desta freguesia era da apresentação do Comendador de Malta, que em 1747 era Fr. Manuel Alves Coelho, de Vila Real, recebendo anualmente cem mil reis.
Segundo as declarações do reverendo Padre Teotónio Vaz Lavajo, sobrinho do falecido, a côngrua actual é de 60.000 reis, dando o pé de altar 15.000 reis. Recebe de óbitos de menores, 120 reis; de casamentos, 400 reis; e de baptizados, 300 reis. O bem de alma é de 3.000 a 9.000 reis.
Têm ainda, como em todas as restantes freguesias, o que recebe dos responsos e acompanhamentos.
Aldeia Velha é sede dum distrito de juízo de paz, a que pertencem Aldeia do Bispo, Lageosa, Forcalhos, Vale de Espinho e Foios, sendo criado este distrito em 1895.
No Almanaque de Lembranças de 1855 lê-se uma notícia de ter aparecido aqui um caso de monstruosidade: uma vitela com duas cabeças, que por acaso se descobriu, abrindo uma vaca que se tinha afogado.
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«Terras de Riba-Côa – Memórias sobre o Concelho do Sabugal», monografia escrita por Joaquim Manuel Correia
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