O Natal sabe-me a um «voltar à terra» especial. É um inevitável regresso à casa quente, envolto de aconchego familiar e é também o achar de velhas e salutares amizades.
O Natal marca-me, ainda, um reencontro com a igreja aldeã e com o repique dos sinos velhos no campanário centenário. Oferece-me a altura flamejante de um enorme Madeiro incendiado e cercado pela aldeia inteira. Propõe-me um presépio povoado de figuras venerando o Menino Jesus, ao cuidado de Maria e José. A cabana, abrigo da Sagrada Família, assenta num chão de musgo viçoso. Um ramo de pinheiro tenramente desgalhado pretende abrigar cabana e chão. Neva, em todo o presépio, algodão imaculado. Da coruta do ramo verde sustém-se uma estrela que vigia e garante a quadra natalícia.
Mas o frio, esse, só se extingue verdadeiramente à lareira.
A festa convoca-me para a mesa, para as ementas e para receitas de sempre e, recordo, esta quadra não visa apenas o consumismo. A tradição intima-me aos meus sabores preferidos e a mesa de Natal é o sítio onde, anualmente, os reexperimento.
Mastigam-se, assim, amizades que ajudam a abrir apetites e desafiam gostos apurados em milhentas vivências repetidas.
O fim-de-semana passado já foi de Natal e trouxe, celeremente, o dia de consoada. Embora com a crise em fundo, abrirei, agora, os sentidos à eterna e sempre repetida surpresa.
E, claro, isto não é apenas poesia. O Natal é uma verdade minha, integrada na vida real mas também é memória do vivido. É ainda uma ocasião de viajem. Com ele inscrevo visitas aos mais puros lugares do meu imaginário infantil, onde, nesta altura, volto para me procurar.
O Natal reporta-me ainda a um sentimento genuíno aposto no campo da harmonia quer ela seja de vontades, de sons, tons ou sabores e traz-me a busca e a frescura do mais carismático da vida. Estimula-me o gosto (muito meu) de juntar palavras umas às outras para, com elas, falar às pessoas das suas próprias histórias e das suas próprias memórias. Tento, desta forma, cooperar na cristalização das emoções.
Às vezes oiço que não, que não será de ligar a sentimentalismos. Que há pouco, já, quem ligue. Que não se perca tempo. Mas continuo a dizer que pelo menos eu ligo. Que cada um é como é e que ceder a sensibilidades não é perca de tempo. Julgo, até, bastante útil reavivar memórias afectivas tentando evitar que elas tenham pequenas mortes!
Mas estamos, de facto, no Natal e aproveito para desejar a todos Boas Festas.
Haverá, sim, Ano Novo e todos ambicionaríamos nova e melhor vida.
Apesar da amarga passagem dos dias e das más suposições quase sempre comprovadas, que uma nova chama incendeie o ano nascituro e que ele se capacite e substitua o ano que finda ultrapassando desgastes e desânimos.
Votos de algum descanso, portanto, para os martirizados habitantes lusos e que a quadra natalícia ajude a iluminar as mente e os espíritos dos que têm poder de decisão sobre as nossas vidas.
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«Terras do Jarmelo», crónica de Fernando Capelo
(Cronista no Capeia Arraiana desde Maio de 2011)
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