É do conhecimento geral que, na Idade Média, os senhores nobres tinham privilégios que nem os reis podiam desrespeitar, dentro dos seus domínios. Esta realidade enfraquecia o poder real e era causa de muitas guerras, conflitos sociais e injustiças.
:: :: :: :: ::
«A luta travada entre a coroa e os detentores do poder senhorial constitui, de facto, um dos aspectos mais marcantes do reinado e da actuação política de D. Dinis. Demonstrando uma grande capacidade de decisão, utilizou os instrumentos ao seu dispor para fazer prevalecer a sua vontade e demonstrou que não hesitava em pegar em armas quando era necessário para atingir os seus objectivos.»
:: :: :: :: ::
Todos os reis quiseram centralizar o poder e ter uma administração com normas aplicáveis a todos os súbditos. E chegar a este estado, era um avanço civilizacional. As normas ditadas e aplicadas pelo senhor nos seus domínios eram em seu proveito e cometiam-se grandes injustiças para com os povos que nesses domínios habitavam.
Ficou já referido como D. Dinis actuou relativamente à Justiça. A lei da Apelação é um primeiro passo. Haver um poder superior que pode decidir e julgar, modificar ou até anular uma sentença já dada, certamente é enfraquecer o poder judicial de quem a proferiu e, neste caso, era enfraquecer o poder da nobreza, procurando como aliado o povo, que se queixava da arbitrariedade dos nobres.
O segundo passo importante foram as inquirições. Questionar o direito de o senhor possuir e ter plenos direitos no seu senhorio, incluindo sobre as pessoas, exigir a apresentação dos títulos de posse, era visto pela nobreza como uma interferência ofensiva e uma ameaça às suas sagradas imunidades. E criou tensões.
Mas D. Dinis não era menos diplomata cá dentro do que lá fora, e fez o que achava que devia ser feito.
«Em 1284 D. Dinis dá um importante passo no sentido de averiguar abusos da nobreza, ao ordenar as primeiras inquirições gerais do seu reinado. Ao contrário das efectuadas no tempo do seu avô (1220) e do seu pai (1258), sobretudo vocacionadas para apurar os bens e os rendimentos da coroa, estas, aparentemente idênticas, reflectem um aumento significativo, quer quantitativo quer qualitativo, na recolha de informações sobre os abusos perpetrados pela nobreza.»
Como nos diz José Mattoso, D. Dinis «utilizou os instrumentos ao seu dispor».
E utilizar os instrumentos é utilizar as leis, os órgãos e instituições que existiam e verificar os documentos e até saber se eles existem. É que em muitos casos as apropriações tinham sido abusivas e, quando não havia documentos que provassem a propriedade e os direitos, as terras podiam voltar à posse da coroa. Proceder cumprindo as leis, é não ser arbitrário, e inquirir da legalidade ou ilegalidade da posse, é zelar pelo património da coroa, que seria hoje a propriedade pública.
A nobreza não via com agrado as inquirições, não admitia ser desapossada de bens que usufruía, nem de ser questionada a sua posse, mas a verdade é que os bens eram da coroa e o rei não estava a ser prepotente ao exigir a apresentação das provas de posse. Não existindo esses documentos, os bens indevidamente apropriados, voltavam para a Coroa, que essa era a única forma de ser feita justiça, e essa era a finalidade das Inquirições. Quem se apossava sem poder, perdia sem querer. Claro que a nobreza reclamava, mesmo não tendo razão.
D. Dinis geriu o descontentamento da nobreza com muita prudência e saber, cedendo nalguns pontos e exigindo noutros, dividindo os problemas, actuando alternadamente no campo do clero e da nobreza, mas persistindo sempre na centralização do poder.
Em 1282 promulgou a primeira lei de desamortização dos bens do clero, seguindo-se mais duas em 1286. Em 1283 revogou doações feitas a nobres e em 1284 iniciou as inquirições.
Mudava de estratégia e de alvo, mas mantinha os objectivos. Senhores laicos e senhores eclesiásticos, embora por meios diferentes, foram perdendo poder. Os funcionários régios, sobrejuízes, ouvidores, meirinhos foram entrando a desempenhar as suas funções nas terras senhoriais, substituindo-os, e o poder do monarca saiu fortalecido. O poder do monarca era o poder do Estado.
Houve momentos de tensão, mas conflito armado só com o seu irmão Afonso e com seu filho e herdeiro, D. Afonso. Nos dois casos o rei venceu e retribuiu com generosidade, que essa era uma das suas grandezas e a habitual forma de mostrar a sua majestade. Um vencedor que dá mais do que o vencido merece, engrandece-se aos olhos de todos. E o rei sabia-o e praticava-o.
É um facto José Carlos Mendes. Sim, os reis centralizaram o poder aliando-se ao povo. Um poder que tendia a dar direitos cada vez mais iguais, retirava da sujeição e da falta de liberdade.
A isenção do imposto de portagem era sempre uma concessão que baixava os preços de consumo dos artigos que circulavam para venda fora dos seus concelhos e às vezes até das suas terras. Estimulava a produção e o comércio.
Não foi uma isenção dada ao mesmo tempo a todas as povoações. Era sempre concedida em razão de algum acontecimento…
Cara Dra. Máxima, agradeço o ensinamento que me trouxe e a reflexão a que me levou.
E, da minha lavra de «outsider», permita-me duas pequenas notas.
Uma, para sublinhar que julgo saber que as populações de muitas terras foram muitas vezes libertadas dos seus dominadores locais pelos próprios monarcas absolutos. Esse fenómeno – em que se enquadram muitos forais e cartas de alforria – é de base europeia, mas começou cedo em Portugal.
Mais cedo do que em muitos países europeus hoje considerados muito civilizados, mas que, em matéria de autonomias locais se atrasaram bastante.
Penso que estas cartas de autonomia local representaram para os povos um momento de libertação historicamente inilidível.
Isto sobre estes fenómenos passados no século XIII, e que é a base para muitas outras alterações que se operaram no País a partir desse patamar.
A segunda nota tem a ver com um facto atinente à minha aldeia, o Casteleiro, e a outras no século XVIII. Aí, nos censos (inquéritos) que o Marquês de Pombal enviou a todos os padres de todo o País, a dado passo, como sabe, era perguntado se «os povos usam livremente as suas ágoas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão», o Cura Manuel Leal responde apenas: «Gozam os povos livremente das suas ágoas».
Mais abrangente é a resposta dada pelo prior de Sortelha, então se de concelho a que pertencia o Casteleiro, e que, sobre o pagamento de portagens assegura a liberdade concedida por D. Manuel: «Tem os moradores desta Villa e seu termo Privillegio de não pagarem protagem neste Reino, assim das couzas que comprarem, como das que venderem, concedido pelo Senhor Rey dom Manoel, que a Santa Gloria haja».
Sublinho que, portanto, isto inclui o Casteleiro também: estes povos, por decisão real, estavam isentos das portagens da época.